A Promessa, Saúde Mental e Eficácia Simbólica
Por: hfs180582 • 24/10/2017 • Seminário • 2.627 Palavras (11 Páginas) • 299 Visualizações
III SEMINÁRIO INTERNACIONAL – “SOCIEDADE, CULTURA E SAÚDE MENTAL.
Hellen Fonseca de Sousa da Costa Vale
Promessa, Saúde Mental e Eficácia Simbólica
Questões relacionadas à promessa fazem parte do universo humano desde tempos remotos. A Bíblia Sagrada, um dos livros atuais mais antigos do mundo, relata que a promessa feita por Deus ao povo de Israel sustentou o destino desse povo por cerca de 430 anos. Assim, Deus levantou Moisés como líder que libertaria o povo da servidão do Egito e o conduziria por quarenta anos de sofrimento, do deserto à terra prometida. (BIBLÍA, Êxodo,12: 40-41).
De um sentido macro a um sentido micro, a promessa faz parte de nossa vida e do nosso pertencimento à civilização, assim como faz parte das nossas relações mais íntimas e corriqueiras. Entendemos com Strauss (1908/1982), Freud (1923/2012) e Nietzsche (2002) que a promessa monta as culturas, os ideais humanos, as religiões e perpassa nossas relações diárias desde o nascimento. Ela está em íntima ligação com os escritos bíblicos, assim como está presente particularmente no caminhar de cada um.
Se pensarmos no contexto psicoterápico, pode-se dizer, assim como Freud, que prometer é condição sine qua non para o estabelecimento de uma vinculação de sucesso. Para Freud o tratamento só pode se realizar se o contrato for estabelecido e aceito em ato. Mas, explicita que não se trata de um contrato qualquer,
[...] fazemos um pacto um com o outro. O Eu enfermo nos PROMETE a mais absoluta sinceridade, isto é, PROMETE colocar à nossa disposição todo o material que a sua autopercepção lhe fornece; garantimos ao paciente a mais estrita discrição e colocamos a seu serviço a nossa experiência em interpretar material influenciado pelo inconsciente. [...] esse pacto constitui a situação analítica. (FREUD 1938/1940, P.188)
O Pai da Psicanálise, dava extrema importância ao ato de prometer. Outro exemplo disso, é quando ele anuncia a regra da associação livre, uma fala de Freud (1938/1940, p.188) que vale per se: “Fazemo-lo comprometer-se a obedecer a regra fundamental da análise, que dali em diante deverá dirigir o seu comportamento para conosco”.
“Fazemo-lo comprometer-se” a obedecer às regras, ou seja, mesmo que o paciente venha desobedecer às regras, há uma promessa que continua vigente. A promessa vai além do cumprimento das normas contratuais. Ela sustenta o processo mesmo no caso de desvios. Tal fato fica explícito nos relatos de Freud (1909) sobre o tratamento de seu paciente Ernst Lanzer. Na obra, Freud relata que o paciente tenta se furtar a associar livremente, quando resiste falar sobre o fato da tortura anal. Mesmo com a tentativa do paciente de desvirtuar o que havia sido acordado previamente, Lanzer direcionado por Freud, não cede às exigências da resistência, mantém a sua promessa e se permite contar seu segredo, Miranda (2001).
A promessa é o esteio do dever ser e dos ideais. Ela sustenta o futuro através de atos no presente. Um belo exemplo disso são as renúncias feitas por pessoas que estão engajadas em alguma religião, ao renunciarem prazeres da carne no aqui e agora em prol de ganhos futuros para o espírito.
As promessas estão na cultura e servem de sustentação para o contrato social. Isso só acontece por que elas são maiores do que as interdições, Strauss (1908/1982). Neste sentido, o objetivo deste texto é reiterar a importância que a promessa carrega para a saúde mental na clínica psicológica. Acreditamos que ela é um ato efetivo que deveria ser privilegiado no fazer dos clínicos.
Aqui, faz-se necessária a distinção entre a substantivação da palavra promessa e a ação que o verbo prometer contém em si. O substantivo promessa implica uma substantivação e a não necessidade de um “Eu proferi-lo” para que possa se efetivar como tal. Fica somente no plano gramatical e não pode ser tido como um ato performativo. Já o verbo prometer implica em sua etimologia a afirmação verbal ou por escrita de uma pessoa social. Saímos da ordem da substantivação e vamos para a ordem da ação performática.
O prometer já estava engajado nas curas praticadas antes mesmo da existência de teorias científicas. Mesmo hoje, religiosos prometem algo que nenhuma teoria científica pode prometer, a vida após a morte, o milagre, a salvação. Tais promessas tem como resposta a esperança. Assim como os religiosos, nós clínicos não podemos de forma alguma tirar a esperança daqueles que nos procuram. Sabemos que o suicídio é a grande resposta à falência da esperança. Perde-se a esperança, as sublimações são desconstruídas e o desespero se instala. A promessa mútua, aqui entendida como um compromisso, pode manter acesa a última fagulha de esperança.
Vemos atualmente uma desqualificação de atos promissivos e de ritos que contém implicitamente uma promessa, levando a uma falta de esperança, que gera um ciclo vicioso/sintomático, entre o tédio ou gozo, custe o que custar, podendo levar a reações psicopatológicas graves.
Sabemos que aquilo que se promete tem íntima relação com aquilo que idealizamos. Entender sobre promessa em psicoterapia nos ajuda a entender sobre o ideal dos sujeitos envolvidos. Aqueles que estão com o ideal suprimido pela falta de esperança ou por sintomatologias que os impedem de continuar o caminho da vida, têm dificuldades para prometer e, consequentemente, dificuldades em dar seguimento à psicoterapia.
Padres, pastores e líderes religiosos cristãos, respaldados por uma crença, prometem a vida eterna, potencializando assim a esperança em vida. Mas, a nós terapeutas, não nos cabe tal promessa. Promessas em demasia e sem ideal beiram as práticas charlatanistas. Então como qualificar e potencializar a esperança na clínica? Devemos prometer alguma coisa no início do tratamento? O contrato terapêutico deve conter uma promessa? Se sim, o que podemos prometer?
Na tentativa de contemplar os questionamentos acima, procedemos com um estudo acerca da promessa em sua íntima relação com a desistência em início de psicoterapia com adolescentes. No intuito de investigar se os adolescentes prometiam, acabamos descobrindo que os terapeutas – que eram neófitos e, provavelmente, ainda inseguros – além de não prometerem, acabavam não conseguindo estabelecer o vínculo com os adolescentes que consequentemente abandonavam a terapia, antes que o compromisso pudesse ser estabelecido. (VALE, 2015)
Deste modo, observou-se que a maioria dos terapeutas não conseguiram prometer, e consequentemente seus respectivos pacientes também não. Somente um terapeuta estabelece o ato compromissivo com seu cliente, o que possibilitou a continuidade do processo. Esta constatação nos permitiu concluir que é de extrema importância, para o desenrolar do processo no “a posteriori”, prestar atenção nas prioridades a serem seguidas em todo início.
Somente quem entende o que significa uma promessa é capaz de prometer e se comprometer com atos futuros. Nosso limitado estudo sobre a promessa, nos faz compreender que, por vezes, os estudiosos da literatura entendem melhor do que os clínicos, a respeito da promessa. Não que a literatura antecipe tudo, mas não podemos deixar de reconhecer que antecipa muita coisa. Rubem Alves (2008), observa que o sustento das relações amorosas se dá pela promessa, já que não podemos prever os sentimentos. Ensina-nos assim:
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