O Mito da Desterritorilização
Por: DMoretto • 9/7/2019 • Resenha • 1.902 Palavras (8 Páginas) • 243 Visualizações
Texto: HAESBAERT, Rogério. “O Mito da Desterritorialização – Do fim dos territórios à multiterritorialidade”. Pp. 68 – 98.
No primeiro tópico do texto o autor trabalha com uma perspectiva antropológica do território, ou seja, as dimensões territoriais a partir de uma visão idealista, dando ênfase para os significados atribuídos pelo homem ao seu local de vivência, uma apropriação simbólica permitida apenas pela relação entre a atividade humana e o território. Observando o contato de povos indígenas com a terra é possível perceber o valor simbólico empregado por eles a ela, “poderes invisíveis”, que segundo Edward T. Hall, primeiro antropólogo a desenvolver um estudo sistemático sobre este tema, são compreensíveis apenas a partir dos códigos culturais no qual se inscrevem, ou seja, a simbologia empregada ao território se altera conforme a cultura da sociedade que o ocupa.
A relação entre o homem e o território não pode ser compreendida apenas pela geografia, pois esta se preocupa apenas com sua dimensão material, e existem indícios para crer no caráter subjetivo desta relação, utilizando como exemplo os estudos de Claude Levi Strauss sobre os índios do Brasil Central, concluímos que as características físicas proporcionadas pelo estudo geográfico não determinam a atribuição de significados a terra, sua “semantização”, que na definição de José Luís García é a culturalização e socialização do território, a compreensão do meio físico não permite concluir que deve dar-se um tipo determinado de semantização.
Aprofundando ainda mais na abordagem ideal-simbólica do território, os geógrafos franceses Bonnemaison e Cambrèzy, que enfatizam essa perspectiva, acreditam que a lógica territorial cartesiana moderna pautada no “quebra cabeça” dos Estados Nações, ou seja, em fronteiras e blocos de espaço homogênios, é superada hoje pela lógica pós-moderna que implica no pertencimento ao território como uma questão de identidade cultural que supõe redes múltiplas e refere-se à geo-simbolismos e ultrapassam a “ideologia geográfica”, havendo, portanto, um enfrentamento entre a lógica funcional estatal moderna e a lógica identitária pós-moderna, na perspectiva idealista, a abordagem utilitarista do território não da conta dos principais conflitos do mundo contemporâneo, pois é o sentimento de pertencimento que reforça as suas dimensões, e esse sentimento só é proporcionado pela semantização do território, ou seja, pela sua culturalização, por isso, “o território é primeiro um valor”, pois é da natureza humana estabelecer relações fortes e até mesmo espirituais, com o seu espaço de vida.
O território não pode ser percebido apenas como posse ou como entidade exterior à sociedade, pois ele é também identidade, promovida por uma relação afetiva ou até mesmo amorosa ao espaço, que era mais intensa em povos primitivos e tradicionais devido à visão do território como provedor de recursos, além de uma apropriação simbólico-religiosa; utilizando como exemplo o trabalho de Bonnamaison, podemos retomar o princípio de que a abordagem utilitarista e material não é suficiente para compreender a profundidade dos conflitos mundiais contemporâneos, nos quais perder seu território é desaparecer, pois neste trabalho, realizado numa sociedade tradicional da ilha de Tanna, no arquipélago de Vanuatu, o princípio de identificação é tanto que os homens da ilha são, como eles próprios dizem, “man-ples”, homens-lugares, ou seja, ser e pertencer são, portanto, conceitos equivalentes, por isso, faz-se necessária a compreensão do princípio espiritual da lógica identitária pós-moderna, que nos permite entender, a partir da relação de equidade entre ser e pertencer, essa problemática das sociedades atuais.
Porém, havemos de tomar cuidado com a generalização do conceito de território, pois existem várias formas de incorporar ao seu mundo os referentes espaciais, até mesmo no conceito de fronteiras existem diferenciações entre as sociedades, ora mais nítidas e fechadas, ora mais abertas e flexíveis.
No tópico seguinte, trabalharemos o território em uma perspectiva integradora, considerando-o como um espaço nem estritamente natural, nem unicamente político econômico e cultural, e dessa vez sob uma perspectiva geográfica, pois, uma vez que, a Ciência Política discute o papel do espaço na construção de relações de poder e a Antropologia trata da criação de símbolos através do território, caberia à geografia, por conta de sua visão espacial, a análise da perspectiva integradora do território, sendo capaz de evidenciar a riqueza de dimensões sociais que o espaço manifesta.
Dentro dessa perspectiva existem duas possibilidades, a de que os territórios políticos, econômicos e culturais coexistiriam, ou uma ideia integradora, em que o espaço integre nossa vida política, econômica e cultural, haja vista que a efetivação de políticas de ordenamento territorial deixa clara a necessidade de considerar duas características básicas do território, seu caráter político e integrador, a partir disso desenvolvem-se dois seguimentos: o primeiro, mais tradicional, reivindica o território como uma área de relações de poder fundamentais para controlar os fluxos, especialmente de bens e pessoas; o segundo centra-se no território como uma rede de movimento e conexão sem fronteiras, em que sua delimitação se dá a partir de uma constelação particular de relações sociais que se entrelaçam num ponto único e exclusivo, assim, ao invés de pensar o lugar como área com fronteiras ao redor, pode-se imaginá-lo como um momento articulado em redes de dimensões sociais; o terceiro seguimento trabalha a ideia do território como um híbrido, seja entre o mundo ideal e ideal, ou entre a natureza e a sociedade, ou seja, concepção não exclusivista do território.
Como vimos, existem inúmeras concepções de território, porém, este não se define exclusivamente com referência às relações sociais, mas também ao contexto histórico em que está inserido, portanto, é imprescindível que contextualizemos historicamente o “território” com o qual estamos trabalhando que, embora muito variável, está presente em todo processo histórico, sendo esta a noção mais ampla relativa ao tema, ou seja, a ideia de território como “experiência total do espaço” não é possível, pois se trata de uma mudança de forma, uma espécie de deslocamento proporcionado pela diferenciação considerável das relações de domínio e apropriação do espaço ao longo do tempo.
Hoje, a “experiência integrada” do espaço só é possível se estivermos articulados em “territórios-rede”, espacialmente descontínuos, mas intensamente
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