As Queixas de Aprendizagem — contribuições de outras disciplinas e da psicanálise
Por: Joice Sá • 29/6/2021 • Pesquisas Acadêmicas • 7.041 Palavras (29 Páginas) • 187 Visualizações
Introdução
É com certa frequência que a clínica psicanalítica recebe crianças, pré-adolescentes e
adolescentes, cujos pais trazem queixas relacionadas a problemas na escola. O adulto que
traz o rebento raramente menciona o termo
“problemas de aprendizagem” e jamais ouvi
a expressão “transtorno de aprendizagem”.
Este último é um termo especializado do
CID-10 (2003) e do DSM-IV (1994), a que
nos reportaremos mais adiante. Às vezes, já
nos chegam com o diagnóstico pronto, em
sigla mesmo: TDHA, embora não saibam
muito bem o que seja isso. Mas geralmente
a queixa é formulada com palavras simples,
do cotidiano: “a criança/adolescente está
mal em Matemática, ou em História, ou em
Língua Portuguesa”, ou o que seja; há risco
de reprovação (reforço escolar ou professor
particular já foram tentados, mas o problema
continua). A própria criança ou adolescente
às vezes diz que “sabe a resposta, mas na hora
da prova ‘dá um branco’”. Um ou outro, mais
desa> ador, simplesmente informa que “não
gosta de ir à escola”.
É, também, com bastante frequência que
o/a analista, ao recebê-los, já descon> a que é
Resumo
Este trabalho aborda a questão de queixas de aprendizagem e algumas formas de abordá-las.
Três linhas de pensamento são sucintamente consideradas: a da Medicina/Psiquiatria/Neurologia, a da Psicopedagogia e a da Psicanálise. Defendendo a versão psicanalítica, quatro de
seus conceitos ou dimensões são explorados: a pulsão epistemofílica, a inibição intelectual, a
produção do pensamento e a produção do conhecimento.
Palavras-chave: Queixa, Aprendizagem, Psicanálise.
só esperar ou perguntar algo que vêm mais
coisas: o/a > lho/a que trazem tem medos, ou
tiques, ou ainda faz xixi na cama, ou ainda
dorme na cama dos pais, ou é muito preguiçoso, ou não faz tarefas, ou está a ponto de
ser expulso da escola porque “apronta” muito, ou não se alimenta bem (come demais
ou de menos). Em síntese: a queixa inicial é
sobre o mundo escolar da criança, mas é só
esperar um pouquinho para se acabar chegando à neurose – a mãe ou pai tampouco
fala de “neurose infantil”, porque o termo é
especializado também. Em casos mais graves, chega-se a outras pistas do que pode
estar acontecendo com o/a jovem paciente –
por exemplo, um quadro beirando a psicose
(FREUD, 1924) ou a tendência antissocial
(WINNICOTT, 1987).
Vez por outra fomos instadas a fornecer
um “atestado” (ou “declaração”) para se anexar a algum processo judicial já em curso ou
prestes a acontecer. E por mais que tentássemos, em situações especí> cas, esclarecer
a inconveniência disso para o interesse da
criança/adolescente, não pudemos deixar de
fornecê-lo – principalmente quando a mãe e/
ou pai eram médicos e acreditavam piamente
Queixas de aprendizagem
— contribuições de outras disciplinas
e da psicanálise
Complaints about learning
– contributions of other subjects and of Psychoanalysis
Vera Esther Ireland152 Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 37 | p. 151–164 | Julho/2012
Queixas de aprendizagem — contribuições de outras disciplinas e da psicanálise
no poder salvador do CID-10. Mas, nesses casos, apelamos para o manual acima referido,
assinando-o como psicóloga (que sou, mas
não como psicanalista, que também sou).
Neste trabalho proponho-me a explorar
três campos de abordagem para esses casos –
o da Medicina-Psiquiatria-Neurologia, o da
Psicopedagogia e o da Psicanálise, detendonos um pouco mais nesta última, que, ainda,
dividiremos em quatro subitens, conforme
será visto mais à frente. O argumento central
é o de que cada um desses campos de abordagem tem seus próprios méritos e usos, podem até ser superpostos em um mesmo tratamento, mas vão crescendo em termos de
complexidade de processos com que se cuida de um paciente. Assim, defendemos que a
psicanálise corresponde melhor ao também
complexo funcionamento do psiquismo humano, mesmo que, em certos casos, se alie à
Medicina/Psiquiatria/Neurologia e/ou à Psicopedagogia.
1. A visão médico-psiquiátrica-neurológica sobre a questão da aprendizagem
Remetendo o leitor ao CID-10 e ao DSM-IV
para uma visão mais
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