Resenha do Livro: Folga Negro, Branco Não vem Cá
Por: clevsonbarros • 13/10/2023 • Resenha • 1.609 Palavras (7 Páginas) • 72 Visualizações
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTES - ICHCA
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
- AVALIAÇÃO BIMESTRAL
- Docente: Danilo Luiz Marques
- Discente: Clevson Barros da Silva Filho
- Disciplina: História do Brasil II
- Data de entrega: 20/09/2023
- Resenha crítica do livro:
MARQUES, Danilo Luiz. Folga Negro, Branco Não Vem Cá: Histórias, Memórias e Culturas Quilombolas (Alagoas, século XIX). Curitiba: CRV, 2022. 138 p. (Coleção Histórias PPGH-UFAL).
A obra “Folga Negro, Branco Não Vem Cá: Histórias, Memórias e Culturas Quilombolas (Alagoas, século XIX)” de Danilo Luiz Marques, publicada em 2022 como parte da Coleção Histórias do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), destaca-se como um importante marco na revisão da historiografia brasileira do século XIX. O autor, com sólida formação acadêmica e uma dedicada trajetória de pesquisa em temas que abrangem a história do Brasil nesse período, a resistência escrava, gênero e escravidão, além da história e historiografia alagoana, apresenta um trabalho instigante que convida à reflexão crítica.
Desde os primeiros parágrafos da introdução, emerge a necessidade premente de reavaliar a maneira como a história vem sendo escrita ao longo do século XIX. O autor faz uma crítica incisiva às abordagens conservadoras que, ancoradas no racismo científico do século XIX, tendem a desistoricizar as instituições escravistas no Brasil, retratando-as como processos naturais e negligenciando a luta histórica da população africana e de seus descendentes.
Essas perspectivas também tendem a harmonizar as relações entre senhores de engenho e escravizados, como ilustraram os pesquisadores Gilberto Freyre e Alfredo Brandão. Entretanto, o autor aponta que Alfredo Brandão trouxe à luz, nas entrelinhas de seus estudos, um elemento singular da resistência contra a escravidão: a importância do Quilombo dos Palmares.
Essa discussão inicial é de suma importância para a proposta central do livro, que busca romper com a historiografia oficial, ao resgatar as lutas e contribuições dos povos de matrizes africanas para a história do Brasil, com ênfase na história dessas populações em Alagoas. Essa revisão histórica parte da análise minuciosa do Quilombo dos Palmares, desvelando mitos arraigados na sociedade e destacando estudos inacabados sobre esse episódio que se tornou um símbolo de resistência colonial dos escravizados e que, nas palavras do autor, “teve uma forte relação com a história da formação do território alagoano nos séculos XVIII e XIX”. (MARQUES, 2022, p.25).
É nesse contexto que pode-se compreender os processos da construção da historiografia oficial oitocentista em Alagoas e o papel desempenhado pelo Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano (antigo IAGA, atual IHGA) na perpetuação de uma memória que marginalizou os palmarinos. Através da publicação de revistas e artigos, o Instituto contribuiu para estigmatizar essas comunidades, reflexo do receio de que pudessem servir de inspiração para a formação de quilombos de igual proporção, o que configurava uma ameaça real às autoridades alagoanas.
O primeiro capítulo do livro oferece uma reinterpretação significativa da memória de Palmares, com especial ênfase na representação do quilombo como uma manifestação cultural. O autor conduz uma exploração da diáspora das culturas africanas em Alagoas, tanto no período da legalidade, quanto da ilegalidade, direcionando o olhar para os fragmentos frequentemente negligenciados das culturas bantas.
Nesse contexto, ele destaca diversas formas de expressão cultural como atos de resistência, conforme antecipado em sua introdução. O objetivo é direcionar a atenção do leitor para as experiências africanas na diáspora, por meio do resgate de memórias frequentemente negligenciadas, como parte do projeto eurocêntrico e hegemônico da historiografia brasileira oficial. Simultaneamente, Marques (2022, p. 62) também oferece uma visão abrangente das diversas etnias que se estabeleceram em Alagoas, ao mergulhar na tradição oral das culturas africanas, expressas em contos, fábulas, adivinhas, sátiras, etc.
Marques parte do pensamento de Alberto da Costa e Silva, ao instigar historiadores a compreender a influência dos hábitos e costumes provenientes das culturas africanas em nossa sociedade. Ele propõe estudos que conectam o tráfico transatlântico às diversas etnias africanas por meio de símbolos que exploram as ressignificações, incorporações e reinvenções das culturas e identidades no contexto do Novo Mundo, entendendo que nesse contexto histórico, “[...] as culturas negras adquiriram outras características e novas feições, com especificidades regionais e temporais”. (MARQUES, 2022, p. 49).
Tais símbolos expressam desde a saudade das terras de origem até os mecanismos de comunicação que eram utilizados para estabelecer redes de informações entre africanos escravizados. Essas estratégias de resistência e solidariedade contribuíram fortemente para o não desligamento de suas origens.
A abordagem panorâmica da diáspora africana, apresentada neste estudo, também enriquece nossa compreensão sobre como os valores culturais, estéticos, sociais, religiosos e políticos se entrelaçaram na intersecção entre diferentes regiões da África e do Brasil. Marques (2022, p. 40) enfatiza de maneira contundente, por exemplo, que a presença da África em Alagoas, desde meados do século XVI, está profundamente enraizada no tronco linguístico banto. Essa perspectiva é de suma importância para a compreensão das diversas influências africanas, fornecendo uma base sólida para a elaboração de uma historiografia que explore a riqueza da diversidade étnica e cultural.
Além disso, ela ilumina como esse passado africano se manifesta nas reinvenções do quotidiano, que carregam as profundas marcas da exploração e do genocídio. O autor salienta que muitas dessas reinvenções podem ser identificadas em quadras populares que fazem alusão aos povos bantos, ao explorar o “folclore negro” em Alagoas, bem como analisa a origem dessas “novas identidades”, a partir da relação de formação de elos culturais entre diferentes grupos.
O estudo traz dados importantíssimos para compreender as proporções do tráfico escravista interno entre regiões, que se dá após 1850, e como Alagoas foi protagonista do comércio interprovincial, sendo ponto chave do embarque e desembarque de africanos na segunda metade do século XIX, o que é fundamental para entender a complexidade de como as culturas africanas e de seus descendentes se fundiram em território alagoano, e como isso contribuiu para a formação do Quilombo dos Palmares.
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