A cristandade colonial - Resenha
Por: LucasBytes • 10/10/2019 • Resenha • 2.246 Palavras (9 Páginas) • 106 Visualizações
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE HUMANIDADES
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
HISTÓRIA DA AMÉRICA I
AZZI, Riolando. A Cristandade colonial: mito e ideologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.
LUCAS SANTOS NASCIMENTO
No livro em questão, o autor propõe-se a fazer uma reflexão de caráter histórico-filosófico mostrando como o projeto colonial lusitano havia reduzido o Brasil a uma terra de exploração. Simultaneamente, ele ressalta a importância da religião como forma de humanização da sociedade, de organização da vida familiar, e manutenção da ordem, assim, ela se torna imprescindível na composição da cultura popular. Segundo o autor, era a partir da religião que o homem do Brasil colonial tinha compreensão de si mesmo, e compreendia também o mundo em que vivia, constituindo a consciência mítica a primeira maneira filosófica de ver o mundo, e a mais difundida na sociedade colonial.
Por conseguinte, essa visão espiritualizante do mundo permeou também de sacralidade a classe senhorial brasileira, permitindo e estimulando por vezes a escravização do negro, e a marginalização e exterminação do índio. A cristandade era, assim, utilizada também como instrumento ideológico para garantir a eficácia do projeto colonial lusitano, favorecendo deste modo os interesses políticos, econômicos e culturais da metrópole.
Para começar a análise das crenças, dogmas e teologias atuantes no Brasil colonial o autor utiliza duas categorias filosóficas: o mito e a ideologia.
O mito surge como forma simbólica de domesticação e serve para evitar o pânico oriundo do caráter incompreensível do mistério do universo. O autor deixa claro que é necessário ter presente que o mistério do universo não é uma invenção do ser humano; pelo contrário, é do universo misterioso que o homem surge. Desta maneira, o mito torna-se um instrumento teórico, no qual permite estabelecer ordem no aspecto aleatório do mistério, tanto na existência individual como na existência coletiva dos seres humanos. Assim, através dos mitos de caráter religioso, o ser humano pode ordenar sua vida individual e social tendo base nas lições de vida, mediante o estabelecimento de valores e prescrições éticas.
Enquanto a força do mito está no seu aspecto de princípio fundante do mundo e da sociedade, a ideologia permite analisar o efeito histórico do mito na organização social e cultural de um povo, e sua cristalização nas cosmovisões estruturadas no decorrer dos tempos. Sob esse aspecto, ele evidencia que, embora a colonização brasileira tenha sido realizada a partir de meados do século XV, permanece vigente na sociedade colonial a ideologia da cristandade, de raízes agrárias e feudais. É ela a responsável pela cosmovisão dominante na sociedade brasileira em formação.
No primeiro capítulo, chamado “O mundo dado”, o autor traz esse conceito de mundo que é basicamente o mundo da natureza, onde, o homem o encontrou ao emergir para a consciência racional. É um mundo mágico, cheio de enigmas, diante do qual o homem primitivo teve que reconhecer a sua fragilidade e pequenez. Ao que o autor indica, a religião constituiu uma das mais antigas formas utilizadas pelo ser humano em seu esforço de sobrevivência neste “mundo dado”, diante do qual ele se sentia frágil e indefeso.
Dessa feita, ao confrontar-se com o enigma do mundo, o homem construiu mitos como categorias explicativas e justificativas da própria existência. Através dos mitos, o homem fez com que o “mundo dado” falasse. A versão mítica destacada pelo autor encontra-se na tradição judaico-cristã, na qual, a perfeição humana deveria ser alcançada através da comunhão com o Espírito ou Razão superior. Sendo o homem um ser formado pelo barro e pelo sopro divino, ele era integrado no mundo da natureza e destinado a exercer domínio sobre ela, porém, o homem além de ser criado por Deus, foi projetado, ou seja, lançado no mundo para realizar os desígnios divinos.
Posteriormente, a fim de concretizar a terra como morada humana, Cristo estabelece a sociedade dos cristãos, a Igreja ou cristandade, constituindo como chefe dessa instituição seu discípulo Pedro, revestido do poder divino podendo transmiti-lo aos seus sucessores da cátedra do Vaticano. Assim, chefiada pelo papa, a missão da Igreja era transmitir as boas novas, desta maneira, abençoar o “mundo dado”.
Considerados como detentores da palavra divina, os pontífices romanos interferiam com frequência na história medieval. A terra era um dom de Deus, e os cristãos que nele acreditavam e o serviam eram considerados os únicos com direito a esse presente divino. Em virtude do direito divino que lhe fora outorgado, o papa doava terras de Deus àqueles soberanos que se tinham manifestado fiéis ao serviço da Igreja. Assim, eles recebiam o privilégio de serem administradores plenipotenciários dos territórios de Deus, para neles implantarem e expandirem a cristandade.
A descoberta dos novos territórios, em abril de 1500, veio confirmar o direito real sobre essa região. E é em nome da Coroa lusitana e da fé católica que Cabral toma posse da terra, e frei Henrique de Coimbra celebra o rito da missa. Segundo alguns cronistas das antigas expedições, chegaram a levantar hipóteses da descoberta do antigo Éden.
Logo após, o autor destaca uma contradição no comportamento lusitano quanto a exploração de terras brasileiras. Dentro da perspectiva burguesa, a monarquia orientava os comerciantes a ampliar os negócios do reino nas novas terras descobertas, assim, tornando-a uma nova praça de mercado, além de exauri-la por meio da exploração. Dessa forma, os portugueses enquanto sacralizavam a nova terra com uma das mãos, através das bênçãos, com a outra a violentavam e profanavam, tirando-lhe parte daquela beleza e graça dada por Deus.
No capítulo “O povo eleito”, Riolando Azzi ressalta que, na perspectiva ideológica dos lusitanos, a escolha divina não se limitava apenas ao monarca, mas se entendia a todo o povo. Os portugueses, de fato, consideravam-se como o novo povo escolhido por Deus para conservar e expandir a fé católica. Com isso, essa sacralização do reino lusitano fazia com que a ordem religiosa permeasse a ordem natural e social. Daí atribui-se uma dimensão de fé às realizações políticas e econômicas da Coroa.
Dado tal fato, existe também uma dimensão ideológica, onde fazia-se presente a consciência da superioridade racial lusitana. O povo português devia realizar a missão de impor ao mundo a fé católica nos mesmos moldes vividos pela cultura lusitana. É mediante a consciência coletiva da superioridade racial advinda da fé, que os portugueses se dispõem a combater os árabes, a perseguir os judeus, a escravizar os negros ou a dizimar as populações indígenas.
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