A Transformação do espaço pedagógico em espaço clínico
Por: Heloisa Grandini • 11/6/2018 • Artigo • 1.749 Palavras (7 Páginas) • 551 Visualizações
RESUMO
Este artigo é parte de uma pesquisa que tem por objetivo apreender o que os professores, coordenadores e diretores das instituições de ensino compreendem acerca do processo crescente de medicalização da vida cotidiana e suas expressões contemporâneas no campo da educação escolar, buscando esclarecer e entender como o fenômenos do “não aprender” e “não se comportar na escola” acaba sendo apontado como sintomas de doenças e transtornos biopsicológicos por profissionais da educação. E assim, podendo a pontar algumas consequências geradas por esse fenômeno. Dentre as varias disfunções frequentemente associadas ao desempenho escolar das crianças na atualidade, podemos destacar o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade) e o TOD (Transtorno desafiador de oposição). As análises desenvolvidas ao longo do texto mostram que o entendimento da medicalização por parte dos docentes ainda não alcançou o desdobramento necessário, o que por sua vez, exige um trabalho intelectual crítico e o desenvolvimento de novos posicionamentos dos educadores e dos profissionais da saúde em relação à sociedade, à educação e ao desenvolvimento humano.
Palavras-chave: Psicologia escolar, fracasso escolar problemas de aprendizagem, medicalização e patologização.
ABSTRACT
This article is part of a research that aims to understand what the teachers, coordinators and directors of educational institutions understand about the growing process of medicalization of everyday life and its contemporary expressions in the field of school education, seeking to clarify and understand how the phenomena of "not learning" and "not behaving in school" ends up being pointed as symptoms of diseases and biopsychological disorders by education professionals, and thus, to point out some consequences generated by this phenomenon. Among the several dysfunctions frequently associated with the school performance of children today, we can highlight ADHD (Attention Deficit Hyperactivity Disorder) and TOD (Oppositional Defiant Disorder). The analyzes developed throughout the text show that the understanding of medicalization by the teachers has not yet reached the necessary deployment, which in turn requires critical intellectual work and the development of new positions of educators and health professionals in relation to society, education and human development
Key words: School psychology, school failure, learning problems, medicalization and pathologization.
INTRODUÇÃO
Para diversos pesquisadores do campo da educação, o fracasso escolar, referido às dificuldades de escolarização das crianças e adolescentes das classes baixas, apresentam sua origem na decadência do ensino das escolas públicas brasileiras, no desinteresse do Estado com a educação do povo, na falta de políticas públicas educacionais, e as políticas públicas existentes são autoritárias e desrespeitam professores e alunos, no preconceito que cerca o aluno pobre e sua família, em síntese, na reprodução no cotidiano da escola nos conflitos intrínsecos à sociedade de classes, por meio de realizações e relações escolares que geram as dificuldades de escolarização.
Partindo do pressuposto que a escola é compreendida como uma instituição social, que reproduz o conflito de classes da sociedade e, dessa maneira, a percepção das relações possíveis entre escola-sociedade é o cenário que permite uma outra compreensão do que acontece nas escolas públicas brasileiras. Tem-se como ponto de partida, uma postura crítica à educadores parecem desconhecer a realidade escolar e atribui a causa dos problemas de escolarização das crianças, adolescentes e suas famílias, justificando o fracasso escolar como consequência de doenças e transtornos biopsicológicos individuais.
Ao longo história das explicações do fracasso escolar tem expressado a relação entre a ideologia científica que explica o fenômeno e a filosofia dominante, a partir do qual só é possível obter sucesso os mais capazes e os mais aptos, atribuindo os alunos pobres e suas famílias, explicando deste modo a desigualdade social e desconsiderando os determinantes escolares e políticos das dificuldades de escolarização. Uma das explicações para o fracasso escolar, podemos destacar aquelas que atribuem patologias às crianças que não aprendem ou não se comportam conforme a expectativa da escola, isso é dizer, as explicações medicalizantes ou patologizantes.
Medicalização desenfreada relacionada ao fracasso escolar do aluno, acaba explicando que o desempenho escolar do mesmo contraria aquilo que a instituição espera dele, levando em consideração o comportamento ou de rendimento. Essa visão da medicalização do fracasso escolar se mantém hoje no cotidiano da escola e confere patologias às crianças e adolescentes das escolas publicas com dificuldades de escolarização, culpabilizando-as por suas próprias dificuldades.
REFERENCIAL TEÓRICO
Alguns profissionais como: psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, e outros, utilizaram o modelo médico, o que fez com que autores como Collares e Moysés a indicarem a troca do termo "medicalização" por um mais abrangente, "patologização" das dificuldades de escolarização.
Moysés apresenta duas versões principais da patologização das dificuldades de escolarização que permanecem até hoje: o fracasso escolar por consequência da desnutrição, o que é conferido mais frequentemente às crianças das classes baixas, e o fracasso escolar que se dá como resultado das disfunções neurológicas, tais como: distúrbios de aprendizagem, a hiperatividade, a disfunção cerebral mínima, a dislexia, entre outros.
Collares e Moysés apontam resultados de pesquisas que negam a relação de causalidade entre a desnutrição e o fracasso escolar, onde podem ser sintetizados em dois argumentos contrários se mostram contrárias a essa crença: as crianças que estão nas escolas públicas estão em estado de desnutrição leve, de primeiro grau, sem nenhuma alterações na sua capacidade de aprender, em contrapartida, a alfabetização é um processo que requer o uso das funções intelectuais superiores simples diante do potencial cognitivo do ser humano.
A partir dos "distúrbios de aprendizagem", Collares e Moysés demonstram que há um longo caminho de mitos, estórias que foram sendo criadas, os fatos reais se perderam ou foram omitidos naquilo que elas compreendem como a história real e não-contada dos "distúrbios de aprendizagem". Fazem objeção a existência desses ditos "distúrbios", isso se dá pela falta de comprovação científica, onde a elas argumentam que mesmo passado cem anos após terem sido aventados, por um oftalmologista inglês, em nada teve comprovação. Como essas tais doenças neurológicas nunca foram comprovadas, em virtude da inexistência de critérios para diagnósticos evidentes e precisos, assim como é exigido pela própria ciência neurológica, mantendo ideias vagas e demasiadamente abrangentes. A patologização exacerbada da educação traduz-se em um reducionismo biológico, na tentativa de explicar a situação e o destino de indivíduos e grupos por meio de suas características individuais, sendo assim, acaba escondendo os determinantes políticos e pedagógicos do que contribuem para o fracasso escolar, eximindo de responsabilidades a instituição escolar e o sistema social vigente. A decorrência dessa concepção, traz o indivíduo como o maior responsável por sua condição de vida e destino, já as circunstâncias políticas e sociais não teriam influência mínima.
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