Resenha O Diabo e a Terra de Santa Cruz Feitiçaria e Religiosidade Popular no Brasil Colonial
Por: Guilherme Rampazzo • 21/6/2018 • Resenha • 2.997 Palavras (12 Páginas) • 2.440 Visualizações
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Resenha
O Diabo e a Terra de Santa Cruz
Feitiçaria e Religiosidade Popular
no Brasil Colonial
Discente: Guilherme Caloni Rampazzo, RA 00194554
Docente: Prof. Dr. Alberto Luiz Schneider
Turma: História NBLA-2
Disciplina: Tendências da Historiografia Brasileira
01/12/2017
O livro O Diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e Religiosidade Popular no Brasil Colonial foi publicado pela Prof. Dr. Laura de Mello e Souza, professora de História da Universidade de São Paulo, em 1986, e é a obra que lhe concedeu o título de Doutora em História pela USP.
O livro é dividido em três partes e oito capítulos, e ao longo da obra, Laura consegue demonstrar todo o sincretismo religioso, a particularidade do catolicismo colonial e como a feitiçaria estava no dia a dia da colônia de forma generalizada na população.
Acho importante frisar que a autora sempre traz relatos da época, nomeando os indivíduos e dando um rosto à história, o que facilita a percepção do cotidiano de uma pessoa que, normalmente, não teria nome nem relevância numa obra histórica.
A primeira parte se chama Riquezas e Impiedades: A Sina da Colônia, e abrange os capítulos 1 e 2, respectivamente, O Novo Mundo entre Deus e o Diabo e Religiosidade popular na colônia. Laura nos conta que a América seria a última fronteira para o imaginário europeu, que sempre via nas regiões mais afastadas da Europa uma visão negativa, cheia de pecados e monstros. Conforme esse imaginário foi se afastando cada vez mais, humanizando a Índia, China e o extremo oriente, antes visto como local de “humanidades monstruosas”, a América seria, portanto, a última fronteira a ser vista como tal. Segundo Laura, frei Vicente do Salvador
“[...] associou ‘esta porção imatura da Terra’ [a América] ao âmbito das possessões demoníacas: sobre a colônia nascente, despejou toda a carga do imaginário europeu, no qual, desde pelo menos o século XI, o demônio ocupava papel de destaque.” (SOUZA, 1986, p. 43).
A América seria o “lugar imaginário das visões ocidentais de uma humanidade inviável” (SOUZA, 1986, p. 47) e sofreu repúdio dos europeus frente o “canibalismo e a lassidão do indígena, a feitiçaria e a música ruidosa dos negros, a mestiçagem e, por fim, o desejo de autonomia dos colonos.” (SOUZA, 1986, p. 47).
Os monstros desse imaginário não deram lugar aos homens selvagens americanos, mas se uniram à eles, enquanto seus dotes físicos eram positivos, os espirituais eram negativos. O ameríndio seria monstro e selvagem: “quanto ao afastamento geográfico, é monstro; no que diz respeito à nudez e à vida natural, é selvagem.” (SOUZA, 1986, p. 77). Com o passar do tempo, a representação de selvagem acabou por prevalecer, mas sem, contudo, abandonar toda a carga monstruosa.
A autora ressalta que a justificativa para a colonização e povoamento do Brasil era a de cristianizar, sendo parte integrante fundamental do programa colonizador português, visto a importância da religião na vida do homem quinhentista. Portanto, havia a necessidade de rebaixar os indígenas, para que esse justificativa fosse válida. Além disso, houve a necessidade de edenizar a natureza, enquanto se desconsidera os homens que aqui viviam, tendência que associou os homens da colônia à animais e diabos. Entretanto, vale lembrar que embora a edenização tenha tido predomínio, não teve exclusividade, tendo muitos autores criticados a colônia pelos animais perigosos, indígenas e até mesmo o clima, que para os autores edenizadores era excelente.
Outra percepção europeia acerca da América é que, com a cristianização da Europa na Idade Média, o demônio se instalara em outra parte da Terra, na América, e, especificamente, no Brasil. Por isso, com o tempo, essa ideia de humanidade inviável atribuída aos índios seria também dada aos escravos, e posteriormente, aos próprios colonos, constatadas nos hábitos coloniais de práticas mágicas e feitiçarias, se associado à condição colonial.
A própria colônia seria vista por muitos como um Purgatório, onde seria possível redimir os pecados, recebendo, portanto, os “filhos malditos de Portugal,” ou seja, aqueles que atentaram contra as leis do reino ou de Deus, purgando a metrópole. A própria viagem marítima de Portugal ao Brasil era vista como uma purificação, visto que até um terço dos navegantes morriam de escorbuto.
O Novo Mundo era, pois, Inferno, principalmente dos negros escravos, por sua humanidade animalesca e demoníaca, fadados ao trabalho até a morte, e era Purgatório, para os brancos, por sua condição colonial, muitas vezes de degredo, que, com esforço e dedicação, podiam purgar seus pecados. Mas, além disso, era também Paraíso, para os mestiços,
“[...] homens que não viviam infernados em cativeiros, que haviam saído dele e contra ele se voltavam, negando muitas vezes o trabalho sistemático, inventando na mestiçagem e na especificidade do seu viver uma nova condição.” (SOUZA, 1986, p. 111).
A religião colonial era católica, porém cheia de paganismo, sincretismo e até mesmo ignorância: segundo Antonil, “[os senhores] trazem-nos [os escravos negros] sem batismo, ocupam-nos em trabalhos em vez de os deixarem ir à missa nos dias santos” (SOUZA, 1986, p. 127), sendo assim, segundo São Paulo, “cristãos e descuidando-se de seus escravos, se hão com eles pior do que se fossem infiéis.” (SOUZA, 1986, p. 127). Mesmo quando os negros eram batizados, não sabem nada sobre seu criador, o que hão de crer e rezar, por falta de ensino, e não por falta de capacidade de entendimento.
Uma colônia escravista estava, então, fadada ao sincretismo religioso: cultuava-se São Benedito, mas também Ogum, e principalmente as divindades da guerra e vingança:
“Para que pedir fecundidade às mulheres se, na terra do cativo, elas geravam bebês escravos? Como solicitar aos deuses boas colheitas numa agricultura que beneficiava os brancos, que se voltava para o comércio externo e não para a subsistência? ‘Mais valia pedir-lhes a seca, as epidemias destruidoras de plantações, pois colheitas abundantes acabariam se traduzindo em mais trabalho para o escravo, mais fadiga, mais miséria.’” (SOUZA, 1986, p. 129).
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