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Goiás: a invenção da cidade "A herança da humanidade"

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Por:   •  8/9/2014  •  Artigo  •  8.455 Palavras (34 Páginas)  •  253 Visualizações

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Goiás: a invenção da cidade “Patrimônio da Humanidade” 113

Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 11, n. 23, p. 113-143, jan/jun 2005

GOIÁS: A INVENÇÃO DA CIDADE “PATRIMÔNIO

DA HUMANIDADE”

Andréa Ferreira Delgado

Universidade Federal de Goiás – Brasil

Resumo: Neste artigo, investigo a instituição de Goiás como uma cidade histórica

e turística, entrelaçando séries discursivas que conferem visibilidade e sentidos à

cidade ao trabalhar as relações do espaço urbano, o tempo e a história: a

delimitação da cidade como bem cultural por meio da incorporação na ordem do

discurso do Patrimônio Nacional; a invenção das tradições locais promovida pela

Organização Vilaboense de Artes e Tradições; a produção da cidade “Patrimônio

da Humanidade” no Dossiê de Goiás e a escrita da memória de Cora Coralina, que

configura significados para o passado inscrito na textura material da cidade.

Palavras-chave: cidade, literatura, memória, patrimônio.

Abstract: In this article, I investigate the institution of Goiás as a historical and

touristic town, interweaving discoursives series that gives visibility and meanings

to the town by working the relations of urban space, time and the history: the

delimitation of the town as a cultural values through the incorporation of the

National Patrimony discourse; the invention of local traditions promoted by

Organização Vilaboense de Artes e Tradições; the production of the town

“Patrimony of Humanity” in the Dossier of Goiás and the writing of Cora

Coralina’s memory that takes the form of the past inscribed in the texture of the

town material.

Keywords: literature, memory, patrimony, town.

Em 2001, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência

e Cultura (Unesco) referendou, por unanimidade, a indicação do Conselho

Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos) para que o centro histórico

de Goiás recebesse o título de “Patrimônio da Humanidade”. Esse evento

coroou uma mobilização que iniciou em 1998, coordenada pelo Movimento

Pró-Cidade de Goiás – Patrimônio da Humanidade, e reuniu entidades da

cidade de Goiás, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

(Iphan) e os governos municipal e estadual.

Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 11, n. 23, p. 113-143, jan/jun 2005

114 Andréa Ferreira Delgado

Ao examinarmos esse episódio da história da memória, parece haver

consenso entre as instituições protagonistas do processo de invenção de

Goiás como uma cidade histórica e turística. O Iphan, órgão federal

responsável pela criação do Patrimônio Nacional, que atua nessa cidade

desde a década de 1950, está agindo em parceria com as entidades que se

organizaram em Goiás para produzir e gerir uma política cultural, cujas

diretorias são compostas por um conjunto de moradores que se

institucionalizaram como guardiães da memória da cidade ao criar a entidade

cultural pioneira, a Organização Vilaboense de Artes e Tradições (Ovat), na

década de 1960.

No entanto, para além das alianças, a pesquisa histórica configurada

neste artigo delineia principalmente os conflitos e as disputas que marcaram

o campo da memória na cidade de Goiás (Delgado, 2003).

A expressão “invenção da cidade” pretende chamar a atenção para o

trabalho de produção, gestão e imposição de determinada memória coletiva

que objetiva Goiás como testemunha da história e guardiã do patrimônio

nacional, merecedora, por isso, do título de “Patrimônio da Humanidade”.

Investigar a instituição de Goiás como cidade histórica é, portanto, indagar

acerca dos atores e das estratégias de “enquadramento da memória”, na

acepção de Michel Pollak (1989).

No processo de constituição de conteúdos para o passado, o

investimento para solidificar e dotar de duração e estabilidade uma

determinada memória para representar o conjunto da sociedade configura

operações de seleção, organização e uniformização da multiplicidade de

significados atribuídos ao passado. Nessa perspectiva teórica, a memória

coletiva é concebida enquanto coerção, como “imposição, uma forma

específica de violência simbólica” (Pollak, 1989, p. 3).

A declaração e classificação de algumas cidades como “históricas”

atribui territorialidade à história que as instituições dotadas do poder de

consagrar os símbolos nacionais querem perpetuar, engendrando “lugares da

memória”, como nos ensina Pierre Nora (1993, p. 18), onde a

...

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