O USO DA CANÇÃO DE PROTESTO NO ESTUDO DA DITADURA MILITAR NO BRASIL
Por: Pierre Garay Costa • 22/5/2015 • Trabalho acadêmico • 1.711 Palavras (7 Páginas) • 342 Visualizações
O USO DA CANÇÃO DE PROTESTO NO ESTUDO DA DITADURA MILITAR NO BRASIL
INTRODUÇÃO
Todo processo histórico possui suas representações artísticas, dentre elas a música. Parece já compreendido que em situações de opressão, em que a produção artística é vigiada e censurada, a voz do oprimido busca outras vias de ser ouvida e quanto mais forte e violenta a repressão, mais subterfúgios encontra o artista para expressar suas ideias e burlar os mecanismos de censura dos regimes ditatoriais.
Isso talvez explique o brilhantismo do gênio artístico brasileiro durante o regime militar, que durou 21 anos. Foram inúmeras composições de protesto de diferentes gêneros que tomara de assalto as mentes e os corações dos brasileiros e se tornaram símbolos de uma época.
A partir dessa reflexão, chegamos à ideia de que o estudo da ditadura militar brasileira através das músicas de protesto é uma metodologia bastante eficaz, porque traz para a realidade atual uma forma inovadora de se enxergar a realidade do passado.
Nesse trabalho trataremos de como as canções podem ser analisadas através do sujeito histórico que as compôs e de que forma a realidade do período era refletida e reconstruída na visão dos artistas.
Veremos como é possível unir dois mundos separados no tempo e familiarizá-los através da música, para podermos criar um ambiente de aprendizado mais atrativo para o aluno, explorando sua curiosidade natural e instigando-o à crítica, inspirado pelo caráter questionador das canções.
Aí reside a relevância desse projeto: sendo a música uma linguagem universal que todos entendem, ainda que não tecnicamente, ela se torna uma importante aliada na sala de aula, pois promove a interação direta entre o agente histórico do passado e o agente histórico do presente, cada um inserido em sua realidade, mas compartilhando sentimentos e sensações íntimas. Essa relação próxima traria o aluno para dentro do processo histórico e do processo de ensino-aprendizado e construiria seu conhecimento histórico de forma alternativa, estimulando-lhe o desejo de conhecer o passado, porque pode de alguma forma ver-se no artista que está analisando.
Para esse trabalho, teremos por base artigos escritos por diversos autores que falam do uso da música na educação em geral e especificamente no estudo da Ditadura Militar. São eles: Circe Bittencourt, Celia Maria David, Katia Maria Abud, Marcos Napolitano e Ramon Vilarino.
DESENVOLVIMENTO
A essência da canção
A música é uma das representações da época em que é produzida, dessa forma, o sujeito da canção denuncia de forma subjetiva as condições sociais e culturais em que vive, de onde podem ser depreendidas as relações de poder.
A construção do conhecimento histórico se dá na apreensão da experiência cotidiana analisada e compreendida como fator histórico relevante, como parte importante de um processo histórico. É a experiência cotidiana que forma a visão de munda das pessoas e todas as suas ações e obras constituem detalhes inseridos nessa visão de mundo.
A canção, “como uma totalidade, uma materialidade sonora, portadora de uma mensagem poética e política (querendo ou não; umas mais explicitamente, outras menos“ (NAPOLITANO E AMARAL, 1986), é parte essencial da vivência cotidiana das pessoas. Por um motivo ou outro, todo sujeito se vê no sujeito de alguma canção. Essa relação simbólica, que chamamos popularmente de identificação, pode se apresentar um processo mais complexo se o sujeito da canção for um marginalizado, por exemplo.
Partindo desse princípio, chegamos a ideia de que se a produção musical de um tempo também é fruto das experiências cotidianas dos seus compositores, podemos usar os vínculos de identificação para compreender a realidade e o contexto em que a obra foi concebida através de uma análise atenta da produção de um artista.
A canção se torna, dessa forma, não só um termômetro da sua realidade, mas também um agente de transformação social em potencial, dado o poder da arte de nos inspirar paixões e ideias, ou seja, a percepção de um sujeito vivo dentro da arte faz com que o analisador se sinta mais próximo dele e assim transforme a obra em algo seu parcialmente e compartilhe da experiência do autor, criando uma espécie de empatia, já que ela lhe forneceu sensações novas e lhe deu condições de pôr-se ao lado do autor em sua realidade, pois “no momento da desmontagem e análise da obra, o receptor crítico descobre nela não só os elementos da realidade social, mas a tentativa de intervenção nessa realidade” (NAPOLITANO E AMARAL, 1986).
Katia Maria Abud, em seu artigo Registro e Representação do Cotidiano: a música popular na aula de história, explica essa relação dialética entre o sujeito da obra e o sujeito que a analisa através dos conceitos de empatia histórica e evidência. Empatia histórica consiste no resultado a que se chega quando apreendemos o pensamento e os objetivos de uma agente histórico e conseguimos ligar isso as suas ações. O conceito de evidência é a busca de estimular a investigação e a problematização do contexto em que as fontes foram produzidas.
Dessa forma, as canções constituem não somente uma representação de determinada época, mas também uma evidência de como ela era pensada e construída, favorecendo o desenvolvimento da criticidade do aluno, ao entrar em contato com os temas abordados nas canções.
A canção na sala de aula
A música pode ser um ótimo recurso no ensino, “que, para além de simples ilustração, sugere uma prática ativa, criativa e integradora” (DAVID, 2012), mas é necessário cuidado para que o aprendizado através dela não seja superficial. A análise da canção deve englobar diversos conceitos, a fim de “facilitar a compreensão do processo do conhecimento histórico pelo entendimento de que os vestígios do passado se encontram em diferentes lugares” (BITTENCOURT, 2005).
É importante também compreender que o uso de fontes históricas facilita o entendimento das formas de representação do passado. Nesse sentido, a música (não só a letra, mas o gênero, o arranjo, a harmonia, a melodia) é também um exemplo de como as pessoas de uma determinada época a representavam.
Interrogar a música como documento histórico compreende a análise do pensamento do autor, de seu posicionamento político, de sua visão de mundo e de seu desempenho no mercado. Importa descortinar a dinâmica complexa que condiciona a relação entre produção e reprodução, produtor e receptor. Considera-se, ademais, a necessidade de refletir-se sobre o que sustenta a sua mensagem, como ela foi concebida, seu significado para o contexto da época em que foi elaborada e o significado que a mesma incorpora ao longo do tempo — as permanências (DAVID, 2012)
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