Ideologia E Trabalho No Estado Novo
Ensaios: Ideologia E Trabalho No Estado Novo. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: iza222 • 5/3/2015 • 9.558 Palavras (39 Páginas) • 335 Visualizações
Ideologia e Trabalho no Estado Novo
Ângela de Castro Gomes
Os anos 30 e 40 são verdadeiros e revolucionários no que diz respeito ao encaminhamento da questão do trabalho no Brasil. Nesse período, elabora-se toda a legislação que regulamenta o mercado de trabalho no país, bem como estrutura-se uma ideologia política de valorização do trabalho e de “reabilitação” do papel e do lugar do trabalhador nacional. A dinâmica entre os dois processos reforça-os mutuamente. No entanto, neste texto, estaremos mais atentos ao segundo, recorrendo ao primeiro apenas marginalmente .
Inicialmente, cumpre considerar que uma série de inovações vinha-se desenvolvendo no campo das idéias políticas e no que diz respeito à questão do trabalho , duas delas de particular interesse: as relações que se estabelecem entre trabalho e riqueza e entre trabalho e cidadania.
Durante muitos séculos, no Brasil e no mundo, a pobreza fora entendida como um fato inevitável e até útil, uma vez que consistia em estímulo ao trabalho. Os “pobres” tornavam-se operosos por força da necessidade, enquanto cabia aos “homens bons” a responsabilidade social por sua existência e pelo progresso da nação. O processo pelo qual a pobreza começa a ser identificada como incômoda e até perigosa, e portanto nem tão útil, é longo e associa-se ao desenvolvimento das relações capitalistas, fundamentalmente identificadas ao mercado de compra e venda da força de trabalho. No Brasil, tal processo acelera-se após a proclamação da República e mais particularmente após a I Guerra Mundial.
A República é um fato histórico muito especial, porque juntamente com a Abolição da escravatura, demarca provavelmente o momento de maior transformação social já vivido pelo país. Tal diagnóstico pode ser mais bem compreendido quando se observa que a Abolição encerra uma experiência de três séculos, na qual uma imensa população de trabalhadores – os escravos – era definida pela ausência de qualquer reconhecimento social e político. Se durante o Império o processo de State building estava em curso e teve amplo sucesso (com a manutenção da unidade territorial e a expansão do aparelho de Estado), o processo de nation building estava comprometido pela própria existência da escravidão. Só com a Guerra do Paraguai, a Abolição e a República – nas décadas que vão de 1870 a 1890 – que se pôde passar da construção do Estado para a construção da nação, enfrentando-se a questão-chave da extensão dos direitos da cidadania, quer fossem civis, políticos ou sociais.
É especialmente a partir desse período que uma série de reflexões de políticos e intelectuais começa a identificar as causas da pobreza e suas maléficas conseqüências para a “sociedade brasileira” em problemas econômicos e culturais de natureza estrutural. A pobreza passava a ser considerada um obstáculo para o desenvolvimento da nação e deixava de ser considerada inevitável, já que a ignorância desta “questão social” e o imobilismo do Estado começam a ser apontados como as razões de sua permanência. As avaliações tinham assim um ponto de chegada interessante, pois a forma de vencer tão contundente problema residia na maior intervenção do poder público.
O “abandono” do liberalismo, por conseguinte, vinha sendo fartamente exercitado ao longo da Primeira República, como ilustram os exemplos da política de valorização do café, da política imigratória e da política tarifária. Na verdade, o liberalismo do Estado brasileiro, desde o Império, sempre fora sensível às pressões dos interesses privados pelo aumento da capacidade regulamentadora do poder público. O que ocorria de novo nesses diagnósticos sobre as causas dos problemas do país era a demanda de novas esferas de intervenção do Estado que incluíssem áreas como educação, saúde e o mercado de trabalho. Neste último caso, tais reflexões objetivavam claramente o trabalho urbano, conturbado por agitações grevistas cada vez mais consideradas ameaçadoras, mas alcançavam também o trabalho rural, visto como desorganizado e completamente abandonado. A grande questão era não só organizar o mercado de trabalho, livrando-o de distúrbios, como fundamentalmente combater a pobreza que sintetizava – como numa síndrome que incluía a ignorância e a doença – todos os problemas nacionais.
Os anos 30 inauguraram-se sob esse legado, e as medidas que então se implementam são bem uma demonstração da intensidade e atualidade do problema que se enfrentava. É a partir desse momento, demarcado pela Revolução de 30, que podemos identificar de forma incisiva toda um política de ordenação do mercado de trabalho, materializada na legislação trabalhista, previdenciária, sindical e também na instituição da Justiça do Trabalho, é a partir daí que podemos igualmente detectar – em especial durante o Estado Novo (1937 – 45) – toda uma estratégia político-ideológica de combate à “pobreza”, que estaria centrada justamente na promoção do valor do trabalho. O meio por excelência de superação dos graves problemas sócio-econômicos do país, cujas causas mais profundas radicavam-se no abandono da população, seria justamente o de assegurar a essa população uma forma digna de vida. Promover o homem brasileiro, defender o desenvolvimento econômico e a paz social do país eram os objetivos que se unificavam em uma mesma e grande meta: transformar o homem em cidadão/trabalhador, responsável por sua riqueza individual e também pela riqueza do conjunto da nação.
O trabalho, desvinculado da situação de pobreza, seria o ideal do homem na aquisição de riqueza e cidadania. A aprovação e a implementação de direitos sócias estariam, desta forma, no cerne de uma ampla política de revalorização do trabalho caracterizada como dimensão essencial de revalorização do homem. O trabalho passaria a ser um direito e um dever; uma tarefa moral e ao mesmo tempo um ato de realização; uma obrigação para com a sociedade e o Estado, mas também uma necessidade para o próprio indivíduo encarado como cidadão. A complexidade dessa autêntica transformação de mentalidade – como os ideólogos do pós-30 a encaravam – talvez só possa ser razoavelmente dimensionada com o registro de que o Brasil foi uma sociedade escravista por quatro séculos, sendo o último país do mundo a realizar a abolição. Ou seja, a formulação liberal clássica que associa o ato de trabalhar com a riqueza e cidadania sempre estivera ausente do país e produzir uma identidade social e política para o trabalhador era um esforço muito grande.
É com esse pano de fundo que se deve atentar para as relações que se estabelecem
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