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FORAIS

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Por:   •  14/4/2014  •  9.975 Palavras (40 Páginas)  •  993 Visualizações

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FACULDADE DE LETRAS

UNIVERSIDADE DO PORTO

Filipa Maria Ferreira da Silva

2º ano de ciclo de estudos em

Mestrado de História Medieval e do Renascimento

Os Forais Manuelinos do Entre Douro e Minho

(1511-1520): Direito e Economia.

2012

Orientador: Professora Doutora Paula Maria de Carvalho Pinto Costa

Classificação:

Ciclo de estudos:

Dissertação/relatório/Projeto/IPP:

Versão definitiva

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Índice

Introdução 2

I - Estado da Arte 5

II - Contexto histórico: os forais no reinado de D. Manuel I 11

II.1 - Dos forais velhos aos forais novos: o processo de elaboração dos forais manuelinos 18

III – Direitos consagrados nos Forais Manuelinos: régios, concelhios e senhoriais 26

III. 1- Forais Novos de Entre Douro e Minho: Orientações do foro económico, social e judicial 32

III 1.1 - Justiça e Sociedade 32

III 1.2 - Economia e Fiscalidade 37

Conclusão 58

Anexos 60

Fontes e Bibliografia 87

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Introdução

Esta dissertação foi realizada no âmbito do Mestrado em História Medieval e do Renascimento da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Aborda questões relacionadas com a reforma dos forais ocorrida no reinado de D. Manuel I, incluindo-a numa análise sistemática de um conjunto de documentos. A escolha deste tema deveu-se sobretudo ao nosso interesse particular pelo conhecimento da História Local, o que numa investigação anterior, no âmbito do Seminário de Investigação em História Medieval, nos tinha conduzido ao estudo de alguns dos documentos que se inserem neste novo trabalho.

O nosso objetivo radica na análise de toda a problemática de reforma empreendida no reinado de D. Manuel I. A sua abrangência em distintas áreas, leva-nos a focarmo-nos essencialmente em elementos relativos ao direito, à economia, bem como à sociedade quinhentista. Dado o escasso tempo que dispusemos para a elaboração desta dissertação, restringimos a nossa análise a uma área geográfica específica, situada entre o rio Minho, a norte, e, a sul, o rio Douro.

A coletânea de fontes por nós selecionada é da autoria de Luís Fernando de Carvalho Dias e foi publicada entre os anos de 1962 e 1965. Esta obra é dividida em

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cinco volumes, correspondendo na íntegra à divisão administrativa do Reino do período cronológico a que se reporta o nosso estudo. A comarca da nossa escolha é a referente à área do Entre Douro e Minho, e o acervo documental é composto por sessenta e três documentos.

Relativamente à estrutura do nosso trabalho, este encontra-se divido em três partes distintas. Antes, porém, foi essencial para uma melhor compreensão do que se já havia estudado no âmbito da nossa temática, elaboramos um estado da arte, composto por um percurso pelos principais autores e obras que melhor ajudam a compreensão do tema desta dissertação.

O primeiro ponto faz a contextualização histórica de toda a problemática que envolve a nossa dissertação, bem como nos permite o conhecimento do perfil do monarca que empreendeu toda esta reforma. O segundo ponto essencial remete-nos para o estudo das diretivas principais que estiveram na base do processo da elaboração dos novos diplomas. No que diz respeito ao terceiro e último momento deste trabalho, procuramos fazer a análise dos principais elementos constituintes dos diplomas. Esta centra-se na observação de dados que radicam na esfera da justiça, da economia, bem como alguns esboços do retrato da sociedade quinhentista. Por fim, acompanha esta dissertação, um anexo, onde se localizam os quadros que nos ajudaram a uma melhor organização dos elementos, bem como a apresentação de um mapa, onde se localizam as terra, às quais foram atribuídos estes documentos.

Para terminar queremos apresentar os mais sinceros agradecimentos à Professora Doutora Paula Maria de Carvalho Pinto Costa, orientadora de dissertação, por todo o apoio, disponibilidade e, inigualável compreensão com que sempre nos recebeu. Um especial agradecimento é dirigido ao Professor Doutor José Augusto Pizarro, pela disponibilidade e apoio na cartografia que compõe a dissertação. Do mesmo modo, agradecemos aos restantes docentes do Mestrado em História Medieval e do Renascimento, Professor Doutor Armando Luís de Carvalho Homem, Professor Doutor Luís Miguel Duarte, Professor Doutor Luís Carlos Amaral, e Professora Doutora Cristina Cunha, pelos ensinamentos e valores que nos transmitiram ao longo do Mestrado, bem como na Licenciatura.

Um grande e especial agradecimento é dirigido a nossos Pais, pelos valores e suporte emocional que sempre demonstraram na elaboração desta dissertação. Ao meu Avô por todos os grandes ensinamentos de vida. Um especial agradecimento à nossa Família por toda a compreensão e aconchego que sempre demonstraram.

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Ao Sérgio, por tudo que sempre foi, e por tudo que sempre será. Em particular lembramos o suporte técnico que nos prestou durante a elaboração da dissertação.

Aos Amigos e companheiros da vida e para a vida, o meu enorme agradecimento por todo o apoio e compreensão, à Diana, ao Miguel, à Joana, à Sara, ao Eduardo e à Daniela. À sempre disponível, Doutora Isabel Pôças, o meu especial reconhecimento por toda ajuda que sempre me presenteou. Um agradecimento se dirige também, aos colegas de Mestrado, em particular à Cristina Santos, ao Ricardo Seabra, ao Nélson, aos Nuno, e Pedro.

Por fim, o especial agradecimento se dirige à Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, e às suas funcionárias por todo o auxílio prestado, bem como, à Biblioteca Municipal do Porto e Biblioteca Municipal de Matosinhos por nos facilitar a entrega de exemplares.

A todos, um muito obrigado.

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I - Estado da Arte

O tema da nossa dissertação de Mestrado em História Medieval e do Renascimento é o estudo dos Forais Novos, situados na área geográfica abrangida pelo entre Minho e Douro, e inseridos na problemática das amplas e diversas reformas manuelinas, especialmente que incidiu sobre esta fonte de direito. Sempre que a documentação permite, teremos em linha de conta a herança de forais anteriores outorgados a essas mesmas edilidades, de forma a melhor compreendermos o perfil das mesmas. É verdade que a Historiografia Medieval Portuguesa conta já com um significativo número de publicações sob variados aspetos da história do poder local, onde se pode inserir o interesse pela nossa temática, incluindo a própria resenha do balanço sobre este tipo de estudos1. Certo é que a problemática sobre os forais tem

1 Este esforço de síntese pode ser consultado sobretudo em COELHO, Maria Helena da Cruz - O Poder Concelhio em tempos medievais - o "deve" e "haver" historiográfico. In Revista de História. III Série, Vol. 7 Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, pp. 19-34; COELHO, Maria Helena da Cruz – Municipal power. In The Historiography of Medieval Portugal, c. 1950-c.2010: a collective book and a collaborative project, ed. MATTOSO, José; ROSA, Maria de Lurdes; SOUSA, Bernardo Vasconcelos e; BRANCO, Maria João. Lisboa: Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa, 2011, pp. 209-230; COSTA, Paula Maria de Carvalho Pinto - Poderes: as dimensões central e

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conhecido ao longo do tempo diversas etapas de estudo. Um aspeto que devemos de ter em atenção é o facto de a temática foraleira estar diretamente relacionada com o estudo dos municípios portugueses, assim como com o poder local em geral, pelo potencial que encerra ao nível do estudo do equilíbrio entre os poderes régios, senhoriais e municipais de uma determinada zona. Por este motivo, a historiografia não tem dissociado estes núcleos administrativos da sua realidade envolvente e, muitas vezes, opta por não focalizar a análise apenas nos forais. Por mais importante e ricos em informação que estes documentos sejam, nunca serão o único meio de aproximação às comunidades concelhias, sendo sempre fundamental ter em conta a diversidade e complementaridade de fontes documentais no caso vertente2.

No século XIX, o estudo dos concelhos portugueses iniciou-se pela mão de Alexandre Herculano. Na verdade, na sua História de Portugal, Herculano dedica uma parte ao estudo das origens dos municípios portugueses. Neste sentido, classifica-os de acordo com a sua estrutura, aproximando-os das características dos municípios romanos, onde reconhece as raízes deste tipo de organização3. Seguindo a mesma linha de pensamento de Herculano, surge Henrique Gama Barros que na sua obra História da Administração Pública se dedica, também, ao estudo da problemática concelhia4. Em 1868, Teófilo Braga, na sua obra intitulada História do Direito Português. Os Forais, revoga por completo a teoria romanística de Herculano, aproximando e caracterizando os municípios portugueses com os de cariz germânico5. Em 1931, no estudo intitulado de Apontamentos para o Estudo das Instituições Municipais Portuguesas, Torquato de Sousa Soares, pegando na teoria de Herculano, refaz a caraterização dos concelhos, despojando esta interpretação do romanismo que lhe havia atribuído Herculano6. Por fim, um nome que merece a nossa atenção é o de Marcello Caetano e a sua obra História do Direito Português, publicada em 1981, que, sendo de cariz mais jurisdicista,

local. In Revista de História. III Série. Vol. 7. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006, pp. 9-18.

2 MARQUES, José; COELHO, Maria Helena da Cruz; HOMEM, Armando Luís de Carvalho Homem - Diplomatique municipale portugaise (XIIIe-XVe siècles). In La Diplomatique urbaine en Europe au Moyen Âge. Actes du Congrès de la Commission Internationale de Diplomatique, Gand, 25-29 août 1998”, edição de W. Prevenier e Th. de Hemptine. Louvain/ Apeldoom, Garant, 2000, pp. 281-305.

3 HERCULANO, Alexandre - História de Portugal desde o começo da monarquia até ao fim do reinado de Afonso III. Vol. 2. Lisboa: Livraria Bertrand, 1983.

4 BARROS, Henrique da Gama - História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV. Tomo I e III. 2º Edição. Lisboa: Sá da Costa, 1945.

5 BRAGA, Teófilo - História do Direito Português - Os Forais. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1868.

6 SOARES, Torquato de Sousa - Apontamentos para o estudo da origem das Instituições Municipais Portuguesas. Lisboa: s/e, 1931.

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não deixa de ser bastante útil para o conhecimento Histórico, em geral, e para o estudo dos municípios, em particular7.

Existem, para além das já referidas, outras obras que contemplam abordagens neste domínio. Através destas, conseguimos obter sínteses muito concretas e realizadas por nomes que, ao longo do seu trajeto, se têm debruçado sobre esta matéria. Assim, a História de Portugal dirigida por José Mattoso contem um importante contributo. No seu volume II, designado de Monarquia Feudal (1096-1480)8,encontramos uma síntese sobre os concelhos; já no III volume da mesma obra, intitulado de No Alvorecer da Modernidade (1480-1620)9, Joaquim Romero de Magalhães também nos elucida sobre esta problemática, embora incida a sua interpretação sobre os tempos modernos. Já Maria Helena da Cruz Coelho, no volume III da Nova História de Portugal10, faz uma importante síntese sobre a problemática concelhia em conjunto com o estudo dos forais outorgados durante a primeira dinastia, nomeadamente até ao reinado de D. Dinis.

Para além destes contributos insertos em obras de caráter coletivo, os investigadores acima mencionados são também autores de outros títulos importantes para esta questão11. Um outro trabalho de cariz mais generalista sobre o estudo do municipalismo é da autoria de César de Oliveira intitulado História dos Municípios e do Poder local (Dos Finais da Idade Média à União Europeia)12. Um outro nome ainda a ter em conta para o estudo do assunto em causa, mas sobretudo na esfera da relação entre o Poder Local e o Poder Central, é o de Humberto Baquero Moreno, que, durante

7 CAETANO, Marcello - História do Direito Português (1140-1495). Lisboa / S. Paulo: Editorial Verbo, 1992.

8 MATTOSO, José – Concelhos. In A Monarquia Feudal (1096-1480). Coord. José Mattoso. Vol. II. História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa.

9 MAGALHÃES, Joaquim Romero de – Os Equilíbrios sociais do poder. In No Alvorecer da Modernidade (1480-1620). Coord. Joaquim Romero de Magalhães. Vol. III. História de Portugal. Dir. José Mattoso. Lisboa: Editorial Estampa.

10 COELHO, Maria Helena da Cruz – Concelhos. In Portugal em definição de fronteiras. Do Condado Portucalense à crise do século XIV. Coord. Maria Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem. Vol. III. Nova História de Portugal. Dir. Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques. Lisboa: Editorial Presença, 1996, pp .554-602.

11 Para Maria Helena da Cruz Coelho: O discurso de Guimarães em Cortes In “ Atas do 2º Congresso Histórico de Guimarães. Vol. VI, História Local. Guimarães: Câmara Municipal, 1997; O Estado e as Sociedades Urbanas In “ A Génese do Estado Moderno no Portugal Tardo-Medievo”. Coord. De Maria Helena da Cruz Coelho e Armando Luís de Carvalho Homem. Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, 1999; A Rede de comunicações concelhias nos séculos XIV e XV in “ As comunicações na Idade Média. Coord. Maria Helena da Cruz Coelho. Lisboa: Fundação Portuguesa de Comunicações, 2000; em conjunto com MAGALHÃES, Joaquim Romero de – O Poder Concelhio. Das origens às Cortes Constituintes. Notas de História Social. Coimbra: Centro de Estudos de Formação Autárquica, 1986.

MATTOSO, José – Identificação de um País. Ensaio sobre as Origens de Portugal. 1096-1325. Vol. I, Oposição. Lisboa: Editorial Estampa, 1985.

12 OLIVEIRA, César – História dos Municípios e do Poder Local (Dos Finais da Idade Média à União Europeia). Dir. César de Oliveira. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996.

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alguns anos, lecionou na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, um seminário dedicado ao estudo das instituições municipais e publicou diversos estudos13. Por fim, um outro nome a referenciar neste leque, é o de António Matos Reis, que, tanto no trabalho que apresentou na sua tese de Mestrado, como no de Doutoramento, se centrou na temática concelhia, tendo como uma das fontes principais os próprios forais14.

Ao longo das duas últimas décadas têm sido publicados diversos livros centrados sobretudo nos forais novos ou manuelinos, com o patrocínio das próprias câmaras municipais herdeiras da tradição concelhia medieval. São, na generalidade, edições que contam com a transcrição dos documentos foraleiros, com a apresentação fac-similada dos exemplares medievais e manuelinos, bem como com estudos introdutórios que nos permitem conhecer melhor esta realidade15. Mais pontualmente, algumas destas obras incluem glossários e elementos cartográficos bastante úteis. Por fim, há um universo de publicações resultante de trabalhos académicos e de encontros científicos, que em muito esclarecem a matéria desta dissertação16, alguns dos quais prolongam a reflexão para os

13 Moreno, Humberto Baquero - A ação dos almocreves no desenvolvimento das comunicações inter-regionais portuguesas nos fins da Idade Média. Porto : Brasília Editora, 1979; O concelho de Melgaço no tempo de D. João I. Porto : Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 1989; Os conflitos entre a nobreza e os concelhos medievais, no século XV. Cascais : Câmara Municipal de Cascais, 1996; Dois concelhos medievais da Beira Interior : Sabugal e Sortelha. Porto : Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 1993; História da administração portuguesa na Idade Média : um balanço.[Madrid] : [s.n.], 1991; Os munícipios portugueses nos séculos XIII-XVI : estudos de história. Lisboa : Editorial Presença, 1986; O poder central e o poder local : modos de convergência e de conflito nos séculos XIV e XV. Porto : Universidade do Porto. Faculdade de Letras, 1988; O poder local entre a tradição e a inovação em meados do século XV.Porto : [s.n.], 1990; A presença dos corregedores nos municípios e os conflitos de competências 1332-1459. Porto : [s.n.], 1989; A representação do concelho de Caminha junto do poder central em meados do século XV. Porto : Faculdade de Letras, 1989;

14 REIS, António Matos - Origens dos Municipios Portugueses. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1989; Os Concelhos na Primeira Dinastia: À luz dos Forais e de outros documentos da Chancelaria Régia. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005.

15 Por uma questão metodológica, que se prende sobretudo com o tempo que dispusemos para apresentação deste trabalho, optamos por uma abordagem sobretudo de publicações referentes à área geográfica em que se centra o nosso estudo.

MARQUES, José - Os Forais da Póvoa do Varzim e de Rates. Póvoa do Varzim: Câmara Municipal, 1991; Os Forais de Barcelos, Introdução, Transcrição e notas. Barcelos: Câmara Municipal, 1998; Os Forais de Melgaço. Melgaço: Câmara Municipal, 2003;

SILVA, Francisco Ribeiro - Os Forais Manuelinos do Porto e do seu Termo. Lisboa: Inapa, 2001; O Foral da Terra de Paiva : uma preciosidade patrimonial. In Poligrafia, nº3. Arouca: S/E, 1994;

VAZ, Luís - O Foral de Cabeceiras de Basto: Subsídios para a História do Concelho. Cabeceiras de Basto: Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto, 1991;

REIS, António Matos - O Foral de Monção. Monção: ASPA, 2002; O Foral de Valença. Valença: Câmara Municipal de Valença, 1996.

Foral de Guimarães 1517. Guimarães: Sociedade Martins Sarmento, 1989.

Foral de Santa Cruz de Riba Tâmega. Amarante: Câmara Municipal de Amarante, 2008.

16 A exemplo do que acontece com o contributo de DUARTE, Luís Miguel - Os "Forais Novos": uma reforma falhada? In Revista Portuguesa de História. Tomo XXXVI, Vol 1. Coimbra: Instituto de História Económica e Social, 2002 - 2003, p. 391 - 404.

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tempos subsequentes à reforma manuelina dos forais, alertando-nos para a evolução posterior de algumas das questões centrais desta dissertação17.

Do ponto de vista da abordagem por que enveredam, desde o séc. XIX, altura em que Herculano colocou o tema na agenda dos historiadores e dos júri-historiadores, têm sido valorizadas distintas opções. Assim, de uma perspetiva mais jurisdicional, muito centrada na explicação das origens das comunidades concelhias, a partir da década de 80 do séc. XX tem-se enveredado por análises mais preocupadas em compreender a dimensão social e a orgânica de poderes discutidos no contexto destes núcleos. A própria explicação da origem dos concelhos portugueses orientou-se mais no sentido de um enquadramento em dinâmicas de poder relacionadas com a formação do próprio reino no quadro do processo de reconquista18.

Em termos documentais, os forais constituem exemplares muitíssimo ricos, preservados nos nossos arquivos e, por vezes, publicados por diversos investigadores. A este nível, não podemos deixar de começar por referir um nome que aqui já mencionamos - Alexandre Herculano - e, em concreto, a sua obra Portugaliae Monumenta Historica. No volume correspondente às Leges et Consuetudines, encontram-se publicados grande parte dos forais outorgados antes do período por nós estudado, ou seja, até finais do séc. XIII, nomeadamente até ao reinado de D. Afonso III19. Outro autor que se dedicou à edição de fontes relevantes para este tipo de estudos foi Luís Fernando de Carvalho Dias, sobressaindo a sua obra intitulada de Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve. Conforme o exemplar do Arquivo Nacional Torre do Tombo20, de resto, a base documental da nossa dissertação. Não podemos deixar de parte um outro manancial de informação já veiculado por outros autores, que a par da edição de fontes, nos dá um enquadramento histórico da Reforma

17 Como, por exemplo, COELHO, Maria Helena da Cruz; MAGALHÃES, Joaquim Romero - O Poder Concelhio: das origens às Cortes Constituintes. Notas da História Social. Coimbra: Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986.

OLIVEIRA, César (Dir.) - História dos Municípios e do Poder Local: dos finais da Idade Média à União Europeia. Lisboa: Temas e Debates, 1996.

CUNHA, Mafalda Soares da; FONSECA, Teresa - Os Municipios no Portugal Moderno: Dos Forais Manuelinos às Reformas Liberais. Évora: Edições Colibri/CIDEHUS - Centro Interdisciplinar da História, Cultura e Sociedades da Universidade de Évora, 2005.

18 COELHO, Maria Helena da Cruz – Concelhos. In Portugal em definição de fronteiras. Do Condado Portucalense à crise do século XIV... p. 567-582.

19 HERCULANO, Alexandre (Org.) - Portugaliae Monumenta Historica: Leges et Consuetudines. Olisipone: Acadamiae Scientiarum Olisiponensis, 1858-1868.

20 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Os Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve. Conforme o exemplar do Arquivo Nacional Torre do Tombo. 5 Vols. Beja: Edição de Autor, 1962-65.

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Manuelina dos Forais e nos explica o complexo processo da sua justificação e execução21.

21RIBEIRO, João Pedro - Dissertação Histórica, Juridica e Económica sobre a Reforma dos Forais no Reinado do Senhor D. Manuel. Lisboa: Imprensa Régia, 1812.

CRUZ, António Augusto Ferreira da - Forais Manuelinos da Cidade e termo do Porto, existentes no Arquivo Municipal. Porto: Câmara Municipal do Porto, 1940.

CAETANO, Marcello - Forais de Évora. Évora: Boletim Cultural da Junta Distrital de Évora, nº 8, 1967. CHORÃO, Maria José Bigotte - Os Forais Manuelinos, 1497-1520. Lisboa: IANTT, 1990.

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II - Contexto histórico: os forais no reinado de D. Manuel I

Recuando ao processo de Reconquista, encontramos as circunstâncias que proporcionaram a definição de diversas entidades jurisdicionais e a construção de uma identidade, que marcaram boa parte da evolução histórica dos tempos futuros. Como é do conhecimento geral, a par do poder real, existiram outras dinâmicas de poder que favoreceram a conquista e a consolidação do território, assim como a preservação das fronteiras, como é o caso das entidades senhorias e municipais.

Como nos diz Marcello Caetano: Não basta num Estado a existência do governo supremo com seus órgãos centrais: é necessário que as decisões desse governo possam ser conhecidas e impostas em todas as partes do território e que as necessidades peculiares de cada localidade sejam atendidas e possam chegar ao conhecimento dos governantes22. Na senda do raciocínio deste jus-historiador, para cumprir o espetro de questões a que nos referimos, são necessários outros organismos que a par dos órgãos centrais, sejam capazes de dar este tipo de respostas. Estão incluídas neste caso as designadas autoridades locais. Se nos tempos de hoje é do conhecimento do comum cidadão a área geográfica e a circunscrição administrativa em que está integrado, ou

22 CAETANO, Marcello – História do Direito Português (1140-1495). Lisboa: Editorial Verbo, 1992, p. 215.

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seja, somos pertença de uma freguesia, que está inserida numa área concelhia, que por sua vez se integra num determinado distrito, nos tempos medievais esta rede de enquadramento e as suas respetivas instituições não eram assim de tão fácil distinção, nem conheciam estas mesmas designações (nem existiriam, no caso dos distritos). Na verdade, deparamo-nos, através do que se tem vindo a conhecer, com a circunstância de esta realidade medieval ser caraterizada por enormes irregularidades, assim como também por uma grande variedade de instituições que constituíam o suporte da vida local23. A este nível, e tendo em consideração a base documental que está subjacente a esta dissertação, podemos salientar os concelhos, as honras e os coutos. Muito embora nos interessem sobretudo os primeiros, não poderemos nunca esquecer as dinâmicas senhoriais que de perto conviviam com as autoridades municipais e se plasmavam no texto dos próprios forais, na medida em que consubstanciavam relações de difícil convivência e que precisavam da memória escrita para as clarificar e fixar no horizonte social do grupo comunitário a que diziam respeito.

O homem Medieval teria muitas dificuldades, ou mesmo impossibilidades em certos casos, em conseguir representar mentalmente a geografia do território em que estava integrado. A este obstáculo acresce a diversidade da realidade administrativa que recaía sobre o mesmo território. Alguns autores dão conta da complexidade das estruturas governativas, sentidas a nível local, nas suas vertentes fiscal, judicial e administrativa, acentuada pela sobreposição de distintas esferas de atuação, que vão desde o poder real, ao local, passando pelo senhorial24. Neste sentido, é, também, nosso objetivo perceber de que forma é que estas dinâmicas se articulavam no terreno. Para tal, escolhemos uma fonte de Direito – os forais –, capaz de nos proporcionar elementos de trabalho para a concretização deste objetivo.

Um foral constitui uma tipologia documental identificada desde longa data. Existem inúmeras formas de definir este conceito, apresentadas por vários autores. De uma forma concisa, este termo remete-nos para um documento jurídico autêntico, outorgado por autoridade legítima, e que se destina a regular a vida coletiva de qualquer povoação nova ou já existente, formada por homens livres ou que ele reveste

23 CAETANO, Marcello - História do Direito Português..., p. 215.

24 COELHO, Maria Helena da Cruz - Concelhos. In Portugal em definição de Fronteiras (1096-1325): Do Condado Portucalense à crise do século XIV. Coord. Armando Luís de Carvalho Homem e Maria Helena da Cruz Coelho. Dir. Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques. Vol. III. Lisboa: Editorial Presença, 1996.

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dessa condição25. Assim, a carta de foral reveste-se de um caráter pactual, entre, por um lado, a autoridade que a outorga e que aí exerce alguma forma de jurisdição, e, por outro, a comunidade de habitantes aí instalada, o que faz dela um documento estável e valioso. O foral carateriza-se por determinados elementos essenciais. Trata-se de uma lei orgânica, pois é uma carta firmada e testemunhada pelas partes envolvidas, que estabelece os princípios funcionais de uma determinada povoação; é uma carta orientadora e sistematizadora de condutos sociais e institucionais; é uma norma aceite por uma população de um determinado aglomerado social; aplica-se em determinados limites territoriais definidos; refere-se às relações pessoais e económico-sociais internas dos moradores entre si, assim como da entidade outorgante com estes.

O conteúdo de cada foral não é, em muitos casos, original, na medida em que estes documentos se inscrevem em modelos que inspiram a sua orientação. Na maioria das vezes, o mesmo texto-matriz é usado em mais do que um foral, consoante a zona a que se reporta. Esta situação aconteceria devido às afinidades que existiriam entre os diferentes núcleos concelhios26. Com efeito, os forais baseiam-se em modelos quer nacionais quer estrangeiros, ou seja, castelhanos, dada a proximidade geográfica entre as nossas terras de fronteira e as do reino vizinho. Neste sentido, Maria Helena da Cruz Coelho apresenta-nos uma forma de agrupar estes documentos em categorias já avançadas por outros historiadores, consoante o modelo que lhe serve de base. A primeira fórmula é a de Salamanca/Trancoso, que se difunde essencialmente pela parte setentrional do reino e Beira Alta. A segunda fórmula é a de Évora/Ávila, que serve de modelo à Beira Baixa e Alentejo. Uma outra fórmula é a de Zamora, que foi difundida especialmente pela região transmontana, de Vila Real e Montalegre, até Bragança, e também, Miranda e Mogadouro. Por fim, o paradigma de Santarém/Coimbra serve de base para os forais concedidos no Ribatejo e na Estremadura, assim como pela Beira Litoral e em alguns pontos do Alentejo e Algarve27.

Os forais são documentos muito antigos no reino de Portugal, estando já documentados desde a fase do Condado Portucalense e em alguns casos, até mesmo anteriormente, desde o reinado de Fernando Magno, em meados do séc. XI, tendo em conta que se conhecem exemplares outorgados a localidades que se situam no atual

25 COSTA, Mário Júlio de Almeida - Forais. In Dicionário de História de Portugal. Dir. Joel Serrão. Porto: Livraria Figueirinhas, 1992. Vol. 5, p. 55.

26 COSTA, Mário Júlio de Almeida - Forais. In Dicionário de História de Portugal... p. 55.

27 COELHO, Maria Helena da Cruz - Concelhos. In Portugal em definição de Fronteiras (1096-1325): Do Condado Portucalense à crise do século XIV. p. 582.

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território português. Os primeiros forais concedidos tiveram como principais objetivos o fomento do povoamento das terras conquistadas aos Mouros, mas também, nas terras que já haviam sido tomadas, a definição de direitos e deveres dos habitantes de uma terra para com a entidade outorgante, assim como, a determinação de alguns aspetos do direito local28. Resultante de um levantamento de dados neste tipo de registos escritos, Francisco Ribeiro da Silva aponta-nos um leque de disposições que seriam frequentes nestes primeiros forais, como liberdades e seguranças que os povoadores teriam garantidas da parte do outorgante; posições do foro fiscal e impostos; os deveres relativos ao serviço militar; disposições relativas quanto a matéria criminal; aplicações normativas para o bom uso da terra comum; garantias para a manutenção da paz no seio da comunidade; descrição dos encargos e privilégios dos cavaleiros e peões e por fim, os regulamentos para uma boa administração da justiça, com a indicação do(s) oficial(ais) por ela responsáveis29. Assim, e durante os primeiros séculos de existência do reino português (séculos XI, XII e XIII), a prática da outorga desta documentação foi frequente30. As razões do foro administrativo e da governabilidade do reino assim o aconselhavam, pelo que tanto os monarcas como os próprios senhores implementaram o modelo concelhio nas terras que tinham sob a sua responsabilidade.

Em grande medida, a vida das comunidades locais foi regida pelas determinações plasmadas nestes primeiros forais, que se manteriam minimamente ajustadas à realidade dos habitantes, bem como das entidades que os outorgaram31. Porém, a evolução das próprias comunidades, acompanhada pela complexidade crescente da vida do reino, justificaram certos conflitos e algumas resistências. Referimo-nos, em particular, à animosidade com os poderes senhoriais que estavam mais presentes localmente (clero e nobreza), bem como com o poder régio32. Como nos diz Maria Helena da Cruz Coelho: Mas se os monarcas consentiram e até fomentaram estes poderes, que serviam mesmo a sua política de estabilidade territorial e de domínio político, também sempre procuraram controlá-los, subentendo-os aos objetivos

28 SILVA, Francisco Ribeiro da - O Foral de Cambra no Conjunto dos Forais Manuelinos. Separata da Revista da Faculdade de Letras . Vol. V, Série II. Porto: Faculdade de Letras., 1989, p. 226.

29 SILVA, Francisco Ribeiro da - O Foral de Cambra no Conjunto dos Forais Manuelinos....p. 226.

30 COELHO, Maria Helena da Cruz - Concelhos. In Portugal em definição de Fronteiras (1096-1325): Do Condado Portucalense à crise do século XIV...p. 573.

31 COSTA, João Paulo Oliveira e - O Foral Manuelino de Palmela. In Os Forais de Palmela. Estudo Crítico. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 2005, p. 88.

32 ANDRADE, Amélia Aguiar - Estado, Territórios e 'Administração Régia'. In A Génese do Estado Moderno no Portugal Tardo-Medievo (Séculos XIII-XV). Lisboa: Universidade Autónoma de Lisboa, 1999, p. 167.

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da coroa que, passo a passo, foi visando um reforço do poder régio33. A este nível, estamos perante uma questão bastante complexa e que consiste na gestão de equilíbrios, por vezes, difíceis de alcançar. A atuação régia nos espaços de domínio da nobreza e do clero foi sempre difícil, se bem que, a monarquia tivesse lançado inquirições sobre as terras destes senhores, bem como das jurisdições de certos privilegiados, para apurar os seus direitos34. No que diz respeito aos concelhos, esta atuação régia sempre foi mais conseguida, embora não deixassem, também, de existir algumas situações de conflito, como dão conta, por exemplo, alguns capítulos de cortes35. Na verdade, os concelhos apresentavam-se como instituições mais permeáveis à influência e controlo por parte da instância régia. A intervenção régia manifestava-se sobretudo com a nomeação de alguns oficiais que passaram a controlar alguns domínios da vida concelhia. Assim, destaca-se, ainda no reinado de D. Dinis, o aparecimento dos corregedores36, bem como a vasta legislação, produzida entre a segunda metade do séc. XIV e os inícios do século XV, e que se reportava a matérias afins37.

Naturalmente, neste contexto de evolução do reino e de produção legislativa que afetava os municípios, a que se acrescenta o passar do tempo sobre as primeiras cartas de foral, estes documentos chegam a um ponto em que se encontram desatualizados, dando lugar à elaboração de documentos novos. É precisamente neste aspeto que se enquadra o tema central da nossa dissertação, ou seja, o estudo da reforma manuelina dos forais, precedida de umas breves notas sobre este monarca, a fim de, melhor entender certas dinâmicas que o levaram a ordenar esta reestruturação.

33 COELHO, Maria Helena da Cruz Coelho - O Relacionamento do Poder Municipal com o Poder Central em Cortes. In História do Municipalismo - Poder Local e Poder Central no Mundo Ibérico. Funchal: CEHA - Centro de Estudos de História do Atlântico, 2006, p. 293/294.

34 COELHO, Maria Helena da Cruz Coelho - O Relacionamento do Poder Municipal com o Poder Central em Cortes...p. 294.

35 Para uma melhor abordagem destes conflitos, sugerem-se as obras de: SOUSA, Armindo de - As Cortes Medievais Portuguesas : 1385-1495. Vol. II. Porto: INIC, Centro de História da Universidade do Porto, 1990, pp. 225-499, onde se consegue visualizar a listagem de assuntos tratados em Cortes sobre este assunto. Um outro exemplo, é um artigo da Professora Maria Helena da Cruz Coelho, intitulado "Entre Poderes - análise de alguns casos na centúria de quatrocentos". In Revista da Faculdade de Letras - História. II série. Vol. VI. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1989.

36 A data de um dos seus primeiros regimentos é de 1332, seguido de em texto regulamentador do ano de 1340. Ordenações Afonsinas (Livro I, Título XXIIII). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkien, 1994.

Ambos publicados na obra de: CAETANO, Marcello - A Administração Municipal de Lisboa durante a 1ª Dinastia. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1981, pp. 151 -174. Para uma análise da ação que estes tiveram, assim como das reações dos concelhos a estes, veja-se: MORENO, Humberto Baquero - A presença dos Corregedores nos Municipios e os conflitos de competências. In Revista de História. Vol. IX. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1989, pp. 77-88.

37 ANDRADE, Amélia Aguiar - Estado, Territórios e 'Administração Régia'. In A Génese do Estado Moderno no Portugal Tardo-Medievo (Séculos XIII - XV)... p. 168.

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O rei D. Manuel nasceu em Alcochete a 31 de maio de 1469 e chegou ao trono de uma forma não natural, pois não era filho de um monarca. É, pois, filho segundo da aristocracia, parente do rei D. João II (com o qual conviveu de perto parte na sua adolescência), circunstância útil para lhe garantir um espaço de aprendizagem nos meios do poder. O ano de 1484 é um marco relevante, enquanto membro da Nobreza, pois torna-se Duque de uma das mais importantes casas do Reino. O ano de 1491 é então o ano em que este se assume como candidato ao trono português, devido à morte do então herdeiro. De facto, sobe ao trono em 1495 e o seu reinado prolonga-se durante 26 anos, até o ano da sua morte, em 1521. A análise deste reinado foi objecto de um excelente estudo recente por parte de João Paulo Costa38.

D. Manuel foi um rei centralizador, inovador, e reformador39, de acordo com as palavras do seu mais recente biógrafo. Aquando da sua morte deixa um reino diferente daquele que conhecera durante a sua vida. Procedeu a inúmeras reformas, tanto no plano interno como no externo, sem, com tal, pôr em causa a sua casa e os seus súbditos. Não se limitou simplesmente a receber uma enorme herança, como foi também um continuador ativo das políticas que foram desencadeadas pelos seus antecessores. Como foi já referido, há nas suas políticas um caráter reformista, assim como inovador. Algumas das intervenções por si efetuadas são de uma grande profundidade, subsistindo algumas delas com fortes traços até aos nossos dias. Como refere José Manuel Garcia, (...) estamos perante um dirigente que levou a cabo um ambicioso e vasto conjunto de reformas, bem revelador da sua preocupação em criar um Estado moderno, com uma gestão eficaz que pudesse assegurar o progresso possível nas condições de vida das suas gentes40. É precisamente neste particularidade que assenta o estudo de Diogo Freitas do Amaral. Na linha de pensamento deste autor, assiste-se no reinado de D. Manuel I, a passagem de um Estado carateristicamente medieval, para um Estado dito Moderno, tendo na figura do monarca o seu protagonista41. Tal transformação nunca seria completa, e muito menos duradoira se as conquistas obtidas no plano político não fossem a seguir institucionalizadas, mediante

38 COSTA, João Paulo Oliveira e – D. Manuel: 1469-1521: Um Príncipe do Renascimento. Mem Martins: Círculo de Leitores, 2005.

39 COSTA, João Paulo Oliveira e – D. Manuel: 1469-1521 ..., p. 375.

40 GARCIA, José Manuel - D. Manuel I. In História dos Reis de Portugal. Da Fundação à perda da Independência. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 2010, p. 652.

41 AMARAL, Diogo Freitas do - D. Manuel I e a Construção do Estado Moderno em Portugal. Lisboa: Edições Tenacitas, 2003, p. 13.

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a introdução de adequadas reformas nos planos jurídico, administrativo e financeiro42. Assim, é notória a obra reformadora de D. Manuel em diversos aspetos da administração do reino, de que podemos apontar alguns aspetos. Procedeu-se à reforma das Ordenações, estando terminada a impressão no ano de 1513, conseguindo-se, desta forma, a uniformização textual de diversos diplomas, na continuidade do trabalho já iniciado por D. Afonso V, mentor das Ordenações Afonsinas. Saliente-se, igualmente, a publicação de diversos regimentos, a fim de se conseguir uma melhor organização de variados setores (saliente-se o Regimento dos Oficiais das Cidades, Vilas e Lugares de 1503-04; regulamentação sobre os Artigos das Sisas de 1511-12; regulamentação sobre os Contadores das Comarcas de 1514, entre outros exemplos). A esta vasta campanha do foro jurídico-legislativo, acrescente-se o projeto de redação da Leitura Nova, com vista à preservação do conteúdo de diversos documentos herdados dos seus antecessores. Como elemento do timbre uniformizador que procurou prosseguir, D. Manuel tentou, igualmente, colocar em curso a reforma da moeda, que tentaria reproduzir o modelo padrão que Lisboa, aplicando-o ao resto reino43, bem como a reforma empreendida no campo dos pesos e medidas.

É, pois, neste enquadramento que se encontram as circunstâncias cruciais que nos permitem compreender a produção e alcance dos chamados forais novos. Os forais, como anteriormente foi referido, foram produzidos em épocas distintas, lidando com realidades diversas, e, uma vez chegados ao século XV, começavam a gerar algumas insatisfações pelas incongruências a que davam lugar44. Foi no ano de 1430, nas Cortes reunidas em Santarém, pelos representantes da cidade do Porto, que se erguem pela primeira vez, vozes que questionavam os abusos de alguns donatários e que se insurgiam contra a má interpretação dos antigos forais45. Os principais motivos destas queixas resultam sobretudo do facto de os forais estarem escritos em latim, língua que a maioria da população desconhecia, pelo menos, no final da Idade Média. O seu mau estado de conservação, que, por vezes, favorecia uma má interpretação do texto, bem

42 AMARAL, Diogo Freitas do - D. Manuel I e a Construção do Estado Moderno em Portugal. Lisboa: Edições Tenacitas, 2003, p. 15.

43 DIAS, João José Alves; BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond; BRAGA, Paulo Drumond - A Conjuntura. In Nova História de Portugal. Portugal do Renascimento à Crise Dinástica. Vol. V. Dir. Joel Serrão e A. H. Oliveira Marques. Coord. João José Alves Dias. Lisboa: Editorial Presença, 1999, p. 714-716.

44 COSTA, João Paulo Oliveira e - O Foral Manuelino de Palmela. In Os Forais de Palmela. Estudo Crítico....p. 89.

45 MARQUES, José - Os Forais Manuelinos da Terra de São Martinho e de Souto de Rebordões. Ponte de Lima: Câmara Municipal de Ponte de Lima, 2006, p. 11.

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como os valores díspares, entre regiões, relativamente a pesos e medidas, constituíam outras fortes razões da desadequação dos velhos forais medievais. A obra que melhor retrata estas vozes crescentes de descontentamento é a de João Pedro Ribeiro, intitulada de Dissertação histórica, jurídica e económica sobre a reforma no reinado do senhor D. Manuel, sendo este trabalho a base de referência para os historiadores que se debruçam sobre esta temática em tempos posteriores46.

Face à pressão crescente que se foi manifestando, e que já se fizera sentir nos dois reinados anteriores, e indo de encontro à própria conceção que o monarca sobre a condução do reino, em 1495, nas Cortes, onde de novo os procuradores reafirmaram os pedidos, é então decidido por D. Manuel dar início à reforma dos forais.

II. 1 - Dos forais velhos aos forais novos: o processo de elaboração dos forais manuelinos

O acervo documental desta dissertação é composto por sessenta e três diplomas, publicados por Luís Fernando de Carvalho Dias, como anteriormente foi esclarecido. Dado o tempo que dispusemos para a preparação desta dissertação, foi-nos impossível deslocarmo-nos ao Arquivo Nacional Torre do Tombo, a fim de podermos trabalhar diretamente com as fontes em apreço. Assim, a obra deste autor é a que melhor corresponde aos objetivos de levantamento de dados para este estudo. Advertimos, porém que, não se trata dos originais em si, mas sim da base-registo que serviu à sua posterior elaboração e entrega às autoridades que os recebiam47. A tabela 2 (Os Forais Manuelinos da Comarca do Entre Douro e Minho), incluída em anexo a esta dissertação, dá conta dos forais das terras aqui em estudo48.

A cronologia do período em análise é compreendida entre os anos de 1511 (foral da Vila de Ponte de Lima) e 1520 (foral da Terra de Celorico de Basto), correspondendo à data do primeiro e último foral a ser outorgado para a região do Entre Douro e

46 RIBEIRO, João Pedro - Dissertação histórica jurídica e económica sobre a reforma no reinado do senhor D. Manuel. I Parte. Lisboa: Impressão Régia, 1812. Nesta obra, encontram-se descritas as várias queixas apresentadas em Cortes, pelos diversos representantes dos Concelhos sobre os agravos a que a população estava sujeita. Por ser uma questão, que já foi tratada amplamente por diversos autores, alguns dos quais já citados por nós, remetemos o leitor para a leitura para os mesmos.

47 MARTINS, Maria Manuela de O. ; MATA, Joel Silva Ferreira - Os Forais Manuelinos da Comarca da Estremadura... p. 196.

48 Tabela 2, Os Forais Manuelinos da Comarca do Entre Douro e Minho, p. 65-69.

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Minho49. Ainda através da sua análise é possível aferir que os locais onde foram redigidos estes diplomas não variavam muito e situam-se entre Évora e Lisboa, sendo esta última cidade o local onde se outorgaram mais diplomas deste perfil, o que se prende com a maior permanência da corte régia e do oficialato neste local. Um outro aspeto ainda a mencionar reside no facto de todos eles serem redigidos e assinados por Fernão Pina, homem da escrita responsável por esta campanha, como já tivemos oportunidade de esclarecer.

O proémio do foral novo da cidade de Lisboa, redigido por Damião de Góis, é o exemplo maior das motivações e objetivos que D. Manuel definira para a reforma destes documentos e seu respetivo enquadramento:

"(...) que vendo nós quomo offiçio do Rei não he outra cousa senão Reger bem e governar seus subditos em Justiça, e Igualdade ha qual não he somente dar ha cada hum ho que seu for mas aJnda não leixar acquirir nem levar nem tomar ha ninguem senão ho que a cada direitamente pertençe e visto Isso mesmo quomo ho Rei he obrigado por ho carrego que tem nas cousas em que sabe seus vassalos Reçeberem aggravos e males lhes tolher, e tirar posto que pollos dapnificados requerido não seja querendo nós satisfazer no que a nós for poçível com ho que somos obrigados vindo a nossa noticia que asim na nossa çidade de lisboa quomo em muitos lugares de nosso Regnos, e senhorios por serem hos foraes que tinham de mui longos tempos e hos nomes das moedas, e jntrinsico valor dellas se nom conheciam, e por asim nom poderem ser entendidos asim por muitos delles estarem em latim, e outros em lingoagem antiga, e desacustumada se levava e pagava por eles ho que verdadeiramente se não devia pagar, e querendo todo Remediar quomo com toda clareza e verdade se faça (...)" 50.

A reforma dos forais prolongar-se-ia durante quase todo o reinado deste monarca, mais em concreto entre os anos de 1497 e 152251. Esta morosidade justifica-se, pois, Trata-se de um processo que teve em conta situações dos quatro séculos

49 Tabela 2, Os Forais Manuelinos da Comarca do Entre Douro e Minho, p. 65-69.

50 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa. Estremadura. Beja; Edição de Autor, 1962, p. D.

51 DUARTE, Luís Miguel Duarte - Os "Forais Novos": uma reforma falhada? In Revista Portuguesa de História. Vol. I, Tomo XXXVI. Coimbra: Faculdade de letras, 2002-2003, p. 397.

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anteriores ajustadas à nova realidade do país, de forma a que os respetivos conteúdos pudessem ser aplicados num futuro que se veio a prolongar por mais três séculos(...)52.

D. Manuel, em carta redigida em 1497, ordena aos contadores do reino que enviassem, de todos os lugares e cidades de sua jurisdição, os documentos que fizessem prova dos direitos aí cobrados a fim de os clarificar53. Nesta situação estariam abrangidos os forais antigos, tombos e escrituras que comprovassem os estatutos concelhios, bem como a cobrança de direitos reais54. Desta forma, nomeia uma comissão permanente, onde se destacam o doutor Rui Boto, chanceler-mor, o desembargador João Façanha, e, por fim, Fernão de Pina, cavaleiro, que trabalhou durante toda esta reforma55. A confrontação dos documentos enviados à comissão não faria prova do que estava estabelecido, suscitando dúvidas junto deste grupo de peritos que acompanhavam o desenvolvimento dos trabalhos, tornando-se necessário partir para esses locais, com o propósito de levar a cabo diligências que esclarecessem algumas incertezas56. Dada a novidade e o empreendorismo que esta ação acarretou, surgiram casos que levaram Fernão de Pina a dirigir-se junto do monarca, a fim de se obter resposta a todas as circunstâncias de carácter duvidoso57. D. Manuel encarregou, então, os homens da Casa da Suplicação e do Cível, com vista à resolução das questões preliminares que estão na base da reforma foraleira58. O conjunto de soluções apresentado ficou conhecido no tempo como os "Pareceres de Saragoça"59. Para além da

52 GARCIA, José Manuel - D. Manuel I. In História dos Reis de Portugal. Da Fundação à perda da Independência...p. 653.

53 MARTINS, Manuela de O.; MATA, Joel Silva Ferreira - Os Forais Manuelinos da Comarca da Estremadura. In Revista de Ciências Históricas. Vol. IV. Porto: Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 1989, p. 202.

54 COELHO, Maria Helena da Cruz; MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa - Foral Manuelino de Jarmelo. Jarmelo: IMC.IP / Museu da Guarda, Associação Cultural e Desportiva do Jarmelo, 2010, p. 16.

55 SERRÃO, Joaquim Veríssimo - Administração e Sociedade. In História de Portugal. O Século de Ouro (1495-1580). Vol. III. Póvoa do Varzim: Editorial Verbo, 1978, p. 212.

56 COELHO, Maria Helena da Cruz; MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa - Foral Manuelino de Jarmelo... p. 16.

57COELHO, Maria Helena da Cruz; MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa - Foral Manuelino de Jarmelo... p. 16.

58 MARTINS, Manuela de O.; MATA, Joel Silva Ferreira - Os Forais Manuelinos da Comarca da Estremadura...p. 203.

59 Por serem já, amplamente conhecidos e descritos, remetemos o leitor para as obras em que estão estudados:

RIBEIRO, João Pedro - Dissertação histórica jurídica e económica sobre a reforma no reinado do senhor D. Manuel. I Parte. Lisboa: Impressão Régia, 1812.

DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa. Estremadura. Beja; Edição de Autor, 1962, p. 323-327;

MARTINS, Manuela de O.; MATA, Joel Silva Ferreira - Os Forais Manuelinos da Comarca da Estremadura. In Revista de Ciências Históricas. Vol. IV. Porto: Universidade Portucalense Infante D. Henrique, 1989, p. 203-205;

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comissão, trabalharam em parceria homens ligados à vida administrativa e jurídica, desde doutores, a desembargadores, passando por contadores das comarcas, almoxarifes, vereadores e homens bons dos concelhos que prestaram um papel ativo nesta campanha. Um contributo importante para esta reforma adveio dos agentes da escrita, iluminadores e encadernadores,60. Como resultado final, a contribuição destes homens proporcionou a produção de cinco livros de registo de forais, expedindo ainda a chancelaria régia, por cada foral, três manuscritos, no geral com a primeira folha iluminada, dirigindo-se um à cidade, vila ou lugar em causa, outro ao seu senhor e um terceiro destinado a ser arquivado na Torre do Tombo"61. Como se pode verificar, a massa documental produzida no contexto do processo reformador a que nos referimos foi bastante avultada. Para além dos efeitos produzidos no seu tempo, sobretudo ao nível da criação de instrumentos que regulavam a administração local e orientavam a atuação dos oficiais régios e municipais, estes diplomas também se revelariam excecionais no domínio da transmissão de memórias, imprescindíveis, também, para os historiadores.

Uma vez apuradas as questões gerais da reforma, a análise detalhada dos seus conteúdos adquire pertinência. Com efeito, a leitura dos documentos torna possível apresentar exemplos significativos do processo que desencadeou a reforma dos diplomas. A tabela referente ao processo de elaboração dos forais, incluída em anexo a esta dissertação, sistematiza elementos alusivos às discórdias desencadeadas por todo este procedimento, à apresentação de documentos evocados como meio de justificação de alguma posição, ao processo que poderia ter estado na origem da entrega do foral, e por fim, aos diplomas que estão insertos ao longo do documento em questão62.

O foral da cidade do Porto é o exemplo em que melhor se pode averiguar a complexidade que a reforma dos forais implicou. Francisco Ribeiro da Silva afirma que (...) a interpretação correta dos direitos régios na cidade desde longa data vinha sendo objeto de frequentes, rijas e escandalosas contendas entre os três protagonistas: o rei e seus oficiais e recebedores, o bispo e o cabido e seus rendeiros, os oficiais da

60 Sobre a obra destes agentes de escrita remetemos a leitura para a obra de CHORÃO, Maria José Bigotte - Os Forais Manuelinos (1496-1520). Lisboa: IAN/TT, 1990.

61 COELHO, Maria Helena da Cruz; MORUJÃO, Maria do Rosário Barbosa - Foral Manuelino de Jarmelo... p. 16.

62 Consultar a Tabela 3 referente ao Processo de Elaboração do Forais Novos do Entre Douro e Minho, p. 70-75.

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Câmara63. No preâmbulo do foral vêm descritos os referidos incidentes, e (...) portanto os groriosos Reis destes regnos nossos anteçessores fizeram sobre os ditos direitos comtratos e avenças com os Bispos da dita Çidade e seu cabido na execuçam e comprimento dos quaes ouve mujtas duvjdas e taaes per omde os ditos direitos nom puderam Livremente segundo o dito contrato ficar todos a coroa dos nossos regnos Nem per consegujnte poderão despois disso Isentamente ficar todos ao dito Bispo e Cabido (...)64. Houve tempos em que o Bispo e o Cabido da cidade arrecadariam para si as rendas e tributos reais com base nas primeiras doações com que foram agraciados. Porém, e como era objetivo do rei, o esclarecimento destas contendas, e depois de analisada a documentação atinente à matéria (a saber, a doação feita a D. Hugo pela Rainha D. Teresa e as inquirições feitas pelo rei D. Afonso IV), é então elaborado este novo foral. A transcrição da doação a D. Hugo tornou-se necessária como elemento justificativo de todas as reivindicações dos intervenientes nas avenças. Como no foral do Porto, em que a documentação anterior fez prova dos direitos a pagar, o mesmo se sucedeu com os forais do couto do Mosteiro de São Martinho de Tibães e do couto do Mosteiro de Santa Maria do Vimeiro, sendo que este último faz apenas a menção ao referido documento, sem o incluir no seu conteúdo65. Já no caso do Mosteiro de Tibães, a situação é exposta de forma diferente. Como sucedido no caso do Porto, houve a necessidade de se transcrever na íntegra toda a doação que faz prova de que os anteriores monarcas passaram todos foros e tributos para o mosteiro. Dentro deste tipo de lógica, é presente neste foral uma carta de privilégio, dada pelo rei D. Dinis, e agora confirmada por D. Manuel66.

Corroborando o que temos vindo a expor, o foral da terra e concelho de Penafiel plasma a existência de conflitos a que o monarca procurou responder com a outorga de um novo documento. As rendas aí a pagar eram cobradas de maneiras diferentes, como é descrito em alguns forais antigos, tombos ou até mesmo em inquirições que foram utilizadas para a redação deste novo documento. A situação tornava-se mais desconcertante, na medida em que (...) os ditos direitos se pagaram despois per mujto

63 GARCIA, José Manuel; SILVA, Francisco Ribeiro da - Forais Manuelinos do Porto e do seu Termo. Coleção Portucale. Lisboa: Edições Inapa, 2001, p. 118.

64 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa. Entre Douro e Minho. Beja; Edição de Autor, 1962, p. 1.

65 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa....p. 187.

66 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa....p. 185-186.

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tempo a esta parte per outras maneiras a prazer das partes foreiras e dos senhorios que os ditos direitos atee ora possuyram (...)67. A fim de se averiguar esta complexa situação, são realizadas as devidas diligências com as partes envolvidas. Neste caso, destaca-se o facto de uma das partes ser um fidalgo, pertencente à casa do Rei, detentor dos direitos deste a cobrar nesta terra, o que lhe confere um estatuto muito singular68. No que concerne ainda a este diploma, deve ter-se em consideração que é identificado como sendo termo da cidade do Porto. Acresce que o foral dado a Penafiel, em junho de 1519, incluiria o foral de Entre os Rios do Mosteiro de Santa Clara do Porto, que teria sido entregue, por inquirições, à terra de Penafiel, se bem que em outubro desse mesmo ano, o couto de Entre os Rios tivesse foral próprio, justificando-se no seu preâmbulo as razões desta situação. Assim, no dito lugar e couto nom ouvesse atee ora foral autentico nem outra particular escpritura por onde os direitos e foros do dito lugar se ouvessem todos de levar por omde mujtas vezes sobre vieram duvidas e contendas antre as abadessas e convento do dito moesteiro com os senhorios e pesosas que de noos tinham as Rendas e direitos do concelho e terra de penafiel. Porem nos por evitarmos as semelhantes contendas presentes vindoiras ouvemos por bem de decrarr primeiramente as ditas duvjdas e per consegujnte dar ao dito moesteiro particular foral apartado do outro de penafiel (...)69.

Não se desviando dos anteriores na atribuição de foral por meio de inquirições, o foral de Melgaço merece destaque uma vez que teriam existido dois forais anteriores. Foram dados pelo rei D. Afonso III, e dos quais não se faz menção (...) por que huum dellles foy de foro cerrado por trezentas livras o qual pello mesmo Rey foi desfeito per favor E deu lhe outro foral segundo o de Ryba dave comarcaao ao dito lugar no Regno de galiza do qual ysso mesmo aquy nam he feita decraraçam (...)70. No reinado de D. João I foram anulados ambos os forais, sendo que a cobrança dos direitos seria feita como antes da existência destes documentos. A situação não ficou bem definida, o que suscitou conflitos entre as partes intervenientes, resolvidas então com a outorga deste novo diploma71.

67 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa....p. 22.

68 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa....p. 22.

69 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa....p. 31.

70 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa....p.63.

71 MARQUES, José - Os Forais de Melgaço. Melgaço: Câmara Municipal, 1995.

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Por sua vez, as inquirições realizadas na terra de Cabeceiras de Basto, com o objetivo de apurar informação para definir no foral novo, mostraram que os direitos e tributos a pagar eram efetuados de maneiras distintas. As diligências foram realizadas com ambas as partes e detectaram-se contradições em relação ao modo de pagamento previsto nas inquirições anteriores. E, (...) portanto nam podemos justamente mandar assentar as pagas da dita terra Neste Forall polla Imçertidam das cousas della assy por que algumas terras sam despovoadas e outras sam em poder de moesteiros e Igrejas e outras por serem em algum tempo despovoadas sam Jaa emprazadas em vidas pollos senhorios como cousas nossas própria (...)72. A solução encontrada seria a continuação do pagamento dos direitos ao rei da forma como as inquirições demonstravam, sendo que os futuros senhorios não poderiam, de forma alguma, acrescentar e impor o pagamento distinto sem que para isso se recorresse à justiça. Inserida neste foral, está a respetiva sentença em que se consagram estas medidas.

Sem recurso a inquirições e tombos medievais para o estabelecimento dos direitos a pagar pelos moradores, o foral de Gondomar mostra particular diferença. Essa radica na recente elaboração de um livro em que as partes chegaram a consenso sobre a forma como seriam cobrados os tributos. Para garantir o conhecimento das medidas definidas, bem como o cumprimento das mesmas, deste (...) avemos por bem que se façam dous trellados huum pera o senhorio e outro pera a camara do comçelho (...)73 . Pede-se ainda no foral que seja realizada nova justificação deste livro, estando presentes para o efeito todos os foreiros e o mordomo do senhorio, numa clara tentativa de divulgação do estipulado e comprometimento com as decisões tomadas.

Por fim, na terra de Baltar, as questões que surgiram radicam no desuso de certas palavras que eram presentes nas inquirições. Tal circunstância fez com que houvesse necessidade de se fazerem novas inquirições com vista à regulamentação do pagamento. Na qual Inqujiriçam estara sempre presente o Jujz e procurador do comçelho e hum tabaliam e homoordomo do senhorio (...)74. Assim, se pode verificar que a responsabilização das principais figuras administrativas e representantes da jurisdição exercida sobre o local era reforçada pela sua presença no levantamento dos dados.

72 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa....p .81.

73 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa....p. 144.

74 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa....p. 157.

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A leitura destes dados permitiu-nos, a par da análise bibliográfica, a ilustração do processo que desencadeou e possibilitou a reforma dos forais. Os elementos recolhidos permitiram a construção de instrumentos de trabalho úteis, onde se localizam informações dos meios que se utilizaram para a elaboração dos novos documentos. O levantamento de pequenos excertos permitiu um melhor apuramento de algumas das dificuldades sentidas pelos próprios dos problemas que estiveram no rol de queixas apresentadas em Cortes, que viriam então os motivos para a sua reforma.

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III – Direitos consagrados nos Forais Manuelinos: régios, concelhios e senhoriais

A análise da documentação selecionada para esta dissertação tornou-se um desafio difícil, mas interessante, dada a complexidade da própria linguagem e estrutura dos textos que carateriza estas fontes escritas. O núcleo de trabalho é constituído por 57 forais novos, na sua maioria referentes a uma localidade específica, embora haja casos em que o mesmo diploma se reporta a diversas terras, como, por exemplo, o foral de São Martinho e termo, Burral de Lima, Coura, Valdevez, Geraz e Stº Estevão75. A par da intrincada grelha administrativa subjacente a este conjunto de forais, por vezes, já pouco coincidente, em termos de nomenclatura, com as atuais designações, há ainda outros fatores que dificultam um entendimento imediato da realidade de que dão conta. Na verdade, os forais primitivos estiveram na base do direito local medieval, desde o séc. XI, e, em muitos casos, constituíram, a par de processos de inquirição, a matriz que orientou os forais manuelinos. A diversidade de situações, bem como a partilha de jurisdições sobre os territórios abrangidos por estes documentos tornam-nos de difícil entendimento e uniformização de tratamento.

A realidade local medieval era muito distinta da de hoje, circunstância que desafia a perícia do Historiador no domínio da interpretação das fontes documentais. Inclusivamente, poderia tornar-se difícil ao homem medieval perceber as distintas

75 DIAS, Luís Fernando de Carvalho - Os Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve, conforme o exemplar do Arquivo Nacional Torre do Tomo. Entre Douro e Minho. Beja: Edição de Autor, 1962-65, p. 86-114.

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esferas de poder que se interligavam e interagiam e que afetavam a sua relação com as diferentes instâncias em que estava enquadrado.

Numa perspetiva de análise documental, foi nossa intenção organizarmos os forais consoante as jurisdições a que estavam submetidos, ou seja, dos que estariam sob domínio senhorial (laico ou eclesiástico), concelhio e régio. Porém, esta proposta não se concretizou numa divisão clara, pois, na verdade, a base documental que nos serve de apoio é diversa nesse sentido, convergindo algumas localidades para mais do que uma esfera de influência. O domínio em que melhor conseguimos ter perceção destas interligações é, sem sombra de dúvidas, o da cobrança dos direitos e da sua respetiva atribuição.

Reminiscências do período da Reconquista, em que as autonomias ao nível local se justificavam, muitas vezes, pela inoperância da administração régia, fazem com que parte deste mosaico de jurisdições, no século XV, continue a registar essas formas de atuação do passado, embora os monarcas, e em concreto D. Manuel, pretendessem reformar usos e costumes que eram obstáculos a uma maior intervenção régia em todo o reino. A verdade é que objetivos e insuficiências que forçaram os primeiros monarcas portugueses a r

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