CONTRIBUIÇÕES DA MEMÓRIA DE TRABALHO PARA O PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM. EVIDÊNCIAS EXPERIMENTAIS E CLÍNICAS.
Por: Carlos Eduardo Ventura Gonçalves • 19/11/2020 • Artigo • 6.774 Palavras (28 Páginas) • 198 Visualizações
CONTRIBUIÇÕES DA MEMÓRIA DE TRABALHO PARA O PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM. EVIDÊNCIAS EXPERIMENTAIS E CLÍNICAS.
Cassio RODRIGUES (UFSC)*
1. Introdução
Os estudos sobre a relação entre a memória de trabalho ("working memory") e o processamento da linguagem têm se multiplicado de forma significativa nos últimos anos. Em específico, diversas pesquisas experimentais têm indicado que a memória de trabalho exerce um papel decisivo em uma série de operações lingüísticas, como por exemplo a aprendizagem de novas palavras ou a produção e a compreensão da linguagem. Muito embora o grau de importância da memória de trabalho em processos lingüísticos seja diferenciado, as evidências na literatura apontam, de uma maneira geral, para a necessidade de armazenamento temporário e manipulação de informações durante o processamento da linguagem. Na verdade, a linearidade da linguagem exige dos falantes que sejam mantidos ativos na memória de trabalho temporariamente os resultados intermediários e finais de operações realizadas durante o processamento da linguagem. O armazenamento e manipulação temporários de um seqüência de símbolos são necessários para que os falantes possam integrar, construir ou abstrair as representações presentes no discurso escrito ou falado. Neste artigo serão apresentadas algumas evidências que dão suporte a esta tese. O artigo está organizado da seguinte forma: no tópico seguinte será feito um breve relato do construto memória de trabalho e também uma relação dos seus subcomponentes específicos. Na descrição dos subcomponentes da memória de trabalho serão apresentadas evidências sobre a importância da memória de trabalho para o processamento lingüístico. As
* cassiorod@yahoo.com.br
Contribuições da memória de trabalho... 125
evidências são provenientes tanto de estudos experimentais na área de psicolingüística e psicologia cognitiva quanto de estudos com pacientes portadores de distúrbios neurológicos ou neuropsicológicos. Na última parte do artigo são apresentadas algumas sugestões para pesquisas futuras que contemplem a relação entre a memória de trabalho e o processamento da linguagem.
- O construto "memória de trabalho" 2.1 A origem do termo
Embora haja divergências na literatura, atribui-se o uso inicial do termo memória de trabalho aos estudos de Miller, Galenter e Pibram (1960). Neste estudo específico, a memória de trabalho é explicada como uma área mental responsável pela manutenção temporária de informações. O modelo de memória descrito e testado empiricamente por Atkinson e Shiffrin (1968) também fazia menção ao termo "worlcing memory' . Há, todavia, duas diferenças básicas na forma como a memória de trabalho era interpretada principalmente em trabalhos desenvolvidos nos anos 60 e 70, e a forma como a memória de trabalho é interpretada nos dias de hoje. Atualmente, a memória de trabalho pode ser interpretada como parte de sistemas cerebrais diversos e complexos capazes de armazenamento temporário e manipulação de informações durante a realização de operações cognitivas diversas.
A primeira diferença está relacionada à forma de armazenamento temporário na memória de curto prazo em modelos teóricos como o de Atkinson e Shiffrin (1968). Vale a pena ressaltar, neste contexto, que embora este modelo não tenha mais um respaldo empírico significativo, ele foi o precursor de uma série de modelos empíricos da memória. Todavia, este modelo partia do pressuposto que a memória de curto prazo era um "reservatório" passivo de informações que seriam transferidas para a memória de longo prazo ou recuperadas dela. Justamente esta visão tornou-se obsoleta, uma vez que hoje em dia parte-se do princípio que a memória de trabalho exerce um papel fundamental não só no armazenamento temporário de informaçõs (como por exemplo na manutenção de um telefone na memória enquanto discamos), como também na transformação
WORKING PAPERS EM LINGÜÍSTICA, UFSC, N.5, 2001
- Cassio Rodrigues
e manipulação de informações (como por exemplo na extração do conteúdo proposicional de uma informação durante a compreensão da linguagem). O aspecto dinâmico e transformacional da memória de trabalho nos modelos vigentes é um diferencial em relação a visões passadas do construto memória de trabalho.
Uma segunda diferença deriva-se da forma como é descrita a memória do ponto de vista experimental. Uma das características mais importantes do referencial teórico que influenciou consideravelmente o desenvolvimento de teorias sobre estruturas e processos da memória é o pressuposto que a memória humana é um conceito unitário que possui subdivisões específicas, neste caso a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. Desde William James, o estudo científico da memória humana vem sendo marcado por uma divisão entre memória de curto prazo e memória de longo prazo. A memória de curto prazo, de modo geral, significa uma capacidade humana de armazenar informações por um período breve de tempo e com uma capacidade de processamento limitada. Já a memória de longo prazo é vista como o local no qual é armazenado o conhecimento adquirido, como por exemplo conhecimento semântico, episódico, procedimental, entre outros. Esta visão da memória humana dominou grande parte da psicologia da memória humana e ainda exerce uma influência muito grande na forma de teorização sobre estruturas e processos de memória (cf. Eysenck e Keane, 2000).
O modelo de memória de trabalho utilizado em estudos passados encaixa-se dentro da visão da memória humana como um sistema unitário. O modelo de memória influente da época (cf. Atkinson e Shiffrin, 1968) previa a existência de um módulo sensorial, uma memória de curto prazo e a memória de longo prazo. Segundo esta teoria, o uso da memória de curto prazo, como sistema responsável pelo armazenamento temporário de informações, era essencial para a consolidação e recuperação de informações da memória de longo prazo, além de intermediar a performance cognitiva em uma série de atividades. A operação básica da memória de curto prazo neste referencial teórico era a repetição verbal da informação. A memória de curto prazo funcionava de acordo com a seguinte fórmula: quanto mais tempo um determinado item permanecesse na memória de curto prazo através de um processo denominado de subvocalização, maiores seriam as chances de
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