A Construção identitária do negro através do Candomblé.
Por: Thiago Ketu • 19/5/2018 • Artigo • 6.759 Palavras (28 Páginas) • 264 Visualizações
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Awọn ágbárá ti o ni o dudu
A força que o negro tem.
UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Thiago Ramos
RA: 415110990
SÃO PAULO
2017
Awọn ágbárá ti o ni o dudu
A força que o negro tem.
A construção identitária do negro através do Candomblé
RESUMO
Este artigo pretende sistematizar e analisar indicadores que revelam a dimensão das desigualdades raciais e o processo de construção identitária do negro inserido na sociedade através do Candomblé, como religião ancestral afrobrasileira e espaço de ligação, recuperação étnico cultural e resistência político social. Parte-se do princípio de que as desigualdades raciais, ao afetarem a capacidade de inserção dos negros na sociedade brasileira, comprometem o projeto de construção de um país democrático e com oportunidades iguais para todos. Essas desigualdades estão presentes em diferentes momentos do ciclo de vida do indivíduo, desde a infância, passando pelo acesso à educação, à religião e seus aspectos sociais de inserção político social do negro no contexto urbano através do Candomblé, como religião de resistência negra. Também serão apresentadas vertentes do atual debate político sobre desigualdades raciais e racismo religioso no Brasil, identificando as iniciativas por parte do Estado brasileiro e da sociedade civil destinadas a enfrentar a discriminação e as desigualdades raciais. Finalmente, pretende-se apontar alguns desafios colocados para os formuladores de políticas de combate racial e construção da identidade negra como aspecto de fortalecimento social a partir deste quadro.
Palavras-chaves: Negro; Candomblé; Racismo; Identidade;Racismo religioso; Política Social; Afrocentricidade.
INTRODUÇÃO
Com o advento da globalização novas identidades surgem e se transformam a todo o momento. Deste modo, há de se pensar como as religiões de matriz africana – especificamente o Candomblé – constitui-se como referência para seus seguidores, analisando a (re)construção da identidade étnica-racial de homens e mulheres negros em São Paulo.
Há de se atentar se a população negra – representada por um grupo de pessoas que se autodeclaram como negros(as) – na contemporaneidade e no espaço urbano – um território de múltiplas identidades – vê no Candomblé o reconhecimento de si, através de uma ancoragem histórica e como uma das vias de empoderamento de uma população que, por muitos anos, esteve estigmatizada e marginalizada socialmente.
Sabe-se que os mais de dez milhões de africanos transplantados para o Brasil, depois de séculos de escravidão nas plantações de cana, de café e nos garimpos das minas gerais, ficaram abandonados à própria sorte. No entanto, mesmo com a grande perda de muitos povos, línguas, culturas, religiões e, consequentemente, a sua dominação, hoje, é possível observar que através dos Movimentos Sociais, Movimentos Negros e das crescentes discussões que giram em torno da cultura e identidade afro-brasileira e africana novas formas e estratégias de reconhecimento emergem no meio social.
A princípio, as linhas que compõem esta pesquisa perpassam por três categorias: identidade étnica, religiosidade e território. A identidade étnica, como uma das formas de identidade social, é um jogo dialético entre semelhanças e diferenças, ou seja, “quando uma pessoa ou um grupo se afirmam como tais, o fazem como meio de diferenciação ou relação a alguma outra pessoa ou grupo com que se defronta (OLIVEIRA, 1976, p. 36)”. Deste modo, pensar sobre a religiosidade como forma de empoderamento da população negra traz à luz a reflexão que existem fronteiras identitárias que demarcam as relações cotidianas entre as pessoas diante da sua origem social, classe, religião, valores, etc...
Para tanto, o Candomblé – religião de matriz africana – sua herança cultural sua memória e ancestralidade apresentam-se como um dos marcadores étnicos mais importantes da cultura afro-brasileira. Pensar como a identidade negra é (re)construída e fortalecida através do Candomblé é, também, refletir sobre todo o percurso histórico de resistência que a população negra passou e ainda passa na sociedade.
E como se busca falar sobre o espaço urbano, recobra-se que este território, revestido de simbolismo – um ‘espaço-tempo vivido’ está permeado pelas relações étnicas entre os diferentes grupos de pessoas, de religiões, de práticas sociais que diretamente ou indiretamente moldam os espaços sociais e, também, o imaginário social. Então, compreende-se que:
O território, imerso em relações de dominação e/ou de apropriação sociedade-espaço, desdobra-se ao longo de um continuo que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’. (HAESBAERT, 2004, p. 95 – 96).
Assim, homens e mulheres pensam em comum com os outros, em sociedade e através de categorias engendradas pela vida social. Com isso, as categorias selecionadas nesta pesquisa são provenientes de fatores de ordem histórica social, estrutural, política, econômica, cultural e ideológica, entrelaçadas na trajetória de homens e mulheres negros – colaboradoras desta investigação – de formas peculiares, individuais e, ao mesmo tempo, coletivas.
COMO O CANDOMBLÉ INSERE O NEGRO NA SOCIEDADE?
No propósito de investigar o processo de (re)construção da identidade étnica-racial de um grupo de homens e mulheres que se autodeclaram como negros, tendo como referência antropológica o Candomblé e as vias que levam ao pertencimento étnico dos mesmos, decorrente desse pertencimento e suas aplicações no contexto histórico social no Brasil, mais especificamente em São Paulo, no recorte temporal que compreende a década de 2000. Através da observação em meios sociais em que são debatidos as questões sobre racismo religioso, a questão estrutural do racismo no país e os intensos ataques sofridos por membros do Candomblé, me chamou atenção muitas vezes o não posicionamento de membros da religião em inúmeras questões sociais que a religião do Candomblé abarca em si pela sua característica quilombola, de resistência e luta negra ancestral, seja pela não percepção étnica de membros negros autodeclarados de outras etnias, seja pela opressão psicológica de membros de outras etnias que repetem atitudes e discursos racistas.
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