O Baú Literário
Por: Ana Degani • 20/6/2021 • Projeto de pesquisa • 2.185 Palavras (9 Páginas) • 119 Visualizações
[pic 1]
PROJETO BAÚ LITERÁRIO
Justificativa (razões que explicam a realização do trabalho e o contexto para qual ele se destina):
A Ação Comunitária do Brasil do Rio de Janeiro (ACB/RJ) é atualmente a única organização civil presente em Cidade Alta, conjunto habitacional popular da zona norte do Rio de Janeiro, com uma população estimada em 25.000 pessoas. Atendendo a jovens, mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade social, a instituição está sediada também no Complexo de Favelas da Maré, que abrange 16 comunidades e reúne estimadamente 150.000 moradores.
Com índices de desenvolvimento humano dentre os mais baixos da cidade, estas localidades vêm figurando, há pelo menos duas décadas, na imprensa nacional e internacional, como territórios de acentuada miséria e de acirramento da violência, onde o narcotráfico pôde se estabelecer em função da ausência continuada do Estado. São constantes, nos dois territórios, os confrontos violentos entre as diferentes facções criminosas e entre estas e a polícia. Os moradores, com acesso já incipiente aos serviços sociais básicos, têm frequentemente restringido o seu direito de ir e vir.
O tráfico de drogas tem exercido grande influência sobre a percepção da favela pela sociedade, pela mídia e pelo Estado. Se a presença da criminalidade tem relação histórica com a exploração do trabalho de migrantes e afrodescendentes e com a ocupação desigual do espaço urbano, ela interfere perversamente na trajetória de seus moradores mais jovens.
Em função da baixa escolaridade, da dificuldade para acessar informações, construir conhecimentos e ocupar postos de trabalho dignos, o jovem morador tem no crime uma opção imediata de geração de renda e, ingenuamente, de ascensão a uma posição de “respeito” e de “admiração” em sua comunidade.
Segundo estudos realizados, o maior percentual de vítimas de homicídios no Brasil é concentrado entre jovens negros do sexo masculino. Em 2000, a taxa de homicídios foi 87% maior entre negros do que entre brancos. No quesito idade, a questão torna-se ainda mais dramática, uma vez que as taxas de homicídio começam a aparecer na faixa dos 10 anos, atingindo seu ápice entre 19 e 25 anos. Porém, é necessário ressaltar que o aumento desse índice acelera consideravelmente a partir dos 14 anos.
Por outro lado, o jovem proveniente de áreas de baixo IDH que optar pelo caminho da qualificação e da inserção social através do trabalho deverá superar o estigma que caracteriza moradores de sua comunidade como criminosos, violentos, relaxados e ignorantes. Seus esforços deverão ser superiores aos de um chamado “morador do asfalto” no sentido de atingir geração de renda digna e melhores condições de vida.
O analfabetismo na região de Cidade Alta é de 10,27% e no Complexo da Maré, de 9,86%. Além disto, as taxas de analfabetismo funcional são elevadas - 39,9% em Cidade Alta e 41,79% na Maré –, fatores que interferem decisivamente nas oportunidades de trabalho justo (nestas áreas, a renda média de um trabalhador é de 1,63 e 2,28 salários-mínimos, respectivamente). Dentro de sua expertise – a qualificação profissional -, a ACB/RJ vinha comprovando a interferência do analfabetismo funcional na assimilação de conteúdos técnicos e no desenvolvimento pessoal de seus educandos. Deste modo, direcionou esforços para a geração de um programa que tivesse o foco na formação de leitores (capazes de interpretar um texto impresso, mas também a sociedade em que se inserem).
Presente há mais de 37 anos nas referidas localidades, a ACB/RJ constata, diariamente, em sua prática, que a conquista da autonomia e a efetiva inserção social dos moradores dependem muito fortemente da complementação da escolaridade e do incentivo à prática leitora. O Projeto Baú Literário surgiu em 2003, durante a implementação da formação integral em todos os cursos de qualificação profissional da instituição, dinamizando as oficinas técnicas com módulos de competências básicas (língua portuguesa e matemática), incentivo à leitura, inclusão digital, empreendedorismo e cidadania. É significativo o aumento dos índices de inserção profissional e social dos educandos, a partir desta iniciativa.
O Baú Literário nasce, deste modo, da certeza de que a conquista da autonomia passa obrigatoriamente pela capacidade do sujeito de constituir-se como leitor. As atividades vieram fortalecer a parceria com as escolas da rede pública, preenchendo uma lacuna ao promover a iniciação de crianças e adolescentes no contato prazeroso com os livros.
O projeto foi impulsionado pela construção de duas bibliotecas comunitárias infantojuvenis, financiadas pela Fundação Vitae (2003) e pelo Programa Fundo Canadá de Apoio a Iniciativas Locais (2007), nas sedes da ACB/RJ, nas comunidades supracitadas. Entre 2004 e 2008, a iniciativa beneficiou diretamente 11.869 crianças e adolescentes com atividades de incentivo à leitura.
Os livros que constituem os acervos das bibliotecas passaram pelo crivo apuradíssimo de seleção da assessoria pedagógica do Programa de Leitura da UERJ[1], que prestou consultoria ao projeto, elegendo cuidadosamente cada exemplar. Dessa forma, aqueles são constituídos por livros de fábulas, contos de encantamento, lendas, mitos, jornais, quadrinhos, contos populares, como também diversas linguagens - fotografia, livros de imagens, músicas, vídeos etc. – valorizando o universo infantil e contribuindo para a criação de novos e significativos conhecimentos.
Além disso, o modo como foram construídos tais espaços viabiliza que o sujeito possa estar em contato com variadas formas de expressão, estimulando-o não somente à prática da leitura, como também à prática da escrita e da representação. Com esses materiais disponíveis, é possível desenvolver a capacidade investigativa dessas crianças a partir do contato com a leitura, apresentando conteúdos novos, estimulando o aprendizado de forma prazerosa e interativa e, ao mesmo tempo, criando espaços de convivência em que a troca de saberes fortalece a autoestima, o desejo de conhecer, de aprender e interagir, incitando a criança a desfrutar de novas e significativas experiências, vivências e conhecimento de mundo.
Investir em educação é condição primária para um projeto sólido de desenvolvimento socioeconômico nacional. Priorizar uma educação de qualidade obrigatoriamente passa pelo investimento na formação de leitores. Os resultados positivos desse investimento são potencializados quanto mais ele é localizado nos degraus iniciais da idade escolar. Este é o marco zero da formação de cidadãos ativos e críticos, capazes de protagonizar todas as etapas de sua existência, contribuindo para uma sociedade mais justa e solidária.
...