Trabalho De Filosofia
Dissertações: Trabalho De Filosofia. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 15/10/2013 • 6.566 Palavras (27 Páginas) • 939 Visualizações
3 Algumas ideias sobre a Teoria do Conhecimento
Maria Juliani Nesi
Objetivos de aprendizagem
- Compreender algumas questões fundamentais da Teoria do Conhecimento.
- Distinguir formas de conhecimento.
Seções de estudo
Seção 1 Questões acerca da Teoria do Conhecimento
Seção 2 As diversas formas de conhecimento
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Para início de estudo
Nesta unidade, você entrará em contato com algumas das principais questões com que se ocuparam pensadores de diversas áreas, desde a antiguidade até os dias atuais, na tentativa de compreender o conhecimento humano. Identificará a Teoria do Conhecimento como uma área específica da Filosofia, que se preocupa com a questão do conhecimento em várias de suas formas.
Você também compreenderá que os seres humanos, pelo desejo de ordenar e apreender o mundo e de melhorar suas condições de vida, desenvolveram diversas formas de conhecimento, reconheceram a si mesmos como *sujeitos cognoscentes*. Entenderá, também, como os seres humanos extrapolaram o domínio do mundo apreendido, tomando como objeto de investigação o próprio fenômeno do conhecimento. Nota de canto da página para “sujeitos cognoscentes”: Este termo se refere àqueles que têm o poder ou a faculdade de conhecer. (Fim da nota de canto da página)
Seção 1 - Questões acerca da Teoria do Conhecimento
Todas as pessoas julgam conhecer algo e, de fato, pode-se dizer que o ser humano naturalmente busca conhecer o mundo a sua volta, pois essa é uma condição para manter-se vivo.
Algumas vezes dirigimos nossas perguntas ao mundo, outras vezes ao próprio fenômeno do conhecimento. Isso inclui o homem e o mundo na mesma dimensão, e então, temos uma visão mais complexa da realidade e a compreensão de nós mesmos como sujeitos ativos na produção do conhecimento.
Mas afinal, como podemos responder à questão: o que é o conhecimento?
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Num sentido geral, podemos dizer que conhecimento é o que permite aos seres vivos manterem-se vivos. Nesse caso, uma planta sabe que deve virar sua folhagem em direção à luz, assim como um cavalo sabe que determinado solo não é seguro para caminhar, e um homem sabe que, se jogar um objeto acima de sua cabeça, poderá, quando em queda, atingi-lo. Porém, num sentido exato não seríamos capazes de definir, tão brevemente, o que é o conhecimento.
As definições dadas por inúmeros estudiosos, sobretudo filósofos, foram, uma após a outra, substituídas ao longo da história, sem que nenhuma delas tenha definido conclusivamente a questão e sem que nenhuma delas tenha sido definitivamente descartada.
Diante desse impasse, podemos começar destacando o que distingue o conhecimento humano do conhecimento de outros animais.
Distinção entre o conhecimento humano e o de outros animais
Ao contrário do que acontece com outros animais, nos seres humanos existe uma clara diferença entre os dados percebidos no meio ambiente e as respostas expressadas como reação. A diferença se deve ao fato de que, além do comportamento instintivo, exclusivamente reativo, o ser humano tem um comportamento reflexivo.
Antes de manifestar uma reação, o homem faz uma pausa e reflete. Imagina, idealiza e conceitua aquilo que apreende do mundo e depois é capaz de reconhecê-lo e identificá-lo.
O ser humano atribui significado às coisas do mundo físico, às imagens mentais que ele mesmo constitui e aos sentimentos que experimenta. O desenvolvimento desta capacidade de reflexão permitiu a ele agir baseado em uma *vontade consciente* e não mais somente nos instintos. Nota de canto da página para “vontade consciente”: Conforme Werner Jaeger (1989), vontade consciente se refere à característica humana exclusiva de conservar e propagar a existência social e espiritual, baseada em um certo “jogo livre” não naturalmente determinado – e que conduz ao autoconhecimento. (Fim da nota de canto da página)
Acredita-se que, em períodos remotos, o conhecimento humano respondia exclusivamente à necessidade de sobrevivência. Porém, por razões ainda não completamente elucidadas, ele foi além das solicitações imediatas, enquanto ser biológico, e passou a procurar respostas, por uma necessidade de compreensão e ordenação do mundo.
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A manifestação definitiva desse pensamento ordenador se deu com a criação de um *sistema simbólico* específico que chamamos de linguagem, capaz de representar a realidade, expressar o pensamento e comunicá-lo aos outros. Nota do canto de página para “sistema simbólico”: Conforme Charles S. Peirce (2000), sistema simbólico é um conjunto de símbolos manipulados com base em regras explícitas; um código, cujas combinações são suscetíveis de previsão e descrição. Por sua vez, o símbolo é um signo que não tem relação direta com o objeto ou fenômeno que representa e está baseado exclusivamente na convenção social. (Fim de nota de canto da página)
Perceba que o ser humano ordena e dá significado ao mundo e isso inclui comunicá-lo. Disso depende a consolidação e validação do conhecimento, a existência da sociedade etc. Nesse sentido, é difundida a tese de que existe certa correspondência entre a linguagem e a complexidade das operações mentais que um ser humano é capaz de executar.
A capacidade humana de operar com elementos e situações abstratas está ligada a uma linguagem apropriada para transmitir raciocínios, de modo que, quanto mais complexo é o sistema de comunicação, mais complexo é o pensamento e o conhecimento humano.
No decorrer da história da humanidade, desenvolveram-se e tornaram-se cada vez mais complexos os meios de comunicação e de socialização do conhecimento.
Você percebeu que o conhecimento está assentado na coletividade?
O conhecimento depende do caráter coletivo, depende do outro. Ora, “dizer” ao outro o que se sabe é fundamental para a compreensão do meio ambiente e de si próprio.
Este “dizer” do homem não tem a função exclusiva de representar o mundo, mas também recria a realidade, à medida que não somente reproduz o que apreende, também abstrai, interpreta e humaniza a realidade.
Por se tratar de um animal capaz de refletir sobre si mesmo, de ser autoconsciente, o ser humano produziu inúmeros tipos de conhecimento, além de poder ver a si como sujeito cognoscente, ou seja, como um ser que é capaz de conhecer.
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Agora que você acompanhou essas considerações preliminares sobre o conhecimento, veja como Abbagnano (2000) o define:
(Início da citação)
Conhecimento, em filosofia, encontra-se definido como um procedimento operacional, uma técnica de verificação de um objeto qualquer, isto é, qualquer procedimento que torne possível a descrição, o cálculo ou a previsão controlável de um objeto; e por objeto há de entender-se qualquer entidade, fato, coisa, realidade ou propriedade, que possa ser submetido a um tal procedimento. A relação cognitiva é uma identidade ou semelhança e a operação cognitiva é um procedimento de identificação com o objeto ou uma sua reprodução. A relação cognitiva é uma apresentação do objeto e a operação cognitiva um processo de transcendência.
(Fim da citação)
Bem, na definição citada permeiam várias questões importantes da Teoria do Conhecimento. Dentre as suscitadas, destacamos duas fundamentais:
1) a relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento;
2) a diferenciação entre o conhecimento empírico e o conhecimento abstrato.
Acompanhe, na sequência, explicações sobre cada uma destas questões.
1) Relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento
É possível definir o conhecimento como algo que emerge da interação entre o sujeito que conhece ou deseja conhecer e o objeto a ser conhecido ou que se dá a conhecer. Nesse caso, o conhecimento pode ser identificado como processo ou como resultado da apreensão do objeto pelo sujeito.
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O objeto não é entendido, aqui, exclusivamente como objeto físico, mas no sentido de “objeto do conhecimento”, que inclui coisas e fenômenos físicos e mentais, mesmo tudo aquilo que se dá a conhecer.
Ao apreender o objeto, o sujeito cognoscente forma uma imagem mental que, até certo ponto, reproduz as características e propriedades do objeto. É a partir desta imagem que as *operações mentais* interpretam e dão significado ao que é apreendido, ou seja, desenvolvem o conhecimento. Nota do canto da página para “operações mentais”: Essas operações são entendidas como ações internas do sujeito cognoscente, organizadas e coordenadas para fazer combinações, juntar e separar ideias, conceitos, imagens etc. Entre as operações mentais temos a abstração, a análise, a comparação, a classificação, a memorização, a imaginação etc. (Fim da nota de canto da página)
A princípio, pode parecer que o sujeito exerce um papel exclusivamente ativo na apreensão do conhecimento, contra um papel passivo do objeto apreendido, e que ambos, sujeito e objeto, são seres independentes.
Ora, tais papéis não são tão bem definíveis assim. Os sujeitos interagem no processo de construção do conhecimento e sofrem “passivamente” a interferência do ambiente cultural, do mundo do trabalho, do cotidiano etc. A própria linguagem envolvida nas informações e na socialização do conhecimento se torna relevante para esse processo. Além disso, o sujeito apreende o objeto e lhe atribui um significado, mas é inegável que esse conhecimento também modifica o próprio sujeito.
A relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento é um tema de discussão típico da Teoria do Conhecimento. Correntes filosóficas como a *fenomenologia* defendem que sujeito e objeto são distintos - visto que o sujeito somente pode apreender o que está fora de si - mas esses são tão interligados no ato de conhecer que não faz sentido tratá-los como entes independentes. Nota de canto da página para “fenomenologia”: Conforme Ferrater Mora (1994), a fenomenologia é um método de investigação contemporâneo que propõe descrever a realidade como ela se apresenta. Para a fenomenologia nada deve ser pressuposto: nem o mundo natural, nem o senso comum, nem as proposições da ciência, nem as experiências psíquicas. Deve-se colocar “antes” de toda crença e de todo julgamento o simplesmente “dado”. (Fim da nota de canto da página)
Para a fenomenologia, o sujeito que conhece tem uma intencionalidade que interfere na apreensão e no entendimento do objeto. Esse entendimento, por sua vez, pode modificar-se e adquirir outro significado em relação a outros objetos do contexto.
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Acompanhe um exemplo, com a finalidade de compreender a importância da *intencionalidade* no ato de conhecer, conforme a perspectiva da fenomenologia. Nota do canto da página para “intencionalidade”: Conforme Husserl (1999), a intencionalidade é a capacidade de apreender o que está fora, o outro; é o ato de dar um significado, um sentido, de encontrar um elo entre o sujeito e o objeto. A consciência do ser humano é sempre caracterizada pela intencionalidade, porque ela é sempre a consciência de alguma coisa. (Fim da nota do canto da página)
Exemplo:
Um frasco de cianureto entre outros compostos químicos em um laboratório pode não ter o mesmo significado de um frasco de cianureto em uma cena de suicídio.
Ainda, a apreensão e significação de uma floresta para um madeireiro não é absolutamente a mesma que para um ambientalista.
(Fim do exemplo)
Existem outras peculiaridades relativas ao sujeito e ao objeto do conhecimento, que poderiam ser citadas, como o fato de que, em algumas vezes, o objeto do conhecimento é o próprio sujeito que conhece; em outras, o objeto do conhecimento é uma idéia forjada pela mente do sujeito cognoscente de algo que não existe, tal como a ideia de um cavalo alado.
Ainda, a distinção entre o sujeito e o objeto permite estabelecer um parâmetro de objetividade em que, quanto mais “distância” houver entre o sujeito e o objeto, mais “objetivo” e *universal*, pode-se dizer, que é o conhecimento; e quanto mais “próximo” um estiver do outro, mais comprometida fica essa objetividade, pois mais subjetivo será o conhecimento emergido dessa interação. Nota do canto da página para “universal”: Universal, no sentido filosófico, se refere à característica que é válida para todas as coisas. (Fim da nota do canto da página)
Veja, no exemplo seguinte, situações em que a objetividade ou a subjetividade, no ato de conhecer, evidenciam-se de modos diferentes.
Exemplo:
Na relação de um astrônomo com um fragmento de meteoro, por exemplo, o conhecimento não é tão ameaçado pela subjetividade do sujeito do que na relação de um psicólogo com as psicopatologias de seu paciente.
(Fim do exemplo)
A objetividade é uma característica daquele conhecimento que não depende dos pontos de vista particulares, mas do consenso entre especialistas. No caso do conhecimento científico, a instituição conhecida como comunidade científica cerca-se de regras, métodos e instrumentos que buscam garantir a validade
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universal do conhecimento em questão. Principalmente pela utilização da linguagem matemática, tanto na formulação quanto na comunicação das suas teorias, a ciência busca evitar equívocos ou duplas interpretações.
Além disso, as condições em que as experimentações científicas são realizadas não dependem da “escolha” dos cientistas, não são acidentais ou variadas de acordo com a experiência de vida de cada pessoa, mas são determinadas pela comunidade científica, seguem procedimentos preestabelecidos. Tudo isso faz com que o conhecimento científico sobre o objeto estudado seja o mais fiel possível ao próprio objeto, de acordo com jeito que ele existe e não do jeito que um ou outro cientista julga que ele é, ou seja, tudo isso faz com que o conhecimento científico seja objetivo.
2) Diferenciação entre o conhecimento empírico e o conhecimento abstrato
Primeiramente, antes de você estudar as diferenças entre o conhecimento empírico e o conhecimento abstrato, é necessário que se esclareçam esses termos.
Você sabe o que é conhecimento empírico ou conhecimento abstrato?
Denomina-se empírico o conhecimento obtido pelos órgãos dos sentidos, pela experiência sensível vivenciada.
Pode ser aquele fruto de experiências circunstanciais e imediatas que, ao se repetirem no cotidiano, geram um conhecimento prático que, por sua vez, oferecem dados para que seja realizado um raciocínio indutivo.
Pode ser considerado. Também. aquele fruto de experiências planejadas, metodologicamente executadas e rigorosamente controladas pela comunidade científica. Geralmente, os experimentos também utilizam a indução como procedimento básico para investigações científicas. A este tipo de experiência é mais adequado chamar *experimento*. Nota do canto da página para “experimento”: O filósofo Francis Bacon (1999) estabelece uma distinção entre a experiência vaga (basicamente como noções recolhidas ao acaso) e a experiência escriturada (fruto da observação metódica e passível de verificações empíricas que identificamos como experiência científica). (Fim da nota do canto da página)
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Denomina-se abstrato o conhecimento obtido pela operação mental que se dirige a um objeto e abstrai desse o que é representativo (características, propriedades etc.).
No caso de objetos que não são de natureza material, como os matemáticos, por exemplo, a abstração é evidente, visto que os números inteiros positivos, por sua vez, funcionam como a representação da quantidade de objetos.
Após o estudo desses conceitos, desses tipos básicos de conhecimentos, é pertinente questionar se, em nosso cotidiano, atribuímos uma importância maior para o conhecimento empírico em detrimento do abstrato, ou vice-versa.
Veja que o conhecimento de um velho agricultor, que nunca frequentou uma escola, sobre o desenvolvimento da planta do feijão, por exemplo, é fruto das diversas experiências anteriores que teve com o plantio do feijão. Esse conhecimento empírico, essa experiência é suficiente para que ele cultive o feijão com êxito. Afinal, o agricultor vive desse conhecimento há muito tempo.
Por outro lado, o conhecimento de um agrônomo, que nunca foi agricultor, sobre a mesma planta de feijão, é suficiente para que ele faça pesquisas de melhoramento genético dessa planta e possa viver desse conhecimento. Observe que o conhecimento do agrônomo melhor se classifica como abstrato, visto que abstrai do objeto, especificamente do feijão, suas características, propriedades etc. Observe, ainda, que o conhecimento do agrônomo também deve ser classificado como empírico, uma vez que ele realiza experimentos sobre o feijão, no caso, experimentos de melhoramento genético.
Você lembra de nossa primeira definição de conhecimento? Foi dito que conhecimento é o que, de certa forma, mantém os seres vivos. Pois bem, sabemos que o que mantém o agricultor e o agrônomo vivos não são somente os seus respectivos conhecimentos sobre o feijão. Mas, sob certo aspecto, ambos, agricultor e agrônomo, têm um conhecimento importante. E isso nos parece bastante sensato. Porém, as pessoas, em geral, tenderiam a dizer que o conhecimento do agrônomo é ‘mais importante’ do que o do agricultor. Mas, por quê?
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Entre as razões, dessas pessoas “em geral”, situa-se a de que o conhecimento do agricultor pode ser dito puramente físico, derivado de experiências, enquanto o conhecimento do agrônomo é puramente abstrato, além de experimental.
Mas nós poderíamos perguntar para as pessoas “em geral”: Será que existe o conhecimento puramente físico e o puramente abstrato?
Acompanhe a seguinte atividade, que tem a finalidade de contribuir para que você reflita sobre o conhecimento empírico e o conhecimento abstrato e assim perceber a dificuldade de admitir que há um conhecimento puramente abstrato ou puramente físico (ligado às experiências).
Você já se perguntou sobre como é possível reconhecer as coisas?
Imagine que alguém lhe entregue um objeto qualquer - uma tampa de caneta, por exemplo - e lhe peça que diga o que é. Então, por algum tempo, certamente, você o observa com atenção e improvisa um parecer sobre o objeto.
A pergunta que lhe propomos é a seguinte: como você concluiu que esse objeto é exatamente uma tampa de caneta? Em sua resposta, descreva, em poucas linhas, o que ocorre em seu corpo e pensamento quando você está diante de um objeto para conhecê-lo.
Resposta:
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Atente, agora, para esta questão: - para identificar o objeto, foram suficientes os dados que você conseguiu coletar por meio de suas impressões sensoriais, os sentidos, ou você precisou de mais alguma coisa?
Observe que, muito provavelmente, você iniciou o ato de conhecer guiando-se pelos dados sensoriais, provenientes de seus sentidos, e depois relacionou o objeto percebido com outras coisas que já conhecia.
Ora, as operações como relacionar, classificar, ordenar, estabelecer analogias e concluir são operações mentais que ultrapassam a experiência sensível.
Por outro lado, será que você conseguiria dizer o que é o objeto em questão se não pudesse vê-lo ou senti-lo, se contasse apenas com a descrição do objeto, feita por outra pessoa?
Sem os sentidos, para perceber sensorialmente o objeto, você se guiaria pelas palavras, recorreria à imaginação, à memória de experiências sensoriais anteriores que pudessem se relacionar à descrição do objeto atual.
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Voltemos ao caso do agricultor e do agrônomo. Apesar de ser evidente a ligação do conhecimento do agricultor com suas experiências anteriores e com a cultura que aprendeu com seus pais, não é possível negar que o agricultor também classifica, relaciona, tira conclusões de sua experiência sensível e faz previsões em relação à natureza. Ou seja, o conhecimento do agricultor não decorre, exclusivamente, de sua experiência, não é puramente físico. O agricultor também utiliza, de um modo ou de outro, a abstração no seu dia a dia.
Assim, também não é possível dizer que o conhecimento do agrônomo é pura e exclusivamente abstrato, que em nada tenha recorrido à experiência sensível, em pelo menos algum momento. Ou seja, o conhecimento do agrônomo, certamente, deve ter recorrido da experiência concreta, em algum momento de seu percurso.
O que queremos enfatizar é que nos parece complicado definir os conhecimentos como puramente empíricos ou puramente abstratos. Eles podem ser classificados, sem prejuízo, como mais empíricos e menos abstratos, ou o inverso.
Embora alguns filósofos tenham defendido uma posição radical, que privilegia um conhecimento puramente empírico ou puramente abstrato, enfatizamos o prejuízo que há em buscar uma resposta definitiva para a suposta dicotomia empírico e abstrato, e, pior ainda, de considerar uma delas, de forma excludente, como a única fonte do conhecimento.
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(Início do quadro)
Aprofunde seu entendimento sobre a Teoria do Conhecimento
As questões da Teoria do Conhecimento acompanham as especulações filosóficas desde a antiguidade clássica e continuam presentes nas discussões de filósofos atuais, sem esgotar suas indagações. Denomina-se Teoria do Conhecimento ou Filosofia do Conhecimento um ramo da Filosofia que investiga as fontes do conhecimento, a atividade do sujeito frente ao objeto a ser conhecido, as formas de conhecimento, os procedimentos pelos quais ele é gerado, os critérios de sua validação, o valor que lhe é atribuído em diferentes grupos sociais etc.
Algumas vezes, utiliza-se o termo Epistemologia como sinônimo de Teoria do Conhecimento.
A Epistemologia também é um ramo da Filosofia que estuda o conhecimento, especificamente o conhecimento científico. O objeto de conhecimento da Epistemologia é a estrutura formal da ciência, ou seja, é a reflexão filosófica sobre a linguagem, o método, a organização interna, os resultados e o valor do saber científico. Não faz parte da Epistemologia o conteúdo da ciência, o objeto próprio da pesquisa científica. Pode-se dizer que a Epistemologia, no sentido essencial, nasceu com o problema da demarcação entre o que é ciência e o que não é ciência.
(Fim do quadro)
Seção 2 - As diversas formas de conhecimento
No cotidiano, é comum ouvir as pessoas afirmarem que conhecem coisas. O mecânico diz que conhece o carro. A mãe diz que conhece o filho. O advogado conhece a questão. O mendigo conhece a praça. O treinador conhece o time. O matemático conhece a fórmula etc. Nas situações citadas, o conhecimento tem significado diverso e, ao mesmo tempo, mantém algo em comum, visto que todos os sujeitos afirmam conhecer.
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Veja como se classificam alguns dos diversos tipos de conhecimento, o que os caracteriza e em que termos se aproximam e se distanciam.
Para começar...
Observe três respostas possíveis para a pergunta: o que é o conhecimento?
Resposta 1) É a soma de todos os saberes que o homem adquire através de sua experiência prática, do convívio social, dos ensinamentos dos antigos e de tudo o que possa observar durante sua vida, justamente para viver melhor.
Resposta 2) É o saber que o homem desenvolve acerca de um determinado aspecto da realidade, a fim de compreendê-lo e explicá-lo. É obtido através de raciocínios apurados e experiências rigorosamente controladas.
Resposta 3) É decorrência da iluminação da alma racional do homem. Com ela, o homem pode conhecer o que está ao seu alcance pela experiência de seu corpo mortal, ao mesmo tempo em que sua alma recebe os mistérios da revelação.
Digamos que elas tenham sido dadas por três pessoas diferentes, respectivamente, um homem do senso comum, um cientista e um religioso.
Você é capaz de perceber detalhes que diferenciam essas respostas?
Registre seu pensamento.
Resposta:
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Você lembra que na primeira seção fizemos uma comparação entre o conhecimento de um agricultor e o de um agrônomo. Isto é, temos, basicamente, um indivíduo formado em uma instituição de ensino superior, em que é praticado o conhecimento científico, e outro formado, exclusivamente, na vida prática.
Vimos que o conhecimento prático, como o do agricultor, originado na vivência, geralmente denominado de empírico, atende às necessidades de vida do homem comum e inclui certo grau de racionalização. Observe que parte do conhecimento empírico do agricultor é obtida por raciocínio indutivo, decorrente, por exemplo, da observação de repetidos fenômenos da natureza.
(Início do texto)
O conhecimento empírico, de que tratamos aqui, originado na experiência do homem comum, em sua observação da natureza, está ligado à tradição, às crenças, ao senso comum e pode sofrer influência das modernas tecnologias da informação e da comunicação.
Porém, há diferença entre o conhecimento empírico, que também pode ser chamado de conhecimento comum, vulgar ou popular, e aquilo a que chamamos de cultura de massa, que é a cultura popular invadida pela massificação de padrões artificiais de comportamento e de julgamento ético e estético.
A cultura de massa é veiculada em revistas, músicas, telenovelas, anúncios comerciais, na moda etc. Ela produz impressões e expectativas falsas da realidade e avança ameaçadoramente sobre a diversidade e originalidade cultural do país, influenciando o modo das pessoas pensarem, agirem e conhecerem.
(Fim do texto)
Voltemos ao caso do agricultor! No sul do Brasil é comum o cultivo da uva. Os agricultores aprenderam que o céu escuro e a trovoada sempre antecede a chuva de granizo, e que esse fenômeno é mais comum nos meses de janeiro e fevereiro. Essa também é a época do ano em que as videiras estão produzindo. Toda vez que cai granizo, os grãos de uva madura se partem; isso atrai as abelhas, a uva fica azeda e o agricultor perde a esperança de fazer um bom vinho. Com sorte, ele pode fazer vinagre!
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Esse é um exemplo de conhecimento empírico, em que a observação da realidade contribuiu para que o agricultor formule um raciocínio indutivo.
Certamente, o agricultor não sabe por que chove pedra de gelo em vez de gota de água; não sabe por que a uva partida pela chuva de granizo fica azeda. De certa forma, ele não precisa saber disso para continuar plantando uva do jeito que sempre fez, pois sempre lhe bastou saber que a natureza é assim.
O conhecimento empírico do homem comum é útil, pragmático e resolve os problemas cotidianos que podem impedi-lo de viver bem como deseja. Porém, tende a limitar-se a isso. Não se pode dizer que o conhecimento do senso comum é fruto de um “desejo puro pelo saber” e desprendido de qualquer finalidade prática.
Geralmente, o homem comum tem um conhecimento “limitado” da realidade, mas, em alguns casos, pode alargar bastante seus limites ao traçar procedimentos ordenados, fazer observações sistemáticas, planejar sua ação cuidadosamente, analisar as indagações que permanecem em seu espírito, propor raciocínios indutivos etc. Enfim, pode descobrir novos aspectos da realidade e mudar sua prática a partir disto. Porém, não se pode dizer que o conhecimento empírico do homem que utiliza o senso comum é metódico e investigativo, que é constantemente aperfeiçoado e que tem o propósito de explicar a realidade para além das necessidades circunstanciais.
O conhecimento empírico do homem baseado no senso comum é transmitido de geração para geração por meio da educação informal, baseia-se na imitação e experiência pessoal, assim como é influenciado pelo pensamento *mítico*. Nota de canto de página para “mítico”: Mítico, relativo ao mito, que tem as mesmas características do mito, ou seja, que mistura fantasia e realidade. (Fim da nota de canto da página)
Mesmo assim, veja que o conhecimento de senso comum tem a natureza como objeto de conhecimento, já que dela surgem problemas que visa a resolver. Nisso, o conhecimento do senso comum se aproxima do conhecimento científico, que também pretende conhecer a natureza, não somente para resolver os problemas cotidianos, como também, para ampliar o conhecimento explicativo sobre seus fenômenos. A ciência pode ser entendida como o resultado de séculos de estudos sistemáticos sobre a natureza.
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Acompanhe o seguinte problema (exemplo) que visa a contribuir na sua reflexão sobre o conhecimento empírico, como senso comum, e o conhecimento científico.
Exemplo:
Conhecimento empírico do homem comum e conhecimento científico
Você deve conhecer a utilização do chá de boldo para tratar problemas relacionados à má digestão. Então, observe a situação que segue:
Figura 3.1 - Conhecimento empírico do homem comum e conhecimento científico
(Início da descrição da imagem)
História em quadrinhos em que três mulheres conversam com uma quarta mulher que está na janela de sua casa:
- Mulher que está na janela: Olá vizinhas, como eu faço um chá de boldo para meu marido que não está bem do estômago?
- A primeira vizinha responde: Duas folhas de boldo em copo de água...
- A segunda vizinha fala: Sete folhas em meio copo de água, mas não ferve apenas esmague.
- E a terceira vizinha continua: Mas tem que ser daquele boldo co a folha lisinha, e, tem que fazer o chá rezando e pedindo a cura senão não adianta.
Em seguida a mulher aparece saindo de um médico homeopata, com uma receita na mão. Para diante de três Farmácias de Manipulação, não sabendo em qual entrar, afirma:
- Não faz mesmo diferença!!!
Por fim, aparece a imagem da receita médica onde está escrito: “2gr de extrato de peumus boldus misturado em 2ml de água dislatada. Tomar quatro medidas por dia.”
(Fim da discrição da imagem)
Fonte: Ilustrado por Alex Xavier (designer gráfico da UnisulVirtual).
Pois bem! Enquanto no conhecimento popular as pessoas divergem por simples opinião, não sabem explicar com segurança como se utiliza o boldo, se tem contra indicações, se existe mais de uma espécie de boldo etc., na ciência existe um consenso sobre o conhecimento construído, isto é, ele é intersubjetivamente válido. Desse modo, a receita que o médico prescreve é compreendida por outros médicos e pelos bioquímicos que vão aviar a receita da mesma maneira.
A ciência tornou-se uma instituição composta por milhares de membros, cientistas, filósofos e acadêmicos. Eles compõem uma comunidade científica que produz, fomenta, regulamenta e avalia o conhecimento produzido dentro de suas fronteiras, o que faz da ciência um conhecimento altamente controlado e rigoroso. A ciência não depende do que cada cientista pensa, em sua particularidade, mas da adequação do
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conhecimento produzido ao funcionamento da própria realidade e aos critérios de cientificidade indicados pela comunidade científica.
Na ciência, a linguagem, sobretudo na matemática, os métodos e critérios de análise ou de experimentação são objetivos e padronizados, dificultando impressões subjetivas e tornando as teorias científicas impessoalmente válidas. Assim, tendo competência necessária naquela área de estudo, qualquer cientista pode compreender e até mesmo testar o que seu colega apresenta. Essas características fazem com que o conhecimento científico seja considerado objetivo.
A objetividade científica não deve ser encarada como um fato “naturalmente” decorrente do modo como opera a ciência. Afinal, o cientista não é um ser destacado da realidade, que atua de forma neutra quando está imbuído da missão de investigar a realidade. Precisamos admitir que, mesmo no interior de seu laboratório, o cientista sofre influências externas ao contexto de sua pesquisa, às vezes até de outros cientistas mais experientes e laureados.
Cada vez mais a questão da objetividade científica se torna ainda mais complexa. Diante da polêmica ética que envolve as pesquisas genéticas com células tronco, por exemplo, ou diante do fato de que o desenvolvimento econômico e industrial da atualidade está assentado no conhecimento científico e tecnológico, movimentando riquezas e honras acadêmicas. Por isso, é mais adequado afirmar que a objetividade é uma meta do cientista. E, se ele busca a validade universal de seu conhecimento, deve procurar evitar as influências externas, as opiniões particulares, posições políticas, religiosas etc.
Interessante é o fato de que, apesar das impressionantes descobertas da ciência contemporânea, sobretudo aquelas que geram tecnologias aplicadas no prolongamento e
melhoramento da vida, essas ainda não estão acessíveis à maior parte da humanidade.
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Talvez isso explique, em parte, porque, mesmo com o tamanho desenvolvimento da ciência, ainda hoje assistimos a uma profusão de novas igrejas e seitas religiosas em todo mundo.
O que o ser humano busca na religião?
Bem, essa é uma questão cuja resposta demandaria uma seção exclusiva para ela, e como nosso propósito aqui é apenas caracterizar brevemente o conhecimento religioso, vamos considerar uma resposta genérica para a questão.
A consciência da natureza incompleta e finita do homem, das suas dicotomias existenciais e suas contradições históricas aparentemente insolúveis o lançam em uma situação de incerteza para a qual se dirigem as respostas do conhecimento mítico e religioso. Pode-se dizer que o ser humano encontra na religião um consolo para suas angústias.
Bastante diferente da ciência, o conhecimento religioso apoia-se em seres divinos que revelam aos homens proposições sagradas, dogmáticas e inquestionáveis. Essas ‘verdades’ reveladas são aceitas como lei, não pela sua veracidade empírica ou validade lógica, mas pela autoridade de quem as revela, por isso mesmo, não é necessário comprová-las, mas apenas aceitá-las pela fé.
A dúvida, que é elemento fundamental do conhecimento científico, que também pode aparecer no conhecimento do homem comum, e que é condição para a existência da Filosofia, é evitada no conhecimento religioso, sob pena de abalar a estabilidade dos mistérios e dogmas que estão na sua base.
Essa é uma das grandes diferenças entre esses dois tipos de conhecimento: se o conhecimento religioso apoia-se na fé, o conhecimento científico apoia-se na dúvida como base para as posteriores explicações.
O cientista não pode apresentar o resultado de suas pesquisas afirmando que acredita piamente em sua verdade e esperar que, baseado nisso, a comunidade científica confirme seus resultados.
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A ciência baseia-se em provas e evidências e não na fé ou crença pessoal do cientista.
Do mesmo modo, o teólogo não pode esperar provar a existência de Deus, embora muitos tenham se dedicado a essa tarefa. Deus e tudo o que se relaciona à natureza divina é verdade de fé, e não é passível de discussão porque sua veracidade não pode ser negada ou comprovada, pelo menos não nos moldes científicos.
O conhecimento popular, como não busca, profundamente, as raízes da realidade, como não suporta a dúvida permanente e como está vinculado à cultura e a práticas antigas, passadas de geração em geração, às vezes incorpora explicações religiosas ou míticas. Observe, porém, que o conhecimento “popular”, do senso comum, está alinhado com um sentido pragmático, uma utilidade habitual.
O conhecimento científico e o filosófico, como buscam conhecer inteiramente a realidade por meio das bases sólidas da razão e/ou da experimentação, geralmente rejeitam as explicações míticas e religiosas.
Os teóricos do conhecimento são capazes de descrever inúmeras semelhanças e diferenças entre os tipos de conhecimento apresentados aqui. Também ressaltam que as fronteiras entre eles nem sempre são tão claras quanto pensamos.
Os tipos de conhecimento que abordamos não descrevem as variadas formas de manifestação do conhecimento humano, mas estão entre as mais discutidas pela Teoria do Conhecimento, como base para entendimento das teorias dos filósofos, sobre como podemos conhecer.
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Síntese
Nesta Unidade, você entrou em contato com algumas das questões mais discutidas dentro da Teoria do Conhecimento. Filósofos de todos os tempos se questionaram sobre como é possível conhecer, qual é a fonte do conhecimento, o que caracteriza o conhecimento humano, que diferentes conhecimentos os seres humanos produzem etc.
Como é característico da Filosofia, essas questões sobre o conhecimento receberam respostas diversas e, mesmo assim, não são consideradas excludentes. Porém, foram respostas logicamente rigorosas, com as quais você pode comparar a “sua própria resposta”, assim como a resposta mais comum das pessoas em geral.
Atividades de autoavaliação
1) Retome o exercício de reflexão proposto no início desta seção sobre “O que é o conhecimento?” e os seus prováveis autores (um homem do senso comum, um cientista e um religioso).
a) Em função das explicações tratadas, relembre e sintetize aqui as principais características desses tipos de conhecimento.
Resposta:
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b) Agora, inclua neste exercício as principais características do conhecimento filosófico, conforme você estudou na primeira unidade deste livro. Assim, você obterá um resumo das características básicas dos tipos de conhecimento estudados aqui.
Resposta:
c) Para finalizar, você é capaz de destacar aspectos em que a Filosofia se distancia e se aproxima dos outros tipos de conhecimento abordados aqui?
Resposta:
Página 87
2) Imagine a seguinte situação:
E m uma aula de História, para a turma da oitava série do Ensino Fundamental, o professor fala a seus alunos sobre a II Guerra Mundial e o ataque americano que lançou duas bombas atômicas sobre o Japão. Durante a discussão, o professor pergunta aos alunos quem deveria ser responsabilizado pelas mortes causadas naquele evento:
- os cientistas, que descobriram a energia atômica e produziram a bomba;
- o presidente dos EUA, que ordenou o ataque e a utilização da bomba;
- ou, os pilotos dos aviões, que fizeram o lançamento da bomba atômica.
Como resultado, nessa classe, a maioria dos alunos responsabilizou o presidente dos EUA e inocentou os cientistas. Responda:
a) A quem você “acusaria”? Por quê?
Resposta:
Página 88
b) Por que a maioria dos alunos inocentou os cientistas?
Reposta:
Saiba mais
Você pode saber mais sobre o assunto estudado nesta unidade consultando as seguintes referências:
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Mestre Jou, 2000.
ANDERY, Maria Amália. et.al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.
BACON, Francis. Novum Organum. [Os pensadores], São Paulo: Nova Cultural, 1999.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1998.
HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas – sexta investigação: elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento. [Os pensadores], São Paulo: Abril, 1999.
JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2000.
Página 89
Unidade 4 As raízes da Teoria doConhecimento
Maria Juliani Nesi
Objetivos de aprendizagem
- Compreender a origem da reflexão sobre o conhecimento.
- Distinguir a concepção de conhecimento segundo Sócrates, Platão e Aristóteles.
- Compreender que as questões originadas na Antiguidade e relativas ao conhecimento foram revistas e retratadas na Idade Média.
Seções de estudo
Seção 1 A descoberta da racionalidade.
Seção 2 O conhecimento na filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles.
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Para início de estudo
A partir desta unidade, você começará estudar a questão do conhecimento em uma perspectiva histórica. Verá a questão do conhecimento no pensamento grego antigo de alguns filósofos pré-socráticos (primeiros filósofos ocidentais) e de Sócrates, Platão e Aristóteles (filósofos gregos mais estudados).
Estudará, também, questões fundamentais sobre o conhecimento originado na Grécia Antiga e Clássica, o qual permaneceu sendo discutido por pensadores medievais.
Para esses, por exemplo, está a clássica questão sobre o que é capaz de validar o conhecimento: a fé ou a razão. Essa questão, que nasceu na antiguidade e atravessou a Idade Média e o Renascimento, colocou em lados opostos aqueles que defendiam o conhecimento que provinha da investigação racional da natureza, fundamentada pelo próprio homem, e outros que defendiam a aceitação do conhecimento revelado por Deus, baseado na fé.
Seção 1 – A descoberta da racionalidade
Até aproximadamente o século VII a.C., o conhecimento cultivado na Grécia Antiga estava ligado a certos aspectos da vida em sociedade. Esse conhecimento constituía-se, basicamente, de técnicas aplicadas à agricultura, do desempenho dos ofícios tradicionais e da preparação para a guerra.
Havia, também, o conhecimento mitológico, que, além de motivar os cultos religiosos, explicava boa parte da realidade ligando os deuses diretamente aos fenômenos da natureza e aos acontecimentos da vida humana. Aos poucos, porém, os gregos foram aprimorando suas técnicas de produção de alimentos e produtos, o que os levou a produzir muito mais do que precisavam para seu consumo.
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É comum historiadores afirmarem que a excelência no modo de produção da vida material levou os gregos às transações de troca da produção excedente e ao desenvolvimento do comércio, condição histórica fundamental para o surgimento e apogeu das cidades gregas, de sua cultura, filosofia e ciência.
Com o desenvolvimento da sociedade grega, as respostas *finalistas e deterministas* advindas dos mitos tornaram – se insuficientes para a explicação da realidade e foi, então, necessário ultrapassá-las, encontrando-se explicações baseadas na observação e no raciocínio. Nota de canto da página para “finalista e deterministas”: Concepção da realidade, de mundo, segundo a qual “tudo” já está predeterminado, razão pela qual era difundida uma postura conformista e passiva diante do destino ou da providência divina. (Fim da nota de canto da página)
Os primeiros filósofos que passaram a buscar respostas na observação empírica dos fenômenos naturais e nas especulações racionais foram os chamados pré-socráticos.
Eles não concebiam o universo como uma realidade aleatória e caótica que dependia da vontade ou do humor de seres divinos. Isso não significa que tenham se tornado necessariamente ateus, mas que investigaram a natureza, apesar das divindades. Observaram que o universo possui uma ordem e que, conhecendo essa ordem, os segredos do universo poderiam ser desvendados pelas condições e atributos naturais do próprio homem, sobretudo pela racionalidade.
O principal objeto de estudo desses filósofos foi o cosmos, ou seja, o universo ordenado. Empenharam-se, especialmente, em encontrar a origem e a composição do universo, buscando um elemento originário, um princípio fundador. Alguns afirmavam que esse princípio fundador era a água (como já vimos com Tales), outros que era o fogo, outros, o átomo etc. Por isso, o conhecimento dos pré-socráticos também é denominado de cosmológico ou de filosofia da natureza.
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Observe que os pré-socráticos protagonizaram uma importante passagem do conhecimento mítico para o conhecimento racional, evento que se repetiu em outros momentos históricos do pensamento ocidental. Eles eram filósofos, físicos, matemáticos etc., mas não se pode chamá-los precisamente de cientistas, já que não praticavam a experimentação rigorosa, não quantificavam suas observações e não testavam rigorosamente suas teorias. Sua investigação se dava, em grande parte, pela especulação, análise e inferência teórica.
Alguns estudiosos modernos chamam a atenção para a falta de rigor da experimentação e observação empírica realizada pelos pré-socráticos. Mesmo assim, seu conhecimento “pré-científico” desviou o olhar das coisas particulares e da vida prática para o “céu”, para as teorias cosmológicas. Conforme Popper (1982), se a sua experimentação e observação carecem de objetividade, por outro lado sua “racionalidade franca e sincera” os levou à antecipação de teorias que só foram desenvolvidas mais tarde, por cientistas modernos.
Das questões tratadas pelos pré-socráticos, abordaremos, nesta oportunidade, apenas duas delas, que consideramos importantes para o estudo que está sendo desenvolvido aqui sobre o conhecimento.
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