Para além da batida do tambor: a espacialidade do jongo-caxambu em Carangola – MG
Por: kabimba • 19/10/2021 • Ensaio • 931 Palavras (4 Páginas) • 132 Visualizações
MELO, Emerson. Para além da batida do tambor: a espacialidade do jongo-caxambu em Carangola – MG. 17º SEMINÁRIO DE PESQUISA & EXTENSÃO DA UEMG, Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, 2017.
Resumo expandido.
Palavra-chave: Etnogeografia. Identidade afro-brasileira. Jongo-caxambu.
Toda cultura se materializa no espaço, no entanto, são inúmeros os desencontros entre aquilo que a prática cultural representa para o seu praticante, e o que ela representa para aquele que a observa, neste caso, o pesquisador. Neste sentido, este breve exercício reflexivo, objetiva, ainda que, na forma de um primeiro exercício, identificar a partir da ótica dos membros praticantes do jongo-caxambu, a representação simbólica e material de tal prática cultural na Cidade de Carangola/MG, assim como, analisar as suas diferentes formas de espacialização constituída sob territorialidades específicas. Deste modo, para que possamos compreender tal manifestação cultural através do olhar dos sujeitos que a praticam, faz-se necessário recorrer ao exercício etnogeográfico – método qualitativo - que, parte dos princípios de enxergar, perceber, compreender e, acima de tudo, descrever o mundo a partir da observação que o outro faz de seu espaço vivido, das paisagens nele inseridas, do lugar de morada e trabalho, do território que se materializa em relações políticas, sociais e culturais (CLAVAL, 1999). Devido à falta de documentos específicos que abordem tal fenômeno em Carangola, ainda é incipiente a base de dados para descrever os caminhos que se desdobraram rumo à configuração/formação e/ou definição do jongo-caxambu enquanto uma prática cultural na cidade. No entanto, com base em entrevistas realizadas com antigos Mestres Jongueiros foi possível elencar informações pertinentes para a descrição de tal prática que transcende o “simples bater de um tambor” ou de cânticos acompanhado de danças, que se convencionou chamar de caxambu. Ainda com base nos relatos coletados, foi possível identificar a partir das falas dos entrevistados que, o jongo-caxambu é uma manifestação cultural ritmo-musical tipicamente afro-brasileira estruturada sob a forma de um “jogo” de perguntas e respostas onde os membros do grupo relatam os acontecimentos cotidianos, principalmente dos relacionados às diferentes formas de resistência ao trabalho imposto pelo branco em tempos de escravização. Atualmente, trata-se da consolidação de tradições e da afirmação de identidades peculiares que possuem raízes nos saberes ancestrais, ritos e crenças dos povos africanos provenientes da África Central, que foram escravizados nas lavouras de cana de açúcar e de café no vale do Rio Paraíba do Sul e entorno, mas, que permanecem vivas nas práticas culturais de determinados grupos que ocupam pequenos espaços “marginais” na cidade. Por meio de evidências históricas (IPHAN, 2007), é possível sinalizar que o jongo-caxambu era cantado em qualquer hora do dia, porém suas festividades ocorriam principalmente nos finais de semana, sendo utilizado como passatempo durante o trabalho, o qual se constituía sob o jogo de palavras improvisadas a partir de sotaques em língua “africana” já aportuguesada, ou, de palavras em língua portuguesa já “africanizadas”, o que gerou uma expressão linguística peculiar aos negros, resultante do processo de assimilação cultural a ele imposto, que são notadas em diferentes cânticos entoados durante as festas. Acrescenta-se ainda, que o vocabulário empregado no caxambu se caracteriza pela presença importante de palavras originárias da língua bantu e de noções e valores – sopro divino – vinculada à religiosidade das populações africanas. Cabe mencionar que, o sotaque, permitiu aos diversos grupos de origem africana e crioula (cativo da terra), articularem estratégias que garantissem melhores condições para a sua sobrevivência, o que nos permite considerar, que foi por meio das práticas culturais do jongo-caxambu, que há tempos, as memórias familiares da população negra de Carangola são transmitidas por antigos e novos mestres de tal tradição. Memórias que relembram os tempos do trabalho forçado, e os imaginários do lugar e de suas relações de poder político-cultural, fatores relevantes que são ativados por meio dos cânticos entoados durante a festa. Neste sentido, vale ressaltar que é durante as festividades do jongo-caxambu, que se estabelece territorialidades específicas, simbólicas ou não, com características religiosas - espaço de louvação - onde são prestados por meio da palavra falada, às reverências aos mortos e aos antepassados daquele grupo. É, onde, se atribui à palavra cantada forças e energias que atuam sobre os vivos e os mortos, os seres e as coisas, uma relação complementar entre o mundo mágico dos ancestrais e o mundo real e concreto dos homens. Relação complementar que evidencia a promoção de um espaço onde o mundo dos ancestrais se relaciona com o dos homens por meio de suas práticas culturais, que embora pareçam profanas em determinados momentos estão repletas de sacralidades, não havendo barreiras ou dicotomias entre elas. Por fim, não é possível caracterizar com precisão as peculiaridades históricas e contemporâneas do jongo-caxambu. Também são diferentes os papéis que tal prática cultural desempenha hoje na vida dos seus praticantes. No entanto, é possível notar que os atuais organizadores das festas do jongo-caxambu na cidade são descendentes de jongueiros que vivem em bairros pobres e periféricos, são trabalhadores, aposentados e estudantes, que ocupam até os dias de hoje o local onde os seus avós e bisavós se radicaram desde o período pós-abolição, o que nos possibilita afirmar, que o jongo-caxambu praticado hoje em Carangola, está associado à lembrança de que os antepassados de tais sujeitos foram escravizados em algum momento histórico e que, apesar de privados da liberdade, mantiveram um espaço de expressão próprio, uma territorialidade, que escapava ao controle senhorial de outros tempos, porém, que continua a ocupar espaços “marginalizados” socialmente.
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