Resenha sobre o livro: A Língua de Eulália
Por: Vinícios Leite • 19/6/2018 • Resenha • 2.015 Palavras (9 Páginas) • 429 Visualizações
BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: Novela sociolinguística. 16. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
Vinícios José Leite Santos [1]
Marcos Bagno é doutor em filologia, escritor, professor, linguísta, e o maior defensor das variedades brasileiras. O linguísta autor vai propor o estudo e a valorização da verdadeira língua falada pelo povo brasileiro, e não de uma língua cristalizada repleta de fósseis linguísticos. A obra foi publica em meio à emergência de introduzir nas escolas o método sociolinguístico, a fim de orientar os educandos, ao adequamento linguístico. E a cima de tudo da redução do preconceito linguístico e social.
A língua de Eulália tem sua primeira publicação em 1997, escrita em 219 páginas, com a divisão de vinte e um capítulos, que discorreram o enredo da narrativa. Inserem-se aqui mais dois capítulos: um que tratará da importância da obra para a educação brasileira e outro com sugestões de leitura. Passa-se em um ambiente natural e descontraído, tem como espaço físico um sítio, na cidade de Atibaia, interior de São Paulo.
Na apreciação da obra temos no primeiro capítulo a chagada das estudantes Vera (de Letras) que é sobrinha da anfitriã, Sílvia (de psicologia) e Emília (de pedagogia), no sítio de Irene, linguísta e professora aposentada. No segundo capítulo, temos o momento que se começa a comentar sobre a variedade de Eulália, antiga empregada, hoje moradora do sítio.
Após o almoço em uma volta pela chácara, têm-se início a significação das variedades padrão (a normatização, uma abstração, o modelo ideal, o cânone) e não-padrão (classifica-se aqui a língua falada, a heterogeneidade, as diferenças, as variações linguísticas) a partir do “linguajar engraçado” de Eulália, ao falar: os probrema, os fósfro e môio ingrês.
No capítulo três começam-se as aulas de verão para as meninas no sítio da antiga professora. O primeiro tópico de estudo é o mito da língua única, no Brasil não fala-se apenas o português, existem aí dezenas de outras línguas (como as línguas indígenas, das comunidades linguísticas estrangeiras) além destas, temos as variações do português brasileiro, as variações são as diferenças fonéticas, lexicais, semânticas e de uso.
As variedades, as diferenças, vão ocorrer: em gênero, faixa etária, nos níveis de instrução, nas comunidades urbanas, rurais e nas classes socioeconômicas. Toda língua muda no espaço e no tempo, são as variações diatópicas e diacrônicas. Irene monta um quadro e apresenta as características gerais: A norma-padrão é artificial, adquirida, aprendida, redundante, conservadora, moldada pela tradição escrita, prestigiada, oficial, tendências refreadas e falada pelas classes dominantes. E a não-padrão é natural, transmitida, apreendida, funcional, inovadora, moldada na tradição oral, estigmatizada, marginal, caracterizadas pelas tendências livres e falada pelas classes dominadas.
No capítulo quatro as meninas trabalharam um fenômeno chamado rotacismo, que consiste na troca do L pelo R, tomando como exemplo Eulália que diz: pranta e Cráudia. Isso não será nada mais que conservação de um português antigo.
No capítulo cinco que o PNP é enxuto, ou seja, não é redundante, vejamos: as graça dá meia volta, PNP, as garças dão meio volta, PP; No português não padrão o plural já esta marcado no artigo, ficando desnessário a repetição no restante da frase.
No capítulo seis o tópico de estudo é um fenômeno linguístico chamado yeísmo, que consiste na transformação de LH em I, devido a um processo chamado assimilação, que consiste em tornar os sons semelhantes no local de articulação (local de produção do som), ex. trabalho > trabaio; telha> têia. Neste capítulo temos também uma reflexão sobre a prática de ensino, mostra que quando chega-se na escola tenta-se dar ao aluno algo que ele não tem, um língua.
No capítulo sete teremos novamente o enxugamento, segundo Irene, dessa vez referente aos verbos. No PP brasileiro há a conservação do latim da conjugação das pessoas verbais. Irene vai colocar que já houve a redução faz tempo, e não conjugamos mais as seis pessoas, e apenas duas; Ex: PP (06) AMO/ AMAS/ AMA/ AMAMOS/ AMAIS/ AMAM; PNP (02) AMO/ AMA.
No capítulo oito volta-se ao processo redução, assimilação, é a pronunciação dos verbos no gerúndio com a terminação – no no lugar da terminação – ndo, ex: quando> quano. Esse fenômeno acontece também em Portugal e em achados escritos do séc. XVI.
No capítulo nove Irene traz a reflexão de língua oral, que é mais dinâmica, rápida e envolvente, do que a língua escrita, que é cristalizada e estática. Para isso ela diz: A língua voa, a mão se arrasta. No estudo dos ditongos, o autor, Bagno, diz que o OU deixou de existir, e houve a substituição por O, ex: pouco> pôco; o OU vem do latim AU, transformou-se em decorrência de aproximar as duas vogais.
No capítulo dez trabalha-se a monotongação, a redução de EI em E, ex: peixe> pêxe. Traz ainda que as semivogais ou semiconsoantes só são produzidas com a ajuda de outros sons.
O capítulo onze trará uma reflexão do E e do O quando pretônica, ou seja, quando vem antes da sílaba mais forte. Há aqui a harmonização vocálica “as vogais I e U são as mais altas [...]. Quando elas estão presentes na sílaba tônica, elas “puxam para cima” as vogais pretônicas E e O, fechando [...], para criar um som único” (p. 99).
No capítulo doze, teremos a contração das proparoxítonas em paroxítonas, característica marcante do PNP, exemplo: árvore> arvre; fósforo> fósfro. Irene mostra um quadro para mostrar o mesmo fenômeno na história da língua portuguesa, ex: Spéculu> espelho; Ínsula> ilha; Tégula> telha.
No capítulo treze, a discussão começa no café da manhã, e o assunto será a desnasalização das vogais postônicas. Observados as evoluções latim> português: abdomem>abdome, nomen>nome, volumem>volume. Atualmente: ontem>onte, homem>home, garagem>garage. Perdeu-se nos substantivos por uma questão de evolução e eliminação da nasalidade das postônicas.
No capítulo catorze, a professora apresenta a suas alunas alguns versos de Camões, para provar os arcadismos, ou seja, a conservação de palavras lusitanas da época até a contemporaneidade, e que hoje são tratados como erros, equívocos. Ex: “Vinham as claras águas ajuntar-se”. O a seguindo o verbo, muito presente nos falares rurais, descontraídos e informais, é ancestral de ad (em latim) que correspondia à preposição. Provando que a português é antes de tudo um conservador.
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