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Batalhas de Rap

Por:   •  17/6/2019  •  Relatório de pesquisa  •  2.879 Palavras (12 Páginas)  •  161 Visualizações

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João Marcelo Bruzello morais



Batalhas de Rap


Professor: Cássio Santos Melo


Disciplina: Estágio 1




Prefácio

As batalhas de rap são parte essencial de um todo maior que chamamos de movimento hip-hop, movimento é esse que inclui gírias, estilos, artes, modo de comportamento e de vivência. Esse movimento que surgiu no cenário underground dos guetos  de Nova York e hoje é o estilo mais ouvido no país do entretenimento, Estados Unidos da América, não só compõe parte importante do conjunto cultural negro urbano, como passou a ser o maior influenciador de toda uma geração de jovens, seja negros, seja brancos de classe média, seja hispânicos ou mesmo nós da américa do sul. Contudo este movimento não surgiu e muito menos explodiu do nada, houveram várias gerações desde a sua criação, expansão, popularização, difusão e por fim seu total estabelecimento e reconhecimento como um alicerce de nossa sociedade moderna, sobretudo ocidental. Assim para chegarmos à total regionalidade de nossa cidade temos antes que contextualizar tanto historicamente, quanto espacialmente este complexo objeto que de tão rico prova-se impossível resumi-lo em apenas um modesto trabalho de um graduando fanático.

















Hip-hop internacional


Poderíamos regressar milênios de anos na história para tentar achar a exata origem deste movimento cultural que ainda assim não seria suficiente, pois a cultura é um organismo em constante mudança, adaptação e assimilação, portanto atribuir números, datas e padrões exatos para este ser vivo e pulsante seria injustiça não só para sua história, mas também para seu adeptos e seus mártires. Por exemplo poderíamos interpretar que nasceu ainda na África, com os tambores zulus, ou na américa escravagista, com o princípio do soul, do blues, jazz e demais músicas de negros que serviam como resistência e expressão para populações oprimidas e marginalizadas, ou mesmo dizer que nasceu na Jamaica, com os discos e o apelo “festejante” que ela detinha. Em vez disso vamos estabelecer apenas que as citadas acima eram influências, mais ou menos vívidas e que serviram pra moldar o que viria a ser um estilo que começou a ganhar a sua cara inicial no começo da década de setenta no Bronx, um dos 5 distritos de Nova York, lugar de grande concentração multiétnica da cidade, mas sobretudo com a população negra sendo a mais incidente.
Um dos meios artísticos, talvez o principal e presente em todos os tempos, a influenciar na cultura é a música, e no Bronx da década de setenta não era diferente: a música mais notada e escutada era o disco, estilo musical com sonoridade focada na dança sensual, sediado nas boates e cujo o principal instrumento era o tocador de vinil, além de claro o próprio vinil. Era um estilo alegre, bem  humorado, que alegrava jovens e adultos e descontraia populações tão atingidas por problemas sociais e econômicos da época Contudo apesar do sucesso estrondoso, era um estilo que permitia pouca interação do mestre com o instrumento, pouca criatividade e os ritmos serem muitas vezes repetitivos e enjoativos, logo as ruas começaram a demandar estilos novos, que contempla-se a diversidade criativa e social desse meio. Correspondeu-se, em uma das badaladas festas do Bronx, porém não em uma grande discoteca, mas sim em uma simples casa de festas o DJ Kool Herc experimentou alternâncias em seu toca discos, alternância essa que produziria efeitos auditivos e rítmicos distantes do que estavam acostumados, assim nasceu o Hip-hop. O estilo logo explodiu, a inovação trazida pela pausa e pela experimentação do discos abria várias portas criativas, uma delas foi a dança, o Break, dança de rua que consistia sobretudo a se aproveitar a parte da música que o disco “emperra”, dai o nome. A comunidade negra abraçou o gênero, era rápido, cantável com o MC, aberta a experimentação criativas, mas sobretudo negra, era um estilo totalmente deles e com a total identidade deles, logo não demorou para que os guetos de todo o país aderissem ao estilo musical. Contudo não parou por ai, esse estilo não se ateve somente a música, ele expandiu horizontes ao assimilar outras vertentes artísticas que se interligavam  complementavam, como o Break na dança, o Grafite na pintura urbana e principalmente o rap, a música falada com as batidas do Hip-hop.
Essa união de artes não parou somente na arte, ao associar uma cultura tão rica e vasta ela não se restringiria somente o entretenimento, ela atingiria outros pilares da sociedade, como as organizações sociais, econômicas e políticas. Assim, os guetos passavam por profundos problemas sociais, a fome, o desemprego, o tráfico de drogas, as gangues e todos os problemas que de tão recorrentes viraram comuns nessas áreas vulneráveis tornavam a vida dos habitantes desses bairros ainda mais difícil e sofrida, o único trabalho imediato que assegura-se minimamente a sua sobrevivência era a de traficante, e pra ser um precisava filiar-se a uma gangue, o que diminuía ainda mais sua expectativa de vida, pois as gangues estavam em constante disputa por território de venda. Contudo o Hip-hop criou uma comunidade que apesar de todos as diferenças e rixas abraçava um mesmo comum: o gosto por sua cultura, assim movimentos como o Zulu nation foram criados e reduziram drasticamente guerras e assassinatos de inocentes na região, era um hábito em comum, um gosto de em comum, tão político e conciliador que desavenças eram esquecidas nas boates de Hip-hop apenas para curtir um bom som e se conectar com seus semelhantes.
Quando o movimento se disseminou tanto ao ponto de chegar ao centro  a cultura mainstream inicialmente repudiou o rap como música, por se tratar de jovens pobres do gueto fazendo música sem necessitar de nada tão erudito como anos de estudo em uma universidade cara e conceituada, ou instrumentos tão caros e complexos que valiam mais do que a casa destes insurgentes, precisavam apenas de um vinil, um microfone, um toca vinil e umas boas rimas, era a cultura clássica sendo abalada, o racismo também se manifestava na música. Apesar das diversas acusações de apologia, de violência, de associação com gangues e demais envolvimentos ilícitos que a música supostamente vangloriava e os mestres cerimônias e adeptos praticavam o estilo conquistou o fascínio de movimentos também contra culturais como o punk, e logo firmaram alianças providencias para a disseminação nos rádios e mídia principal, os jovens brancos adoravam, tornou-se rentável e comercial, a sociedade branca conservadora demorou pra reconhecer como um movimento sério, e mesmo reconhecendo, muitos não aceitaram, mas apesar de tudo o rap estava no Mainstream e a partir dai ele não se restringiu somente aos guetos negros e latinos, mas atingiu a todas a sociedade americana, desde Nova York com o seu pioneiro rap político, passando por Los Angeles  com seu polêmico e violento rap gangster, até Miami com seu provocante e sexual rap-funk e chegando até o Texas, a zona mais racista  do país, com raízes escravagistas que perduram até pós abolição, sobretudo em Houston com seu rap lento e melódico.    
Todos os estilos, todos ricos e diversos, polêmicos e fatais, conclamando em uníssono: Estamos aqui, e não só estamos aqui, como o aqui é nosso. Os Estados Unidos virou a terra do Hip-hop, e sendo assim ele não era apenas uma música, um passo, um bairro, mas até o final da década de 80 todo o modelo de vida americano passou a ser moldado com base na cultura Hip-hop, era a influência mãe, como veio a definir Mano Brown anos depois “entrei pelo seu rádio tomei cê nem viu, nóis é isso  ou aquilo? o que cê não dizia? seu filho quer ser preto, há, que ironia”.














Rap nacional e batalhas regionais


O movimento Hip-hop, principalmente o rap, veio a chegar no Brasil no fim da década de 80, e veio a popularizar-se já na década de 90, tamanha e tão rápida era sua febre. Se nos Estados Unidos  o movimento tinha se desenvolvido tanto ao ponto de virar uma indústria mainstream e bilionária no Brasil o Rap ganhava contornos  sociais que o distinguiam em vários pontos do rap americano, apesar de também haver semelhanças em inspirações, como o caráter anticapitalista e anti-midiático que por muito tempo prevaleceu e até hoje se manifesta fortemente, ou  a primeira sociedade a aderir a esse novo estilo foi a favela, e por esse motivo mostrava-se diferente dos guetos americanos em particular na  sua organização territorial. Após a abolição da escravatura americana os negros foram mandados para as periferias, lugares distantes do centro e com alto índice de pobreza e criminalidade, e construíram junto com os imigrantes uma sociedade culturalmente autônoma que não respondesse as exigências da elite. No Brasil o fim da escravidão se deu de forma mais abrupta e pouco planejada, assim os ex-escravos não receberam compensações e nem porções de terra, ao passo que o plano de urbanização das cidades já tinha sido iniciado os mesmos não tinham recursos para adquirirem sua própria casa ou terra, assim tiveram que ir para a parte urbana que não era própria para o convívio humano e por isso não era habitada: os morros. Era o princípio do que viríamos a entender como favela, comunidades autônomas com cultura, economia, demografia e muitas vezes governos próprios que regiam aquelas pessoas. Sem emprego e à margem da sociedade as oportunidades eram em demasia limitadas, assim tiveram que improvisar para serviços ilícitos que garantissem a sobrevivência e assim as favelas foram crescendo em tamanho e influência social. Ao chegar nas favelas, esse novo estilo musical não tinha melhor encaixe social do que aquele que houve na favela, um estilo criativo, irreverente, consciente, provocativo e que acima de tudo apontava as injustiças e contradições da vida do negro pobre da favela, como a violência policial, a extrema criminalidade, pobreza e demais convulsões sociais que aquele povo era submetido, nesse sentido o rap brasileiro não passou pela fase de curtição e baladas a qual o rap americano antes havia passado, nosso rap já nasceu engajado, já nasceu político pois naquela época em específico o combate as drogas institui naquele meio uma verdadeira guerra contra as pessoas que lá moravam, viver lá, era viver em território de guerra.
As pessoas responderam a guerra, responderam em forma de rap, foi o primeiro desabafo que os marginalizados puderam ter sobre seu modo de vida, sua educação, seu esquecimento que a eles eram impostos e que pelo estado não eram contemplados, a sociedade externa teve que olhar para aqueles lugares por uma outra ótica, pois a grande mídia moldava uma visão totalmente diferente da que realmente acontecia lá, foi um choque, um choque de cultura e de realidade. Talvez nenhuma produção musical tenha causado tanto choque ao expor a realidade periférica no Brasil daquela época quanto “sobrevivendo no inferno” do grupo racionais Mc’s, um álbum violento, contraditório e marginal. O álbum apresentava dados que expunha provas concretas que o racismo ainda perdurava no brasil, que os negros eram sempre os mais violentados, injustiçados e excluídos, mas não apenas isso, ele provocava a sociedade conservadora colocando a representação de Deus e o diabo tão próximas, para simbolizar tamanha fé que detinham mas que apesar disso se encontravam no inferno cristão da terra. O álbum pode não ter sido tão bem recebido pela indústria mainstream e pela sociedade comum, mas chamou a atenção, alertou, provocou. Porém o álbum não foi criado pra eles, foi criado para quem passava por aquele inferno, o jovem preto de periferia se sentia contemplado com aquilo, pois descreveu exatamente o que ele passava no dia-dia, não apenas, mas serviu para dar consciência histórica, de classe e de meio para aqueles que por algum motivo haviam sido alienados de sua realidade, ele deu um norte a essa população, deu um objetivo e um ponto de equilíbrio.
O rap havia alcançado a favela, havia aterrorizado a mídia e a classe média, artistas eram vistos como criminosos, como o grupo “facção central” sendo acusado de fazer apologia ao crime e sendo forçado a se expor em rede nacional como estratégia de punição e ridicularização daquele grupo, foram inclusive forçados a ouvir “rap policial”. Apesar daquilo a semente a problemática já havia sido plantada, por mais que a sociedade média e a mídia tentassem ao máximo deslegitimar o movimento o rap já havia atingido a camada jovem da sociedade média e lutar contra aquilo seria ineficaz, teriam que engolir e aderir aquele movimento e se não gostar, no mínimo capitalizar aquele movimento autêntico das ruas, o rap havia se tornado mainstream no Brasil.
Mesmo sendo um dos estilos mais escutados no nosso país atualmente ele ainda tem críticas internas da sua forma de produção, foi um estilo totalmente encorpado nas grandes cidades, principalmente de São Paulo, assim diferente do rap americano talvez o nosso ainda tenha um caráter homogêneo em sua composição, como aponta o rapper “RAPadura Xique-chico” abordando o preconceito interno que sofreu ao ser nordestino e se portar como um nordestino.
É nesse ponto que a as batalhas de rap trabalham com maior ardor e por isso podem ser um ponto de mudança crucial na principal falha técnica deste ritmo, pois as batalhas de rap nascem em qualquer lugar, em qualquer praça, em qualquer beco e em qualquer cidade ou alagado do país, é o estilo que torna o rap ainda mais acessível e ao estimular a competitividade também estimula o aprimoramento e a integração de toda a comunidade de rap. Em amazonas  as rimas são regionalizadas falando da raiz indígena, no nordeste o rap é também repente, em Brasília ganhamos severos contextos políticos as rimas e assim a tendência são as batalhas de rap e o próprio rap se expandirem e atingirem camadas cada vez mais distantes do centro nacional.


Catalão


O rap em catalão chegou por volta de 2016 nos bairros periféricos da cidade, logo ele se expandiu e hoje não se restringe apenas a eles, qualquer lugar que você ir, seja bairros elitizados, universitários ou pobres você vai achar um microfone, uns garotos espertos e afiados e simpatizantes em torno dos dois competidores. Na praça popularmente chamada de “praçonha” ela serve não apenas para reforçar a competitividade entre rappers da área, mas também  convida vários grupos, até mesmo que não ouvem o rap a se integrarem e ouvirem o que eles tem pra dizer, seja a comunidade universitária, a comunidade que mora em torno e simpatizantes do estilo, reforçando assim a socialização e fraternização de amizades forjadas na batalha de rap.
Na batalha de rap em si existem várias regras, algumas instituídas, outras simbólicas, comportamentais e morais. As instituídas são as rimas, as réplicas, as batidas, o tempo de fala, a vitória determinada pelo conceito mais fiel ao júri: os seus semelhantes, se manifestando e fazendo barulho para aquele que melhor rimou, por via de regra não só um júri muito mais aprimorado que nossa falha constituição jurídica, como totalmente democrática e igualitária, pois a opinião de todos  os presentes e engajados vale. As simbólicas e morais são por exemplo o vale-tudo: o que vier na mente e rimar você rima, você pode ofender indiscriminadamente seu rival pois estão numa batalha, numa guerra. Descobriu que a namorada dele o traiu? Use, descobriu que ele broxou? Use. Por mais que sejam ofensas muito pesadas e indiscriminadas vamos aqui a outra regra simbólica que surge em consequência da passada: Na batalha são inimigos, após a batalha são irmãos, eles se respeitam, se cumprimentam, entendem que aquelas ofensas era somente para reforçar a narrativa e a vitória, e não apenas isso, laços são forjados com aquelas ofensas e aquele respeito mútuo pós batalha, já ouviu falar do ditado “nas guerras que forjamos as maiores alianças”, pois é, nas batalhas grandes amizades também são formadas, isso evidencia a dimensão cultural e harmonizadora que um outsider preconceituoso viria como violento, mas que basta atentar-se para ver, é conciliador e enriquecedor.











Desfecho conclusivo


“Queira ou não rap é uma realidade”, dessa frase brilhantemente proferida por Criolo doido na faixa “tô pra vê”, eu só corrigiria que o rap não é uma realidade, ele é a realidade em si, pois ele expõe contradições, injustiças, ilegalidades, comportamentos e qualquer outro fragmento de nossa realidade e coloca nos versos rimados. A arte não tem compromisso total com a realidade, mas para o rap podemos abrir essa exceção, pois ele é cru, duro, astuto e preciso ao expor o que muitas vezes é feio ou triste, ou pode até ser feliz e sensual, mas nunca irreal do nosso em torno. Um trabalho acadêmico está longe de descrever o que é este movimento, um trabalho se preocupa em evidencias, dados, argumentos e racionalidade para expor seu ponto de forma clara e embasada, mas o verbo suas definições são falhas, sendo falhas cabe a nós apenas viver e sentir o rap, respirar o rap, provar o rap e como numa calorosa batalha de rap, apenas rimar a vida de acordo com nossa subjetividade cultural.


















Referências bibliográficas


  “Se liga no som: as transformações  do rap no brasil”  Livro de Ricardo Indig Teperman



“Rap e política: Percepções da vida social brasileira” Livro de Roberto Camargos



“Hip-hop Evolution” Documentário dirigido por Darby Wheller



“O rap pelo Rap” Documentário dirigido Pedro Fávero



“Profissão MC- Criolo Doido” Filme independente e com zero capitação de recursos financeiros para produção feito por Alessandro Buzo e Toni Nogueira



“Batalha do Rap” Documentário produzido por jovens protagonistas do Pixelando


“Sobrevivendo no inferno” Álbum escrito e produzido pelo grupo Racionais MC’s









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