O que é História Antiga?
Por: ROCHA.CCO • 29/6/2022 • Resenha • 1.407 Palavras (6 Páginas) • 95 Visualizações
O que é História Antiga? Como se construiu e se constrói o conhecimento histórico sobre este período?
Para Guarinello (2013, p. 17), o que atualmente chamamos de História Antiga (doravante simplesmente “HA”) foi, inicialmente, “um movimento cultural e literário de produção de memória construído a partir de textos e objetos”. Mais exatamente, trata-se de um processo iniciado no fim do período medieval (séc. XII) de redescoberta da cultura pré-cristã, um passado cuja “lembrança [...] foi aos poucos se dissolvendo” após a queda do Império Romano (ou seja, não ocupava “lugares da memória”). Esse passado sobrevivia, porém, “como uma série de conhecimentos acumulados que nunca se dissolveram” (na serralheria, agricultura, arquitetura, artesanato, costumes etc.) e, também, “como textos escritos, reproduzidos nos códices medievais e mantidos em [...] bibliotecas particulares, de monastérios, ou [...] na corte de Constantinopla, em grego, ou ainda preservados em árabe, circulando, sobretudo, no Mediterrâneo” (GUARINELLO, 2013, p. 18).
Segundo Guarinello (2013, p. 18), ocorre, a partir do séc. XII, uma maior procura por esses textos e a difusão da ideia de que a “herança escrita dos antigos” representava “algo diferente da cultura contemporânea”. De outra maneira, dissemina-se, pelas cortes europeias e entre os literatos, a concepção de que havia “um mundo ‘antigo’, anterior ao cristianismo”, com uma cultura rica, singular e laica, que parecia “adequada aos novos tempos” pois “fornecia novos padrões estéticos, novas formas de pensar as relações entre sociedade e Estado, de valorizar a riqueza e o comércio, [...]”. No séc. XIV, a introdução da imprensa permitiu que livros do “mundo antigo” (de autores como Homero, Aristóteles etc.) fossem reeditados e passassem a integrar a cultura da Europa Ocidental. Os vestígios materiais, outrora negligenciados, passam a ser considerados “testemunhos desse mundo ‘antigo’” e valorizados. Esse processo de redescoberta impactou sobremaneira na alta cultura europeia e, equivocadamente, convencionou-se denominá-lo de Renascimento. No entanto, “não foi um renascer passivo, umas uma reconstrução profunda da memória, com objetivos bem presentes: rejeitar uma parte do passado mais presente, definindo-o como ‘Idade Média’ ou ‘Idade das Trevas’, para construir uma nova identidade, voltada para o presente e [...] futuro” (GUARINELLO, 2013, p. 19).
Consoante Guarinello (2013, p. 19), “a opção de reconstruir essa memória deixou uma marca profunda no que viria a ser a moderna concepção de ocidente”. Artistas e cientistas europeus como Da Vinci, Newton e Shakespeare “viveram intensamente esse processo e contribuíram para ele”. Essa redescoberta foi, portanto, uma revolução cultural que, paulatinamente, atingiu todos os extratos sociais, transformado o “mundo antigo” em “um participante ativo e necessário de outras revoluções: políticas, sociais e econômicas, cujas consequências sentimos até hoje”. Todavia, o respeito existente para com os textos em grego e latim, assim como pelos bíblicos, “impedia a leitura crítica” destes. Dessa maneira, o processo de redescoberta não levou, “de imediato, à produção de uma HA como a entendemos hoje”. Ou seja, esta história não havia sido interpretada, ainda, sob o prisma do método científico. Isso somente ocorreria entre os séculos XVII e XVIII, como consequência da batalha cultural entre “modernos” e “antigos” desencadeada pela ascensão do Iluminismo na Europa.
De acordo com Guarinello (2013, p. 20), “o surgimento da História científica coincidiu com o nascimento da HA” e representou “a junção das teorias sociais e políticas da época com a leitura crítica das fontes escritas antigas e a sistematização [...]” destas. A consolidação da HA enquanto disciplina científica incorreu no surgimento de alguns preceitos conceituais que prevalecem até os dias atuais. Dentre eles, o autor destaca a exclusão do Oriente de seu escopo, fazendo com que “o estudo da Bíblia, do Egito, da Mesopotâmia e do cristianismo” se tornassem “especialidades à parte”. Nesse sentido, “a HA passou a ser obra de especialistas, quase sem comunicação entre si”.
Adicionalmente, Guarinello (2013, p. 20) sustenta que, em razão da influência do Romantismo, “a HA tornou-se uma História das Nações”. Tal percepção naquele momento era inevitável, uma vez que a afirmação dos modernos Estados-Nação na Europa instigava os historiadores a idealizar Estados e nações na Grécia e em Roma, “pois era assim que concebiam que toda sociedade devia ter se organizado”. Todavia, “nunca houve um Estado Grego, [...] na Antiguidade, cuja História pudesse ser narrada de modo contínuo”. Da mesma forma, “Roma era apenas uma cidade” e, no período Imperial, “quando constituía realmente um único Estado, englobava muitas nações”, fato que inviabiliza uma “História do Império Romano”. De qualquer forma, tais perspectivas não devem ser descreditadas, pois “representam o conhecimento que se podia ter à época” e foram a primeira tentativa de interpretação “dos fatos e acontecimentos de mais de dois milênios com [...] rigor” científico (GUARINELLO, 2013, p. 21).
A partir de meados do séc. XIX, a HA recebe o aporte teórico-conceitual da História Natural e dos campos emergentes das Ciências Humanas (Antropologia, Sociologia e Arqueologia). Consoante Guarinello (2013, p. 21), “o grande marco dessas novas concepções foi, [...], o livro de [...] Darwin, A origem das espécies”, de 1859. A partir da influência darwinista, até mesmo a compreensão cronológica da vida na terra e da transformação humana e das sociedades humanas que até então vigorava é rechaçada, com a História passando a ser investigada sob o “ângulo da evolução” e guiada “pela noção de [...] progresso” (GUARINELLO, 2013, p. 22). Além dessas novas concepções, a “expansão imperialista das potências europeias sobre o planeta” e o “desenvolvimento tecnológico” destas corroboravam com a presunção de “superioridade da Europa” perante os demais povos (GUARINELLO, 2013, p. 22).
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