A CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO PELO MST
Por: Claudia Sotti • 18/3/2019 • Trabalho acadêmico • 4.715 Palavras (19 Páginas) • 118 Visualizações
A CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO PELO MST
FRANÇA, Jane Gaio
RU838052
FIOREZZE, Denise
RESUMO
- INTRODUÇÃO
O presente trabalho teve como objetivo analisar historicamente as propostas de Educação do Campo formuladas pelos movimentos sociais e pelo Estado. Educação do Campo é uma denominação recente, das últimas décadas do século XX, para designar as práticas educativas destinadas à população que vive no campo. Aqui buscamos investigar como a Educação do Campo foi construída pelos movimentos sociais e foi sendo problematizada, teorizada e tornou-se um objeto especifico da luta dos povos do campo. De outra parte, essas experiências produziram um contexto de enfrentamento com o Estado, de reivindicações por uma educação de qualidade para essa população. O Estado, por sua vez, precisou tomar posição sobre essa questão: apropriou-se do debate a assumiu a Educação do Campo, passando a contar com legislação específica e fazendo parte de programas institucionais e políticas públicas para a educação. Esta pesquisa pretende-se verificar de que forma se estabeleceram historicamente as relações entre as propostas de educação do campo construídas pelos movimentos sociais e pelo Estado.
Para o MST, o debate relativo a uma educação diferenciada trouxe a necessidade de discutir um tipo de escola que desse conta das especificidades que compõe a realidade dos excluídos do campo. Foi necessário construir possibilidades para aqueles que querem permanecer vivendo no seu espaço com dignidade e criando seus filhos com qualidade, sem que esses precisem se deslocar longas distâncias para frequentar escolas da cidade, cujo enfoque do ensino está desconectado da vivência cotidiana no campo. Nesse sentido, a própria formação do MST (constituição de acampamentos e assentamentos) com famílias organizando-se para viver nesse espaço, colocou para o Movimento e seus integrantes a urgência de organizar um formato de educação e de escola que estivesse imerso nessa realidade e acompanhasse os constantes deslocamentos dos acampamentos. Da mesma forma, os primeiros assentamentos trouxeram a preocupação de que era preciso garantir a fixação e permanência das famílias nos lotes. Para isso, fez-se necessário a existência de uma escola não apenas localizada no assentamento, mas que se mantivesse ligada à essa realidade e à questão da terra.
Sendo assim, a Educação do Campo surgiu como contraponto ao sistema de ensino oficial brasileiro, criticando políticas e práticas excludentes, com o objetivo de construir alternativas e transformações sociais. Desta forma, segundo Roseli Caldart, a Educação do Campo “luta por uma concepção de educação (e de campo)” (CALDART, 2009). Tem na sua origem o protagonismo dos movimentos sociais como elemento diferencial na construção de uma concepção de educação emancipatória e que busca o vínculo entre educação e os demais pilares que compõem a formação humana: o trabalho, a produção, a cultura, os valores éticos, a política.
Desta forma, os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa partiram de uma revisão bibliográfica que permitiram uma contextualização histórica sobre o MST, a Educação do Campo e sua relação com o Estado. No caso desta pesquisa, procedemos somente uma análise restrita aos documentos das propostas educacionais elaboradas pelo MST, da legislação e das políticas públicas elaboradas pelo Estado. Em seguida analisamos especificamente como se organizou a relação entre movimento social e o Estado, no que tange à Educação do campo.
- O SURGIMENTO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO PELO MST
2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Organizado na década de 1980 por agricultores vítimas do êxodo rural, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) buscava pressionar o Estado a resolver o problema da terra, através da Reforma Agrária, em momentos anteriores já reivindicado nas lutas camponesas. As formas de pressão empreendidas pelo Movimento, que se configuram em luta, vão desde a as marchas e atos públicos até a ocupação de terras improdutivas onde são organizados acampamentos itinerantes. Nestes, os integrantes passam a morar e a construir na prática e coletivamente uma nova perspectiva de sociedade. As experiências acumuladas nessa trajetória que incluem muitas conquistas e derrotas conseguiram desenvolver na prática a proposta de assentamentos rurais. As formas de organização e a dimensão que sua força política adquiriu ao longo de mais de 25 anos são as características marcantes desse Movimento que se tornou referência internacional.
Podemos considerar como espaços identitários do MST o acampamento e o assentamento. É, primordialmente, nesses dois espaços que acontecem os processos formativos do movimento. É no assentamento que os sem terra vão concretizar a sua condição de sujeitos de direitos aos meios necessários à sobrevivência digna e buscar vias para realizar uma produção alternativa, que promova ganhos sociais e econômicos.
(...) o MST nasceu das lutas concretas pelas conquista da terra, que os trabalhadores rurais foram desenvolvendo de forma isolada na região Sul, num momento em que aumentava a concentração de terras e ampliava a expulsão dos pobres da área rural, devido a modernização da agricultura e a crise do processo de colonização implementado pelo regime militar. (...) o movimento assegura que tem por objetivo a luta pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que devera se dar a partir da implementação da reforma agrária feita sob o controle dos trabalhadores( Bezerra Neto, 1999, p.11).
No acampamento, por sua vez, encontra-se o momento de iniciar e fortalecer a formação política dos integrantes do movimento. Este processo é tão importante que pode ser considerado um dos fatores que comprometem significativamente a viabilidade do espaço assentamento. Para que as construções de alternativas ao sistema produtivo capitalista aconteçam (e sua concretização sejam bem sucedidas) necessitam, em grande medida, da tomada de consciência da condição de exploração a que estão submetidos, somada à organização efetiva dos trabalhadores do campo – aprendizagens vivenciadas enquanto acampados.
(...) lutar por uma sociedade mais justa e fraterna significa que os trabalhadores e trabalhadoras sem terra apoiam e se envolvem nas iniciativas que buscam solucionar os graves problemas estruturais do nosso país, como a desigualdade e de renda, a discriminação de etnia e gênero, a concentração da comunicação, a exploração do trabalhador urbano etc. (
É no cotidiano dos acampamentos, nos enfrentamentos com órgãos do governo, com as forças policiais (sempre prontos a defender a propriedade privada burguesa), nos debates com a sociedade, na convivência coletiva, na organização de cooperativas que tentam contrapor o modelo capitalista de produção, que surgem aprendizagens e reflexões construtoras de conhecimentos a partir dos quais se busca superar as limitações existentes.
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