Entrevista Psicologo Indigena
Por: Robson Maciel • 17/5/2017 • Trabalho acadêmico • 1.973 Palavras (8 Páginas) • 545 Visualizações
Entrevistado: Psicólogo saúde indigena
Conte um pouco sobre você, formação, experiências profissionais, abordagem teórica, áreas que já atuou e atua, e porque sua preferencia pela terapia grupal?
Desde minha graduação no ano de 2010, o fazer psicológico sempre foi um desafio apaixonante. Fazê-lo como uma ferramenta de aproximação com o público em geral, uma prática social e humanizada.
Minhas experiências vão de atendimentos em consultório particular a atendimentos assistências em CRAS, CREAS, Secretaria de Educação, APAE e Associação Pestalozzi. Tenho especialização em Saúde Pública e Educação Especial.
Atualmente a 3 anos trabalho na Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), que é um subsistema do SUS que atende população indígenas. Atuo em uma comunidade indígena localizada no Alto Rio Solimões no Estado do Amazonas. Existe uma demanda relacionada ao suicídio por enforcamento e auto intoxicação com timbó (planta nativa altamente tóxica da região ), uso abusivo de bebidas alcoólicas e violência.
Trabalho em uma escala de 20 X 10, ou seja, trabalho 20 dias no mês e tenho 10 dias de folga, nos dias de trabalho fico hospedado em um alojamento com mais 14 profissionais, entre eles médicos, dentistas, enfermeiros, farmacêutico, nutricionistas e vários técnicos.
Existe um conforto nesse alojamento, temos cozinheira que faz comida normal. Aqui eles costumam dizer comida de branco rs. Temos ar condicionado em todos os quartos e salas de trabalho, além de água tratada e encanada e Internet.
A formação de grupos contribui na sensibilização a respeito da realidade vivenciada em tal contexto. São eles: Grupo de crianças, adolescentes, mulheres, homens e idosos. A maioria dos indígenas não falam português o que torna necessário um tradutor para facilitar a comunicação.
A formação dos grupos possibilita alcançar um número maior de pessoas e torná-los protagonistas dos assuntos abordados que podem ser sugeridos espontaneamente ou a partir de algum evento ocorrido no meio.
Qual a maior resistência você encontra na terapia de grupo com a população indígena ? Quais ações e técnicas você usar para amenizar essa resistência?
O indígena é atravessado o tempo todo por seus costumes e cultura, existe ainda uma resistência da presença do branco. Outra resistência é pensar que a única forma de resolver o problema de saúde é com medicalização. Buscamos métodos que sensibilizam sobre a importância da informação e dos cuidados para a saúde que o branco pode passar, que podem minimizar a mortalidade infantil, prevenção de doenças, dentre outros agravamentos.
Usamos vídeos, músicas, figuras ilustrativas, cartazes confeccionados no próprio grupo, caminhadas pela aldeia com temáticas específicas, dramatizações e brincadeiras lúdicas usando sempre símbolos da própria cultura. Valorizando sempre os mitos indígenas e a imagem das lideranças locais como cacique e a figura do pajé que é o curador. É necessário ouvir a realidade deles e aproximar os temas trabalhados a ela.
Qual sua maior dificuldade em trabalhar terapia de grupo com a população indígena?
A comunicação é um desafio, ter um interlocutor para traduzir o tempo todo, torna o momento mais desgastante que o necessário. Mas é preciso, a minoria entende português e mesmo levando um tempo maior na traduções o objetivo acaba alcançado.
Outra dificuldade, que foi logo no início dos grupos era de convencer os mesmos a participação, muitos não entendiam a necessidade de sentar em círculos e trazer para a conversa o dia a dia. A técnica utilizada para o convencimento foi bem simples e prática, oferecer lanchinhos após o término dos encontros, foi um ótimo reforçador. Hoje em dia os próprios participantes trazem o lanche que são frutas, macaxeira cozida e peixe assado.
Quais são as principais questões tratadas na terapia de Grupo com a população indígena (Com as crianças, Adultos, Idosos, Mulheres etc.)? Como é decido o tema ou a intervenção a ser proposta?
Inicialmente sempre é perguntado ao grupo qual a maior dificuldade enfrentada por eles nos últimos dias. Daí inicia-se as conversas, surgem questões como o desmatamento, a dificuldade de pescar o peixe, a rebeldia dos jovens que não respeitam a autoridade dos pais e das lideranças, o marido que bateu na esposa, a filha que tomou o cartão de aposentadoria do pai, o filho que se enforcou, ou o marido que bebeu demais no final de semana, a falta de chuva ou o excesso dela, a necessidade de estudar e conhecer os costumes do branco, o casamento, a vida na aldeia.
Como também os direitos garantidos por Lei para os indígenas, a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a importância de manter a identidade indígena e valorização da língua e cultura. Enfim, é um universo de questões trazidas por eles ou sugeridas nas conversas.
Quais as Etapas e procedimentos usados durante o percurso da terapia de grupo com a população indígena ?
Os grupos são divididos por idade, e cada grupo trabalhado com metodologia diferente. As crianças trabalhamos mais com desenhos e conversas a partir do universo infantil como histórias e mitos produzidas pela própria cultura. A necessidade da higiene dos alimentos e o cuidado com a escavação dos dentes, dentre outras questões. Com elas os grupos acontecem na escola indígena na própria comunidade.
Os adolescentes e jovens os grupos são formados em casas de reuniões que tem na aldeia, é um local onde são realizadas festas e reuniões dos líderes locais. Ali são abordados temas de valorização a vida, já que esse público é mais vulnerável ao suicídio.
Já os adultos dividimos por gênero, grupo de mulheres, grupo de gestantes, e grupo de homens. Abordamos temáticas relacionadas ao planejamento familiar, cuidados com a saúde, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, cuidado com a criança, prevenção de violência principalmente aos homens contra a mulher, consequência que o uso abusivo de bebidas alcoólicas podem provocar, enfim.... Diversas temáticas.
Esses três últimos grupos acontecem no próprio posto de saúde da aldeia, como as gestantes quando vem realizar o pré natal.
Já para os idosos aproveitamos diversos espaços abertos, e com eles realizamos exercícios de relaxamento, brincadeiras, danças, rodas de conversas para falar sobre aposentadoria e direitos do idoso. Aproveitamos para investigar algum indício de maus tratos contra a pessoa idosa, que ocorre ocasionalmente.
Na terapia de grupo com a população indígena os resultados positivos são imediatos ou ao longo prazo?
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