Ilê Aiyê: a saga do bloco negro no carnaval de Salvador
Por: ventura.vic • 13/7/2017 • Pesquisas Acadêmicas • 3.845 Palavras (16 Páginas) • 291 Visualizações
ILÊ AIYÊ: A SAGA DO BLOCO NEGRO NO CARNAVAL DE SALVADOR
Victória Regina Ventura Teles[1]
RESUMO
Este artigo busca analisar o bloco Ilê Aiyê e a sua importância para o povo negro de Salvador. Trazendo um recorte de tempo específico da década de 1970, estabelece-se uma sucinta discussão a respeito de questões como o racismo, a segregação espacial no carnaval de Salvador e o empoderamento da mulher negra através da estética, que são ligados diretamente ao tema. A principal fonte utilizada é documentário Ilê Aiyê - Do Axé Jitolú para o Mundo[2]. Como base teórica foram utilizados alguns textos dentre eles o de Mikhail Bakhtin acerca do carnaval na Idade Média, o de Luís Antônio Giron sobre a postura contraria de Gonçalves Dias a respeito do entrudo e também a obra de dissertação de Vânia Silva Oliveira sobre a dança nos blocos de carnaval.
PALAVRAS-CHAVE: Ilê Aiyê. Carnaval. Salvador.
INTRODUÇÃO
O carnaval inicia-se ainda na Idade Média, mas não em seu formato atualmente conhecido. De acordo com Claudiana Soerensen (2011)[3] o mesmo consistia em diferentes festividades que aconteciam ao longo do ano, normalmente em períodos que fossem precedentes a colheita, essas festas reunidas formavam até três meses de período carnavalesco. Sua etimologia é considerada por numerosos autores alemães da segunda metade do século XIX como alemã, onde Karne ou Karth, que significaria ‘lugar santo’ e val ou wal ‘morto’ ou ‘assasinado’; assim carnaval seria uma procissão pelos deuses mortos. Segundo Bakhtin[4] (1981) o carnaval era e é capaz de abolir as diferentes barreiras dando lugar ao extravasamento e assim a comportamentos que não eram considerados cabíveis a sociedade em momentos extra carnavalescos.
Foi trazido pelos portugueses para o Brasil através da tradição do entrudo, o qual reforça mais uma vez a teoria de “carnavalização” de Bakhtin, visto que no entrudo as pessoas atiravam umas nas outras de farinha e polvilho até água, café e urina. Pode-se perceber que essa não era uma atitude comum do dia a dia caracterizado por Pinto (2013) “[...] uma forma de explosão de sentimentos contidos durante o ano todo e com a possibilidade de liberá-los durante os três dias que antecediam a quaresma [...]”. Mas o entrudo deixou também suas marcas preconceituosas, que eram vistas no carnaval ainda no século XX, era possível verificar claramente o racismo, já que os escravos poderiam ser sujos por qualquer um, mas a elite não poderia ser suja por eles. Assim inicia-se uma luta contra o entrudo.
A partir desse momento de extinção surge o carnaval de rua com suas marchinhas e a posteriori os carnavais em grandes clubes das cidades, destinados as pessoas de classe alta. Nesse período também se criam os primeiros blocos de rua, que consistiam em grupos de amigos e conhecidos que se concentravam nas ruas, no chamado sábado de carnaval, a fim de dançar e se divertir ao som de bandas.
É em 1961 que, em Salvador na Bahia, surge o primeiro trio elétrico feito por Dodô e Osmar, uma dupla de amigos músicos, com apoio de uma fábrica de refrigerantes. A empresa concede um caminhão onde os dois amigos instalam aparelhos de som e leva os soteropolitanos a loucura. Esse evento marca a transição do carnaval de Salvador de simples bandas e desfile com carros alegóricos para grandes blocos com corda. Segundo Regina Ventura[5] :
“Estavam os cordões, passando aí tá (sic) todo mundo sentado vendo os blocos passar (sic). Daqui a pouco atrás da Rua Chile a gente ouviu uma música diferente, foi todo mundo atrás correndo e dançando. Foi o trio elétrico de Dodô e Osmar, tocando as músicas. Desceu (sic) a Praça da Sé e desceu (sic) pra Rua Chile, quando chegou na Praça Municipal aí o pau comeu (sic).”.
A partir de então começa a se difundir os blocos de trio e uma problemática: os blocos eram em sua maioria para pessoas ricas e brancas. No contexto vivido nos anos de 1970, com revolução Black Power estadunidenses surge o Ilê Aiyê com a proposta de revolucionar o carnaval baiano e inserir os marginalizados, negros e pobres, do carnaval de Salvador na festa. Esse bloco completamente diferente dos convencionais e dos considerados temáticos tais quais os de índio e os chamados afoxés chama atenção e divide opinião por onde ele passa. Dá-se então “[...] o processo de revalorização da expressão afro-carnavalesca. ” [6]
O PROCESSO DE CRIAÇÃO
Com base no documentário “Ilê Aiyê - Do Axé Jitolú para o Mundo”[7] antes de ser um bloco propriamente dito, o Ilê era um grupo de samba chamado de Zorra, formado por amigos que estudavam juntos e eram moradores do bairro da Liberdade em Salvador. O grupo não ficava apenas na área do entretenimento porque tinha um objetivo muito maior: combater o racismo e mostrar o valor do negro para os próprios, que também eram moradores do periférico bairro. É possível observar na fala de Vivaldo Benvindo:
O objetivo principal que me levou a fazer parte do Ilê Aiyê era o trabalho em cima da conscientização do negro em que ele se assumisse enquanto negro, o que era o primeiro momento foi fazer o negro se sentir como negro e como belo [...]
Todas as reuniões e eventos festivos aconteciam no barracão do Terreiro Ilê Axé Jitolú, situado no bairro da Liberdade; o qual tinha como ialorixá Mãe Hilda Jitolú. Ela era mãe de sangue de alguns dos jovens do grupo, a qual cedeu e solicitou a utilização do barracão pelo grupo. Dete Lima enfatiza esse ponto em sua fala “Antes do surgimento do Ilê, toda reunião nossa era no terreiro, porque minha mãe pra não deixar que nós saíssemos pra fazer festa na rua ela cedeu o barracão pra nós fizemos as festas.”
Depois de formado, o grupo parte com a ideia de formar um bloco de carnaval, visto que os blocos eram basicamente formados por brancos e o negro em sua maioria fazia o papel do prestador de serviço. Segundo Wilson Batista, no documentário Ilê Aiyê - Do Axé Jitolú para o Mundo, Vovô, um dos diretores do bloco, atualmente, ficava extremamente abalado ao ver “[...] nos blocos o negão (sic) empurrando a corda. [...]”. Dessa forma o bloco teria uma configuração completamente distinta: seria voltado única e exclusivamente para negros.
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