RESENHA DO LIVRO ÁFRICA INSUBMISSA: CRISTIANISMO, PODER E ESTADO NA SOCIEDADE PÓS-COLONIAL, DE ACHILLE MBEMBE
Por: José Ricardo Argento • 6/12/2017 • Resenha • 3.562 Palavras (15 Páginas) • 1.051 Visualizações
RESENHA DO LIVRO ÁFRICA INSUBMISSA: CRISTIANISMO,
PODER E ESTADO NA SOCIEDADE PÓS-COLONIAL, DE
ACHILLE MBEMBE
Um contraponto à história oficial. ‘África insubmissa: cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial’, de Achille Mbembe, ilumina as relações entre o ocidente colonizador e o continente africano, ao mostrar a resistência e indisciplina da África negra para com as imposições centradas na cultura europeia e a implicância disso na formação da sociedade pós-colonial.
Natural da República dos Camarões, Mbembe é professor de História e Ciência Política na Universidade de Witwaterstand, em Joanesburgo, e leciona na Universidade Duke, nos EUA. Referência acadêmica no estudo do pós-colonialismo, tem vasta obra publicada sobre história e política africanas, atendo-se nos temas do poder e da violência. Além do livro aqui trabalhado, é autor, entre outros, de ‘Crítica da razão negra’ e ‘Políticas da inimizade’. Lançado originalmente em 1988, ‘África insubmissa: cristianismo, poder e Estado na sociedade pós-colonial’ tem sua primeira tradução para o português datada de 2013.
Ainda que analise de outros aspectos, como a formação dos Estados independentes, que trataremos à frente, é a trajetória do cristianismo em solo africano que conduz o pensamento do autor para destrinchar, sob ótica que não a propagada na cultura ocidental, as formas de relação entre os elementos internos e externos no continente.
Ao negro africano, tido como não-sujeito no período colonial, Mbembe batiza indígena, e o trata desta forma mesmo quando se refere ao momento após a independência, por acreditar que a sua condição não apresenta grandes diferenças entre as duas épocas. A partir do primeiro capítulo, já serevela a capacidade desse indígena em “africanizar o cristianismo”, muito embora não utilize tal expressão no início do livro.Tal fato se dá a partir da recusa do indígena em transformar-se num receptor acrítico de elementos culturais que não seus. Não há, de sua parte, algum bloqueio total ao cristianismo. Há, no entanto, enorme fracasso na tentativa de impor à sociedade indígena, por parte da Igreja, símbolos e verdades universais, típicas dos processos “civilizatórios” empreitados pelo clero na catequização de colonos. O que recebiam da fé católica, ajustavam ao que se acreditava, recusando o que não viam possibilidade de utilização e, dessa forma, adequando o cristianismo ao que previamente existia, e não o contrário. “Tomaram mensagens e imagens das ofertas cristãs que lhes eram apresentadas, retrabalharam-nas de acordo com a sua própria compreensão da sua história e das suas tradições, calculando sempre as suas possibilidades no contexto das suas emergências diárias e das necessidades imediatas com que se deparavam. (...) transformam tanto os produtos culturais quanto o poder que impera sobre os mesmos” (PAG 26).
O autor faz variadas reflexões que dizem respeito as metamorfoses que a própria religião cristã sofreu e vem sofrendo ao longo dos anos, ou seja, na sua adaptação histórica, e em como esta está diretamente ligada a mudanças sociais, políticas e econômicas. Desse modo, defende que o estudo teológico deve ser incorporado a estudos de caráter político, pois ambos estão interconectados, como nos mostra a antropologia humana. Também é imprescindível destacar as diferenças em relação modo de atuação da religião cristã no que diz respeito a vida social efetivas das sociedades pré-coloniais. As diferenças territoriais incidem diretamente em questões sociais e culturais, e a forma como a religião se propagou no Sul é diferente da forma como foi no Norte, do litoral se diferencia do interior, e assim por diante. As próprias diferenças regionais acentuam essas disparidades.
Buscando a hegemonia da fé cristã nas sociedades indígenas, a Igreja encontrou outros entraves além da dificuldade supracitada. A ideia monoteísta do Deus cristão, por exemplo, não deu ao indígena as respostas que demandava sua fé. Em contrapartida, o paganismo foi classificado herege pelos catequizadores, distanciando ainda mais colonos e colonizados.
No decorrer de sua reflexão, o autor traz à tona a realidade disfarçada sobre o pretexto de propagação da fé cristã. Os imperialistas europeus se debruçavam sobre esse contexto com o intuito de legitimar a sua dominação sobre os países de ‘’baixo’’, ou seja, disfarçavam a sua real intenção exploratória e com objetivos claramente políticos e econômicos, por meio de um discurso simplista de salvar os povos não cristãos através da universalização do cristianismo. Em suma, o que realmente ocorria, além dessa máscara por trás dos reais interesses econômicos, era uma negligencia em relação a cultura e religiões dos povos que habitavam as colônias. Os europeus partiam de uma perspectiva de que sua religião era única e absoluta, e que, por conseguinte, todas as demais deveriam ser deixadas de lado, por não constituírem a verdade absoluta, e então toda a humanidade deveria ser devota da fé cristã.
A partir desse pensamento, tentou-se instituir fé cristã na sociedade africana, por meio de lutas entre esta e as religiões pré-existentes, nesse contexto pretendiam ‘’salvar’’ os indígenas que deveriam aceitar o cristianismo e se submeter a ele. Esta posição foi duramente criticada pelos teólogos africanos, que apontaram para o paradoxo da ideia de universalização da humanidade através da fé cristã em contraposição com a lógica de imposição, por meio de lutas de religiões, bem como da ideia de negligenciar todo o saber pré-existente das culturas africanas e a separação entre os povos. A Igreja Cristã tratou de meramente reproduzir discursos europeus em um continente totalmente diferente em todos os aspectos culturais. Se a igreja é realmente universal ela deve tratar de se adaptar a cada espaço, e buscar nele próprio sua identificação. Algo universal não pode ter raízes territoriais, pois um todo onipresente se faz valer em qualquer parte, é divisível em partes únicas que constituem o próprio todo, e não algo inflexível, que não consegue se moldar e então reconfigurar-se de acordo com a história.
A crítica reside em torno desses dois fatos, o fato da religião cristã em muitos momentos da história africana, ter apenas apoiado a estrutura dominante e o poder colonial autoritário, e por ela querer passar por cima das culturas já existente, negligenciando todas, e impondo-se como soberana, além da dificuldade de adaptação local em relação a diferentes culturas e espaços sociais e sua tendência quase que
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