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“MACHADO DE ASSIS HISTORIADOR” - SIDNEY CHALHOUB

Por:   •  16/11/2018  •  Resenha  •  1.967 Palavras (8 Páginas)  •  570 Visualizações

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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas

Departamento de Geografia

Prof. Dr. Sean Purdy

História Econômica, Geral e do Brasil

RESENHA CRÍTICA:
“MACHADO DE ASSIS HISTORIADOR”, DE SIDNEY CHALHOUB

Aluizio de Barros Fagundes Jr.

                Em linhas gerais, o livro escrito por Sidney Chalhoub, trata do início do processo que culminou no final da escravidão no Brasil, centralizado principalmente no desenvolvimento e promulgação da Lei do Ventre Livre e suas consequências e posteriores discussões na sociedade brasileira, e a relação senhorial que prevalecia na época através da análise de algumas obras de Machado de Assis – assim como sua atuação como funcionário do Ministério da Agricultura (na época, responsável pela questão) diante das deliberações resultantes de todo o processo.

                O livro é dividido em duas partes: a primeira, onde o autor analisa algumas obras machadianas com a intenção de situar o leitor no contexto de costumes de relação senhorial com escravos e dependentes da época (antes da Lei do Ventre Livre, de 1871) e denotar uma tendência de Machado de Assis contra os hábitos senhoriais; e a segunda parte, que conta e analisa todo o processo (antes, durante e depois) de criação, promulgação e aplicação da Lei do Ventre Livre (no contexto político) e sua repercussão dentro da sociedade brasileira (com passagens mostrando a atuação de Machado de Assis no processo).

                Na primeira parte da obra, é mostrado como se comportava a sociedade senhorial, paternalista, com visões distorcidas de que o mundo era feito de senhores e o restante, em uma rede abordando a lógica de dominação. Em Helena, Machado retrata a vontade senhorial absoluta, onde o mundo é uma expansão natural dela, sem antagonismos de classe, nem solidariedades horizontais entre os dependentes. Entretanto, Helena tenta fazer com que Estácio, dono das vontades senhoriais, relativize suas concepções de mundo, sem muito êxito – salvo por alguns momentos em que consegue habilmente manipulá-lo, fazendo-o acreditar que suas vontades na verdade partiam dele mesmo. A personagem conseguia entender e driblar a ideologia senhorial pela duplicidade de sua posição senhora, por ser filha adotiva do poderoso conselheiro Vale; e dependente, por ser filha biológica do pobre e dependente, Salvador – e viver na sombria perspectiva de viver sob o domínio completo caso fosse descoberta a farsa. Enquanto em Helena é retratado o auge da “hegemonia saquarema”, em Iaiá Garcia expõe a decadência desse projeto político. Iaiá Garcia mostra a desconfiança dos senhores ante a atitude dos dependentes. E, para demonstrar que esta inviolabilidade senhorial existia apenas na cabeça dos senhores, Chalhoub afirma que Brás e Dom Casmurro, representantes senhoriais, eram feitos de gato e sapato por mulheres, respectivamente, Eugênia e Capitu, que segundo a lógica senhorial, eram dependentes. Uma passagem curiosa de Memórias Póstumas de Brás Cubas citada por Chalhoub mostra a visão darwinista (evolucionista) para demonstrar a “naturalidade” da relação de servidão e dependência: o da borboleta negra, em duas passagens, onde a superstição (no ponto de vista de Brás Cubas) contra a mesma seria sinal de inferioridade (logo, ele seria superior) e ao mesmo tempo ele enxota Eugênia por ser manca (“características naturais, e não atributos sociais”) – unindo a superioridade de classe e natural, corroborando a aplicação, comum na época, das teorias evolucionistas para justificar a hegemonia senhorial, onde “os próprios dependentes acreditavam que existiam para servi-lo”. A ironia é que a origem da família Cubas foi fabricada, tendo uma origem menos nobre – reforçando a tese darwinista de que a evolução garante a sobrevivência da espécie.

                Na segunda parte, Chalhoub descreve os bastidores políticos que levaram à elaboração e promulgação da Lei do Ventre Livre – e as consequências sociais da mesma. Relata a atuação do visconde de São Vicente (defensor da emancipação gradual norteada pela ideia do ventre livre), a resistência da sociedade senhorial (principalmente a cafeeira de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro) ao projeto para emancipação dos escravos com artifícios que ajudaram a modificar a redação final do mesmo – visando não “desmoralizar” a posição de senhores ante escravos e dependentes (e por que não, da sociedade?); o desenrolar da aplicação da Lei, com diversos pontos controversos como a matrícula de todos os escravos (e suas sanções, caso não realizadas ou feitas fora do prazo), a consideração dos termos “ingênuo” ou “liberto” e suas implicações, a responsabilidade dos mesmos após atingirem 8 anos (ficar com o Estado ou sob tutelo do senhor); e dez anos depois, a questão da reforma eleitoral, que excluiria do pleito quem não fosse alfabetizado – questão observada no intuito de impedir a participação de ex-escravos na questão.

                Se Machado de Assis representou em seus livros a ideologia senhorial e o comportamento que ela impunha aos dependentes, assim como a sua decadência pela ação destes, é porque vivenciou de perto a experiência histórica associada a esse processo, como funcionário da Seção de Agricultura do Ministério, esteve diretamente envolvido na aplicação da lei de 1871, testemunhando as resistências e fraudes dos proprietários e laborando em favor da liberdade – como provam os despachos que deu. Pouco se sabe sobre sua vida particular, mas teve origem humilde (o pai era pintor – mulato, filho de escravos alforriados) -  e a mãe, imigrante portuguesa e pobre), com relação de dependência de uma família senhorial da Côrte após a morte do pai (http://pt.wikipedia.org/wiki/Machado_de_Assis, Biografia – Primeiros Anos). Olhando sua origem, claramente é perceptível a fonte de seu interesse pela questão, além de conhecimento de vivência para descrição de elementos dentro de sua obra, assim como seu posicionamento diante da questão (favorável à emancipação dos escravos e ao fim do domínio senhorial).

                Machado de Assis por muito tempo foi injustiçado ao ser criticado por ter sido omisso na questão da escravidão, o que foi desmistificado por estudos posteriores e análise atenta de suas obras, que retratam com argúcia as contradições sociais do Brasil no século 19 – incluindo a escravidão (Folha Online, 19/05/2015 – Seção Ilustrada). Ora, é francamente compreensível a dúvida de seu posicionamento devido a vários fatores: teve que se valer pela sutileza em suas obras e pela correção em seu trabalho por prestar serviços pelo Ministério do Governo responsável pela questão escravista, por ser um literário respeitado e por ser mulato – evitando assim críticas e acusações diretas (e complicações em sua vida pessoal) devido a esses fatores. Mesmo assim, conseguiu criticar sutilmente a sociedade paternalista e senhorial, com a criação de personagens centrais com relação de dependência, agindo de maneira a conseguir contornar a totalidade de domínio dos senhores (como Helena) e também personagens de atitudes e pensamentos extremos de dominação e preconceito (como Brás Cubas), evidenciando ao olhar mais atento uma caricaturização dessa sociedade senhorial e uma certa humanização (e empatia) dos personagens em relação de dependência. O contraponto literário aparece ao brevemente analisar a atuação de tendência escravagista do escritor e político José de Alencar, tanto em suas atuações em plenários – combatendo e contra argumentando a Lei do Ventre Livre, assim como em suas obras, humanizando o mundo senhorial e amenizando a situação de sujeição dos dependentes e escravos, justificando a relação existente como necessária, pois sem elas se tornam “verdadeiras bestas-feras”.

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