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História Cultural e Historiografia: uma análise da trajetória de Robert Darnton a partir do seu lugar e de suas práticas

Por:   •  22/10/2018  •  Artigo  •  4.501 Palavras (19 Páginas)  •  180 Visualizações

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História Cultural e Historiografia: uma análise da trajetória de Robert Darnton a partir do seu lugar e de suas práticas.

Lucas Bagio Furtoso

O que é a História Cultural? Foi esta a pergunta que Peter Burke fez no título de um de seus livros[1]. Longe de nos fornecer uma resposta objetiva, porém, os estudos de historiadores como Burke, Lynn Hunt, Roger Chartier e Robert Darnton, entre muitos outros, instigaram reflexões e debates a respeito deste tema que, assim como qualquer adjetivação fornecida ao substantivo “história”, dificilmente pode ser encerrada em uma resposta única. Pensar a “História Cultural” enquanto uma unidade discursiva abre, já de início, duas outras questões fundamentais: o que é a história – questão esta que os historiadores tentam responder há tempos – e, claro, o que é cultura.

O presente trabalho pretende, então, apresentar os resultados da análise lançada sobre a trajetória desenvolvida pelo historiador americano Robert Darnton, a fim de compreender a formação de seu pensamento a respeito deste campo historiográfico, através das considerações de seu lugar social e de suas práticas enquanto profissional da História. O nome do americano foi escolhido ao longo da pesquisa, que, partindo do estudo do referencial teórico adotado (a saber, a ideia de Operação Historiográfica desenvolvida por Michel de Certeau, que será retomada mais a frente), enxergou nos nomes de Darnton e do francês Roger Chartier – no diálogo e nos embates entre eles – casos que poderiam ser estudados à luz dessa perspectiva. Esses dois nomes se mostraram apropriados, por um lado, em função da sua proximidade, tanto em termos de pesquisa, tendo em vista que os dois historiadores trabalham majoritariamente com o recorte temporal do século XVIII na França, quanto em termos de produção, já que ambos desenvolveram seus trabalhos em épocas similares – a partir da segunda metade do século XX, mais especificamente a década de 1970. Por outro lado, foi importante também na escolha uma certa distância entre os dois historiadores, no que diz respeito às suas colocações sobre a prática historiográfica e suas concepções teórico-metodológicas. É importante ressaltar, contudo, que esta suposta distância aqui apresentada não significa que os dois pensadores ocupem polos opostos nesta discussão, nem que seus pensamentos sejam antagônicos. Pelo contrário, em muitas questões suas posições convergem, e por diversas vezes seus debates resultaram em influências exercidas reciprocamente sobre o outro, contribuindo assim para o desenvolvimento da história cultural de forma mais ampla. Além disso, ambos foram protagonistas de um debate direto entre eles, debate este que tinha como foco as discussões a respeito das análises de vertente cultural, marcando assim um episódio dentro da historiografia da História Cultural, que se abre para nós como um objeto de pesquisa.

Para compreender melhor os problemas aqui levantados, no presente trabalho utilizamos a perspectiva desenvolvida por Michel de Certeau a respeito da operação historiográfica e do lugar do historiador. De acordo com Certeau, a operação historiográfica, ou seja, a prática realizada pelo historiador enquanto profissional, se constitui em uma relação de três partes: “um lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão etc.), procedimentos de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura)”[2]. Ou, de acordo com outros termos colocados por ele, um lugar social, uma prática e uma escrita.

        Partindo da ideia de que toda produção historiográfica é uma produção realizada por um indivíduo no seu presente, ou seja, é uma ação, realizada por um sujeito, de olhar para trás, no passado, na tentativa de estabelecer uma compreensão a respeito deste, Certeau coloca que esta produção se articula invariavelmente com o seu lugar socioeconômico, político e cultural. Assim, se enquadra em um sistema de referência, e, “sub-repticiamente”, também o determina. O lugar permite um tipo de produção e, ao mesmo tempo, proíbe outra. Este processo é intrínseco ao pensamento histórico, e, antes de este ser classificado então como uma estrita forma de subjetividade, tem também de seguir certas instituições que não estão apenas em controle do historiador. Estas instituições são classificadas por Certeau como o “estatuto de uma ciência”, ou então o seu não-dito social. Segundo ele, “é, pois, impossível analisar o discurso histórico independentemente da instituição em função da qual ele se organiza silenciosamente”[3].

        A validade de um estudo histórico é, assim, determinada pela sua recepção por parte do seu público alvo, que dentro da prática científica são seus “pares”. São eles que podem atestar o seu valor. Uma pesquisa ou obra de história está em constante relação com seus contemporâneos, com um “estado da questão”, na expressão utilizada por Certeau; com as estratégias (e também as táticas) e problemáticas exploradas por este grupo, formando uma rede onde todos os elementos individuais “dependem estritamente uns dos outros, e cuja combinação dinâmica forma a história num momento dado”[4]. Daí a importância de pensarmos a trajetória desenvolvida por cada historiador, a fim de melhor compreender a constituição de seus pensamentos e suas contribuições para a discussão a respeito de uma História Cultural.

        Além disso, Certeau postula que a história se desenvolve a partir de duas perspectivas: suas considerações internas, que dizem respeito à realidade histórica e aos fatos históricos; e sua articulação com uma “razão contemporânea”, ou seja, a relação da história com o desenvolvimento das outras áreas do conhecimento: a história se tornaria então um “lugar de ‘controle’ onde se exerce uma ‘função de falsificação’”[5]. Para Certeau, a história

intervém à maneira de uma experimentação crítica dos modelos sociológicos, econômicos, psicológicos ou culturais. Diz-se que utiliza um ‘instrumental emprestado’ (P. Villar). É verdade. Mais precisamente, testa esse instrumental através de sua transferência para terrenos diferentes, da mesma forma que se testa um carro esporte, fazendo-o funcionar em pistas de corrida, em velocidade e condições que excedam suas normas. [...] Nela podem ser evidenciados os limites de significabilidade relativos aos ‘modelos’ que são “experimentados”, um de cada vez, pela história, em campos estranhos ao de sua elaboração[6].

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