Aprendendo Com Lasvegas
Casos: Aprendendo Com Lasvegas. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: BETERRABA • 30/8/2014 • 2.326 Palavras (10 Páginas) • 310 Visualizações
É possível afirmarmos que se o leitor quer entender as duas rupturas simbólicas que a arquitetura empreendeu no breve e interessante século XX, há pelo menos dois autores obrigatórios: Le Corbusier com Por uma arquitetura e Urbanismo, e Robert Venturi com Complexidade e contradição em arquitetura e Aprendendo com Las Vegas. Pouco mais de cinqüenta anos separa os dois blocos, e os textos são tão distintos como uma singela e exata casa branca corbuseana, de um lado, e um colorido e iluminado shopping-center suburbano. Um tempo um pouco menor do que aquele entre a Revolução de 1917 e a queda do muro de Berlim.
É possível que estejamos diante de um dos livros mais citados nos últimos anos. Para Fredric Jameson, Aprendendo... é mais do que um texto sobre arquitetura, chegando quase a constituir um manifesto pelos chamados estudos culturais. O geógrafo David Harvey alinha esse texto polêmico com outro evento do longínquo 1972, quando – segundo a frase de efeito de arquiteto Charles Jenks – o movimento moderno terminou em hora e lugar exatos, com a implosão do conjunto residencial Pruitt-Igoe, em Saint Louis, EUA. Kenneth Frampton, por outro lado, associa as conseqüências desse livro à vertente arquitetônica populista e cenográfica. Paolo Portoghesi localiza em Venturi o início da reflexão a respeito de uma arquitetura mais inclusiva, que viria a desembocar na Bienal de Veneza de 1980, a que recebeu pela primeira vez a arquitetura – pós-moderna – com a polêmica exposição Strada Nuovissima.
Ou seja, muitos daqueles que se dedicaram a falar do pós-modernismo, seja como uma celebração do fim das grandes ideologias, seja para circunscrever nossa cena contemporânea em seus constrangimentos, têm em comum alguma referência a Venturi e ao longínquo 1972, quando na beira da crise do petróleo, o modernismo, dizem, ruiu. Interessante notar que, ainda que muitos desses trabalhos não sejam a respeito de arquitetura, é como se esta fosse hoje o grande sintoma, tanto da mudança do fordismo para sociedade pós-industrial, como de uma transformação em nossas sensibilidades.
E o autor do libelo a quem tantos rendem críticas e homenagens, a quem presta as suas? As críticas, a alguns representantes do movimento moderno em arquitetura. Os agradecimentos, de Michelangelo às locadoras de automóveis do centro-oeste norte-americano, passando pelo arquiteto Luis Kahn, pelo antropólogo Herbert Gans e pelo geógrafo John B. Jackson.
Aprendendo com Las Vegas não foi, contudo, seu primeiro manifesto por uma “outra arquitetura”.
Robert Venturi nasceu em 1925 no Estados Unidos. Estudou arquitetura em Princeton entre 1947 e 1950, antes de começar a trabalhar com Luis Kahn em 1959. Estávamos em pleno pós-guerra, o que no campo da arquitetura e do urbanismo significava, de um lado, a publicação da Carta de Atenas, de Le Corbusier e de Can our cities survive?, de Josep Lluis Sert – duas versões para as atas do mesmo encontro, o CIAM (Congresso Internacional da Arquitetura Moderna) de 1933. Formuladas num contexto e publicadas em outro, tais teses do movimento moderno a respeito do urbanismo começavam, de um lado, a ser amplamente divulgadas e, de outro, a sofrer suas primeiras revisões. Se virmos então que os anos de formação de Venturi se deram em um momento de crítica ao modernismo sem sair de seu âmbito – o que teria, entre outras conseqüências, a criação do Team X que terminou por implodir os ciams – há que se considerar também o contexto geográfico de seus anos de formação. Mais do que nos Estados Unidos do pós-guerra e enriquecidos por esta, período do chamado modernismo rotinizado que erigiu totens empresariais para grandes corporações, a Universidade de Princeton merece um destaque. Ao contrário da maioria dos cursos de arquitetura do país que, baseados do modelo da Bauhaus – lembremos as presenças de Walter Gropius e Mies van der Rohe no ensino superior nesse momento – Princeton não havia excluído, tampouco minimizado, a importância das disciplinas de história da arquitetura em seu currículo. E ao concluir sua graduação, o arquiteto de ascendência italiana recebeu a láurea do Roman Prize, destinados a jovens talentosos que passavam assim um período em Roma – ele permaneceu por dois anos – desenhando monumentos do passado.
A Itália do pós-guerra também havia sido um campo fértil para a crítica ao modernismo, desde o ciam de Bergamo, em 1947. Para a delegação italiana que organizou o encontro, o grande tema era a remodelação de Milão, que incluía como novidade a restauração de seu centro histórico, tema que não fazia parte das preocupações centrais dos arquitetos modernos e que na Itália do pós-guerra assumiu importância cada vez maior, chegando a alimentar o discurso anti-modernismo arquitetônico a partir dos anos 1960, quando temos a emergência de um discípulo de Ernesto Nathan Rogers, Aldo Rossi. Rossi publicou, ao mesmo tempo que Venturi, a versão italiana, européia da crítica ao modernismo dos ciam, especialmente em seus aspectos urbanísticos. Nome do livro: Arquitetura da cidade.
Não por acaso, o tema do CIAM seguinte, em 1951, foi “O coração da cidade”, e os sub-temas anunciavam a mudança de foco: “centros para a vida comunitária”, “raízes históricas do centro”. O final dessa década foi da inauguração de Brasília, cidade planejada de acordo com os princípios modernistas e que chegou junto com suas mais severas críticas. Entre estas, as críticas da esquerda italiana, como a insistência de Manfredo Tafuri em assinalar que a arquitetura moderna fez parte da tentativa burguesa de resolver, no âmbito da ideologia, as contradições da reorganização capitalista no mercado mundial. Mas nenhuma crítica teve o efeito daquela proposta por Jane Jacobs em Morte e vida das grandes cidades, de 1961, best-seller lido por iniciados e não iniciados, que fazia a defesa das cidades de uso misto, quadras pequenas, das qualidades da cidades anteriores ao planejamento moderno.
Ou seja, ao contrário do que muitos crêem, a crítica ao chamado movimento moderno começou em seu interior, ganhou novos adeptos após a dissolução dos CIAM (em 1959) e adquiriu força no início da década de 1960. Venturi, com seu Complexidade e contradição em arquitetura, chegou como representante de uma nova geração, para somar em um debate que vinha amadurecendo. O livro, de 1966, argumentava que a complexidade da vida contemporânea não admitia projetos simplificados e que os arquitetos precisavam voltar-se para projetos multifuncionais. O centro de seu argumento, contudo, era que a arquitetura deveria transmitir significado. Quanto a esse aspecto, seus exemplos de arquitetura expressiva vinham em sua maioria da Itália entre 1400 e 1750, estendidos à França e Inglaterra
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