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A Inesperada Virtude da Ignorância

Por:   •  3/10/2017  •  Resenha  •  1.376 Palavras (6 Páginas)  •  255 Visualizações

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Birdman: uma análise

Em Birdman - A Inesperada Virtude da Ignorância, o mexicano Alejandro González Iñarritu aparentemente apenas coloca o dedo na ferida em muitos lugares comuns da indústria do entretenimento, nos levando – literalmente – aos bastidores de Hollywood e da Broadway. Bastidores estes, que possuem força imagética grandiosa nos labirintos em que se entrecruza o enredo. De background, temos, além da metalinguagem adorada pelo Oscar, um ator que outrora fez sucesso em filmes de herói, Riggan Thomson (magistralmente – e autobiograficamente? - entregue por Michael Keaton, o Batman de Tim Burton), tentando emplacar no teatro.

Voltando aos bastidores, aí encontra-se o substrato artístico mais puro do filme: os interiores dos personagens, seus caminhos, relações e desejos. Vemos que Iñarritu não perdeu a mão e sabe o que está nos entregando: todos os elementos contidos possuem uma razão de ser simbólica. Remetendo a alguns conceitos da teoria do sociólogo Erving Goffman, a vida, em Birdman, se dá nos bastidores. O ritmo claustrofóbico da montagem, a trilha da bateria crua, e os planos infinitos sempre acompanhando um personagem vão nos levando cada vez mais para aqueles sujeitos caóticos, no qual encontram no palco uma válvula de escape, para tudo o que está sendo vivenciado, verdadeiramente, nos bastidores. Se a analogia basta, a vida relacional sem as máscaras está nos bastidores, mas se estes bastidores, na vida cotidiana, são o palco para representarmos o nosso eu, quanta representação vivenciam os atores – em todas as esferas? Onde é/há o espaço para as “beiradas do eu” aparecerem? Quantas representações de representações aparecem? A lógica  parece inverter-se, onde o espaço potencial aparece muitas vezes no palco, principalmente pelo personagem Mike. Acreditamos que a função deste personagem no longa seja a de personificar o teatro (com palco e bastidores) e sua relevância no jogo que a trama se insere: sua personalidade com traços antissociais, narcisistas, encontra transcendência completa apenas quando em cena: o espaço potencial, onde há o viver criativo e a emergência egóica. Os entraves egóicos entre seu personagem e o de Keaton ilustram perfeitamente esta discrepância entre os desejos do eu e suas realizações: Mike possui reconhecimento artístico, um pouco mais de juventude e uma coragem/liberdade ao doar totalmente seu self nas atuações, tudo o que Riggan busca em looping nos bastidores da modernidade proposta por Iñarruti (voltaremos a este ponto, posteriormente).

Atendo-nos ao protagonista, Riggan Thomson aparece pela primeira vez agindo de forma peculiar com seu ambiente. A levitação, o manipular objetos com a “mente” e sua certeza de poder inferir sobre eventos ocorridos aleatoriamente, poderia nos remeter a uma fantasia de onipotência e controle mágico, em Winnicott, no qual o bebê acredita que os objetos são “criados” por si a partir de suas necessidades e para sua satisfação. Para Riggan, o mundo em seu camarin é preenchido por estes fenômenos subjetivos em seus diálogos com “Birdman”. Vez ou outra, a realidade objetivamente percebida se faz presente no seu sagrado camarim, seja com uma chamada do Skype para tratar de amenidades com a filha, ou reminiscências do passado e atitudes comentadas pela sua ex esposa. No entanto, as fantasias de Riggan, seu processo esquizofrenizante (se levarmos para uma interpretação de cunho psicopatológico mais cru, e não tanto de vieses livres pela arte) traduzem o seu dilema/busca pela identidade. Daí a necessidade de emergência do verdadeiro self: Riggan identificado com o seu antigo personagem, Birdman, livre da dependência externa que apresenta através de suas relações deficientes, porém glorioso sob o olhar do outro. Esse verdadeiro self sofre inúmeros abalos ao decorrer da trama, seja na relação com a filha, com Mike, com a ex-mulher, e até mesmo em alguns momentos com a figura de Birdman: seus erros, negligências, fracassos, são denunciados e sua defesa se dá pelas fantasias de onipotência, sob a ordem do falso self.

Os desejos vão sempre ao encontro do self verdadeiro do ator e têm um propósito maior: ser querido e amado. Ser visto. Reconhecido pelo seu trabalho, no qual investe seu viver criativo, logo, trazendo à tona seu ego. Este ponto fica evidente nas diversas vezes em que a peça é encenada no decorrer do filme: sempre culminando num clímax em que o personagem de Keaton na peça expõe seu fracasso por não ter sido amado, por não ter sido o que sua mulher fictícia queria que ele fosse. Em certo ponto, encaminhando-se para o final do filme, palco e bastidores se integram, a partir do que Winnicott postularia estar mais a serviço da normalidade: o falso self procura maneiras do verdadeiro self emergir, através do suicídio, aniquilando o self total. Esta autodestruição proporciona que a existência não se prorrogue, visto que sua função é a proteção do verdadeiro self contra insultos. Na última encenação apresentada, a estreia tão aguardada, com a casa lotada e presença da crítica, Riggan atira em si mesmo. Após um momento de calmaria em seu camarim, onde Birdman não estava presente, e sua identidade tornou-se nublada. Atira em si mesmo no palco, numa fusão de todos os ambientes e protegendo o verdadeiro self. 

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