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Resenha O Banquete De Platão

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Por:   •  23/10/2013  •  4.983 Palavras (20 Páginas)  •  496 Visualizações

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Alienação moral

No texto anterior mencionei aquilo que considero o principal paradoxo do mundo atual: enquanto as filosofias políticas contemporâneas professam a dignidade inerente do indivíduo, aparentemente nem todos os indivíduos são tidos como merecedores de tal dignidade, e o respeito daí advindos. Tentarei discutir esta questão com base nos conceitos de alienação moral, pelo qual um indivíduo se vê excluído da comunidade moral, e dissociação moral, pelo qual um indivíduo é incapaz de enxergar no outro as semelhanças que determinam a participação nessa comunidade moral.

Alienação moral, autoridade e obediência: dois experimentos psicológicos

Hoje parece haver um genuíno consenso sobre quais deveres temos com nossos semelhantes, e quais direitos eles possuem; contudo, nós sistematicamente ignoramos nossos deveres e os direitos alheios. Poucas pessoas hoje concordariam com as práticas de tortura medievais, ou com o assassinato injustificado, ou as guerras de conquista, ou a escravidão humana. Não obstante, nos porões das prisões ainda se tortura e executa, as guerras ainda são promovidas e ainda há seres humanos vivendo em situações análogas à de escravidão. Ainda há racismo, sexismo, todo tipo de preconceito e violência física e moral. Ainda há fome, injustiça e pobreza.

E, o que é mais desalentador, esse estado de coisas não é apenas da responsabilidade dos governantes. É responsabilidade da maioria de nós – porque nós em geral elegemos nossos governantes, compomos os exércitos, puxamos o gatilho e apertamos o garrote. Os crimes contra a humanidade praticados por tiranos e genocidas não apenas contam com a participação ativa de contingentes significativos da população, mas também dependem deles. Nenhum tirano mata com as próprias mãos, nenhum tirano mata sozinho. Mesmo os regimes autoritários contam, no mínimo com a resignação de uma maioria e a participação ativa de uma minoria que exerce a força para manter o controle social.

Duas experiências clássicas da psicologia demonstram de forma vivaz e assustadora o problema do abuso de poder e seu corolário, expressos na clássica alegação do oficial nazista Adolf Eichmann, que foi a peça fundamental de sua defesa em seu julgamento pelos crimes cometidos nos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial: “eu apenas cumpria ordens”. São os crimes de obediência.

Em 1961, na Universidade de Yale, o psicólogo Stanley Milgram fez a seguinte experiência: ele dividiu um número de voluntários em dois grupos. Os indivíduos do primeiro grupo iriam fazer o papel de examinadores, testando as respostas dos indivíduos do segundo grupo. Os “examinadores” eram instruídos a aplicar choques elétricos nos “examinados” sempre que estes erravam as respostas. Os “examinadores” desconheciam dois fatos: primeiro, que os choques não eram efetivamente aplicados; segundo, que os “examinados” foram instruídos a errar propositadamente, a simular a dor da aplicação dos choques, implorar pelo fim do experimento e, por último, simular a perda de consciência, à medida que a voltagem dos choques era aumentada.

Era tudo encenado. Sem saber disso, 62,5% dos “examinadores”, instruídos pelo pesquisador, que os persuadia insistindo na relevância da experiência e a importância de levá-la até o fim, obedeciam às regras do experimento e aplicavam o que, na sua percepção, eram choques cada vez mais intensos e potencialmente fatais – advertência que aparecia no painel nas escalas mais altas de intensidade. Em alguns casos, o pesquisador os persuadia declarando que assumia total responsabilidade pelas consequências. Assim, os voluntários entendiam que não seriam mais responsáveis pelo dano causado ao voluntário, por mais grave que fosse. O que esse experimento demonstra é o poder que a autoridade tem de forçar os indivíduos a suplantar regras morais em prol da obediência [1].

Em 1971, o também psicólogo Steven Zimbardo comandou outro tipo de experiência sobre autoridade e obediência. Ele selecionou, aleatoriamente, 24 voluntários, e os separou, por sorteio, em dois grupos que iriam simular as condições de uma prisão: doze “guardas” e doze “prisioneiros”. Todos foram esclarecidos de que a experiência era voluntária e eles poderiam desistir em qualquer momento. Nove de cada grupo participariam ativamente da experiência, e os demais ficariam de “reserva” para o caso de desistências. Os “guardas” se revezariam em três turnos com três “guardas”. O experimento deveria durar duas semanas.

Desde o primeiro dia, as “condições” da “prisão” começaram a deteriorar, os “guardas” manifestando uma clara tendência a abusar de sua autoridade. Ao fim do primeiro dia houve uma rebelião. Quando a rebelião foi debelada, os “guardas” jogaram os “presos” uns contra os outros, pela concessão de privilégios. Com o passar dos dias, verificou-se uma escalada de brutalidade no comportamento dos “guardas”: aprisionamento em “solitárias”; castigos degradantes; piora nas condições de higiene; remoção dos colchões; humilhações, assédio moral.

O mais estranho: os “prisioneiros” também incorporaram seus papéis. Em pouco tempo, os “presos” submeteram-se e a dinâmica de privilégios e punições acabou com a solidariedade entre eles. Depois de um tempo, os voluntários estavam tão perturbados que acreditavam que a experiência era real, e que não seriam libertados. Os pais dos “prisioneiros”, no dia de “visitação”, tampouco exigiram a “libertação” de seus filhos. Em vez disso, tentaram “negociar” melhores condições de tratamento. Até a concessão de “condicional” foi simulada. Apenas dois voluntários abandonaram a experiência – um deles, apenas porque foi persuadido pelo próprio pesquisador. O “prisioneiro” que lhe tomou o lugar iniciou uma greve de fome, e por isso foi isolado na “solitária”. Os demais “prisioneiros” se voltaram contra ele: quando um “guarda” negociou a sua saída da “solitária”, contanto que os demais abrissem mão do lençol de dormir, a resposta dos demais foi negativa. Nas palavras do Dr. Zimbardo:

No final do nosso estudo os reclusos encontravam-se desintegrados, tanto como grupo como a nível individual. Já não existia mais qualquer sentido de unidade de grupo; apenas um grupo de indivíduos isolados que aguentavam o melhor que podiam, como acontece em muitos casos com prisioneiros de guerra ou doentes mentais hospitalizados. Os guardas tinham conquistado o controlo total da prisão e comandavam a obediência cega de cada recluso. [2]

No fim do sexto dia, a experiência prevista para durar 14 dias foi abandonada, por

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