O Argumento da loucura e dos sonhos de Descartes
Por: Cecilia100 • 13/4/2015 • Resenha • 1.587 Palavras (7 Páginas) • 759 Visualizações
Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP
Profº Dr. Alexandre Torres de Oliveira Carrasco
O Argumento da loucura e dos sonhos de Descartes
Descartes em sua primeira meditação busca abster-se de todo o conhecimento que adquiriu na infância e na adolescência. Sendo que, segundo o próprio Descartes, tudo aquilo que lhe foi passado como verdadeiro, eram questões incertas e duvidosas, equivocadas e muito distantes do real. Como ele nos conta em sua fala a seguir:
“Fui instruído nas letras desde a infância, e por me haver convencido de que, por intermédio delas, poder-se-ia adquirir um conhecimento claro e seguro do que é útil à vida, sentia extraordinário desejo de aprendê-las. Porém, assim que terminei esses estudos, ao cabo do qual costuma-se ser recebido na classe dos eruditos, mudei totalmente de opinião. Pois me encontrava embaraçado com tantas dúvidas e erros que me parecia não haver conseguido outro proveito, procurando instruir-me, senão o de ter descoberto cada vez a minha ignorância. E, contudo, estudara numa das mais célebres escolas da Europa, onde imaginava que devia haver homens sábios, se é que havia em algum lugar da terra.” (DESCARTES, O Discurso do Método, 1999, pag. 37)
Descartes têm como objetivo começar tudo novamente, a partir dos fundamentos, para estabelecer algo sólido e duradouro nas ciências. Deste modo, o próprio Descarte estabelece a sua idade como sendo madura para tal empreendimento. Nós possuímos três épocas da vida, são elas: a infância, a maturidade e a velhice. Na infância, não há condições de possuir um censo crítico, e Descartes critica muito essa fase da vida. Na velhice ou como muitos dizem a “melhor idade”, podemos nos tornar mais sábios, entretanto, tal feito não pode ser interessante devido alguns problemas que poderiam acarretar em uma dificuldade de terminar aquilo que é proposto. Em contrapartida, a maturidade para Descartes é a idade mais apta para seguir com este empreendimento.
E é o que Descartes faz após um período de viagens ele se isola em um quartel onde, por não encontrar convívio social que o pudesse distrair, o faz entregar-se inteiramente aos seus pensamentos, aquele era de fato um momento propício. Pois ele possuía condições para isso, livrando-se de todas as obrigações e, repousando assim, de uma solidão pacífica. Neste momento Descartes encontra-se livre e, é aí que surgem, as meditações metafísicas. Como fala Descartes a respeito de suas meditações: “Não estou seguro se deva falar-vos a respeito das primeiras meditações que por aí realizei; já que por serem tão metafísicas e tão incomuns, é possível que não serão apreciadas por todos. Contudo, para que seja possível julgar se os fundamentos que escolhi são suficientemente firmes, vejo-me, obrigado a falar-vos delas”.
Tudo o que Descartes aprendera em sua vida, dava-se por intermédio dos sentidos, e que muitas vezes os sentidos podem nos enganar e como ele próprio diz: “mas às vezes me dei conta de que esses sentidos eram falazes, e a cautela manda jamais confiar totalmente em quem já nos enganou uma vez”. Os sentidos podem nos enganar em relação às coisas pouco sensíveis, e a razão nos mostra que só podemos crer naquilo que de fato é certo e indubitável. Pois nem sempre aquilo que nos apresenta aos sentidos como verdadeiros, nem sempre o são. Um exemplo disso é quando observamos um objeto que está longe, este objeto nos parece pequeno, mas ao nos aproximarmos ele se torna grande, gigantesco. Ou quando estamos em um carro em movimento, estamos parados, mas a sensação que temos é que o redor que está se movendo. Sabemos, a verdade sobre tais coisas simples, por que possuímos a ideia disso. Porém aquilo que soa como verdadeiro (através do sensível), devido a sua complexidade só será de fato descoberto através de estudos detalhados. Como no caso das galáxias, dos planetas e afins; como aquela velha teoria de que a terra era o centro do universo, e assim sucessivamente.
Esses foram alguns exemplos que nos são proporcionados pelo sensorial. Entretanto, Descartes utiliza-se de exemplos mais ‘reais’, que se aproximam cada vez mais da nossa realidade, ou seja, do presente momento:
(...) que eu me encontre aqui, sentado perto do fogo, trajando um robe, tendo este papel nas mãos e outras coisas deste tipo. E como eu poderia negar que estas mãos e este corpo sejam meus? Exceto, talvez, que eu me compare a esses dementes, cujo cérebro está de tal maneira perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile que amiúde garantem que são reis, enquanto são bastante pobres; que estão trajados de ouro e púrpura, enquanto estão totalmente nus; ou imaginam ser vasos ou possuir um corpo de vidro. São dementes e eu não seria menos excêntrico se me pautasse por seus exemplos. (DESCARTES, Meditações Metafísicas, 1999, pág. 250).
Este é o primeiro grande momento das meditações, onde Descartes une a tese da dúvida do sensível com o presente momento. E negar que ele esteja de fato sentado em sua poltrona, trajando seu robe e escrevendo é agir como um louco. Entretanto, Descartes lança mão de outro argumento, que nos faz duvidar deste fato do “presente”, que reforce a tese deste recusa, dos sentidos, mesmo sendo estes reais. É o que ele nos sugere a seguir:
Contudo, devo aqui ponderar que sou homem, e, consequentemente, que tenho o hábito de dormir e de representar, em meus sonhos, as mesmas coisas, ou algumas vezes menos prováveis, que esses dementes despertos. Quantas vezes me aconteceu sonhar, durante a noite, que me encontrava neste lugar, vestido e próximo do fogo, apesar de me achar totalmente nu em minha cama? Afigura-se-me agora que não é com olhos adormecidos que olho para este papel; que esta cabeça que eu movo não se encontra adormecida; que é com intento deliberado que estendo esta mão e que a sinto: o que sucede no sono não se encontra adormecida; que é com intento deliberado que estendo esta mão e que a sinto: o que sucede no sono não parece ser tão claro nem tão inconfundível quanto tudo isso. (DESCARTES, Meditações Metafísicas, 1999, pág. 251).
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