Análise do conto “Passagem de ano entre dois jardins” de Modesto Carone
Por: laris77 • 6/5/2019 • Dissertação • 1.353 Palavras (6 Páginas) • 241 Visualizações
Análise do conto “Passagem de ano entre dois jardins” de Modesto Carone.
O conto a ser analisado foi publicado primeiramente na Folha de São Paulo em 1993, e se inicia de forma que se faz possível o estabelecimento de certas características estruturais, como por exemplo, a presença de um “Narrador-Protagonista” que narra a história em primeira pessoa e centraliza, tanto o ângulo de visão, como todas as ações da narrativa, encaixando-se assim na categoria apresentada por Friedman em seu artigo “O ponto de vista na ficção”. Essa forma também permite que o leitor tenha total acesso ao que a personagem sente ou pensa, porém, consequentemente perde a capacidade de se separar desse “filtro” que se torna o narrador, como pode ser visto no trecho abaixo:
“Volto pra casa sem saber o que faço e durmo com uma dor que se amplia na garganta”
Por manter a narrativa sempre ligada aos pensamentos da personagem, a subjetividade na narração torna o texto suscetível aos recursos relacionados à falta de sentido, traço constante em toda a obra do autor, como a frequente alternância de tempos, sempre entre o presente e o passado da personagem, numa estrutura baseada na acronia utilizando-se do que Genette chama de analepses que consistem no “recuo pela evocação de momentos anteriores” , como num flashback. No entanto, não é possível identificar quaisquer delimitações concretas entre esses dois tempos, fazendo com que o leitor se perca nas passagens entre o cronológico e o psicológico, principalmente pelo fato de o autor condicionar a narração, em ambos, aos verbos conjugados no presente do indicativo, visto que este “denotaria o ponto zero de orientação no mundo” , e assim, a partir dele se conduziria o tempo ao passado ou futuro na narração, o que não ocorre.
“A poucos passos mora a tia do meu colega de escola, estudamos na sala cheia de almofadas, ela é loira, tem quadris largos e costura para fora. À noite sonho que estou em cima da sua carne alva (...). Mas o sobrado diminuiu de tamanho e é possível que ela tenha ido para outra cidade, por isso caminho sem olhar para trás”
O fragmento acima exemplifica como o autor faz uso dos mecanismos gramaticais para fundir o passado ao presente. A referência espacial no começo do trecho tem como origem a posição física da personagem no tempo presente da narração, porém logo em seguida se inicia uma descrição vinculada ao passado (quando o narrador menciona o colega e seus sonhos de tempos anteriores), isso caracteriza, de acordo com Gerard Genette, uma narração “que só conhece um tempo único, o presente, e uma só linguagem, uma objetividade e uniforme. Isso pode ser um ato presente, aquilo uma recordação, isso ainda uma mentira…” , fator intensificado pela predominância de cenas nem sempre ligadas diretamente à personagem ao decorrer do texto analisado, esse aspecto pode ser explicado por Lukács em “Narrar ou Descrever” quando compara acontecimentos escritos por Tolstói e por Zola e diz que, diferentemente do russo, o francês os apresenta de forma que se transformem “aos olhos do leitor, em um quadro, ou melhor, em uma série de quadros” que só podemos observar.
Essa sequência ininterrupta de cenas sem uma ação centralizadora apenas reitera a falta de sentido que o conto apresenta, visto que assim apenas constrói uma visão superficial da vida humana, pois “só se descreve aquilo que se vê, (...) situações estáticas, imóveis, descrevem-se estados das almas dos homens ou estados de fato das coisas. Descrevem-se estados de espírito ou natureza mortas” , visto isso pode-se dizer que as descrições não relacionadas provocam um certo distanciamento do leitor quanto às ações por não ter a oportunidade de se aprofundar em qualquer uma delas e às confere a mesma importância, como pode ser visto na passagem a seguir:
“A primeira esquina à esquerda tem uma placa antiga e me aproximo da travessa esperando algum aviso. Ela está quase deserta e um clube de dança ocupa o velho terreno baldio; o em pé no meio das mamonas a prostituta franzina atrai os homens de chapéu debaixo do poste.”
Nele pode-se observar que todos os acontecimentos foram descritos de forma a atribuir um mesmo grau de relevância para o restante da narrativa, porém, logo em seguida o protagonista narra um evento igualmente autônomo - que como todos os outros, não se sabe se acontece no presente ou no passado do texto - com maiores detalhes, embora mantenha a mesma distância quanto a narração , o que abre margem a interpretações mais sutis sobre a real importância desse evento. O único ponto de convergência entre esse trecho e o restante do conto é a presença de uma árvore: o conto se inicia com a cena do reencontro entre ela e o protagonista e acaba da mesma forma, após a personagem ter feito uma rápida peregrinação - espacial ou psicológica - pelas ruas de sua infância. Não é, portanto, inconcebível a analogia entre ele e o menino entre os galhos da mangueira se for levado em consideração o fato de que no início do texto, após subir na árvore ele afirma “Não ouço mais os gritos”, estes que poderiam ser de seus pais pedindo para que descesse antes de ser
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