Fenomenologia
Artigo: Fenomenologia. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: Danieledaniwd • 10/10/2014 • Artigo • 2.349 Palavras (10 Páginas) • 266 Visualizações
A fenomenologia é a mais radical realização do racionalismo;
mas ao mesmo tempo pode ser definida como a mais radical
realização do empirismo.
E. Husserl
O intento deste artigo não é dar uma visão que esgote o tema da epoché husserliana. Também não intentamos um estudo comparativo que aborde o conceito supra-referido em seu desdobramento fenomenológico ante sua criação, entre os céticos gregos.
Devemos, isto sim, notar como Edmund Husserl usou o conceito de epoché, sem dúvida alguma um conceito-chave na fenomenologia, para a realização da ciência: a ciência fenomenológica. A fenomenologia nasce no início do século XX para revitalizar a racionalidade ocidental – para tanto, Husserl realizará uma crítica ao psicologismo, ao relativismo e ao historicismo que grassavam no fim do século XIX. J.-F. Lyotard (1956, p.6) tem razão ao asseverar que a “esperança cartesiana de uma Mathesis universalis renasce em Husserl”. É de causar espécie que um pensador com tal escopo tenha ido buscar um conceito logo entre os céticos – ou seja, os inimigos de qualquer doutrina fixa, os contestadores de toda forma de dogmatismo (Hussel, 1973a, p.21). O máximo que poderíamos atribuir a Husserl e sua epoché é um ceticismo mitigado, uma espécie de epoché quase-cética, se podemos tomar de empréstimo uma expressão de Rudolf Boehm (1969, p.138).
Vejamos o problema de perto. O tema da epoché entrelaça-se com o que Husserl chamou propriamente a “tese da atitude [ou comportamento] natural”. Nesse sentido, Husserl parte de um pressuposto: o homem está mergulhado em uma espécie de “tese geral”, isto é, uma compreensão implícita do mundo; o mundo é então essencialmente familiar ao homem, e, dentro de tal naturalidade, pode ascender ao conhecimento do real:
Eu tenho a consciência de um mundo que se estende sem fim no espaço, que tem e teve um desenvolvimento sem fim no tempo… descubro [o mundo] por uma intuição imediata, tenho experiência dele. (1991, p.37)
Vale dizer que Husserl parte da atitude natural para alcançar seu conceito de epoché. Primeiro, foi necessário a ele compreender o fenômeno da aceitação tácita do mundo – o mundo, por meio da atitude natural, é, como diz Gerd Bornheim (1969, p.37), uma “moldura constituída”. Assim, é aceito dogmaticamente o “fato” do conhecimento do mundo, e mesmo todas as ciências partem da atitude natural e qualificam sans plus os resultados de suas investigações como objetivo. Acrescenta ainda Husserl:
Na atitude natural, não cesso de realizar o mundo como ontologicamente válido, esse mundo no qual sou como homem ... Minha vida em todos os seus atos é de parte a parte orientada sobre o ente que pertence a tal mundo, todos os meus interesses, nos quais tenho meu ser, são interesses por coisas do mundo, realizando-se em atos que concernem a essas coisas, enquanto elas são o correlato de minha intenção. (1989, p.519)
Na atitude natural, o mundo recebe uma forma de subsistência ontológica, qual seja, o mundo está aí e é por excelência, tal como para as ciências o fundamento de seus objetos também não é questionado, pois eles são desde sempre. O "ser do mundo" é por inteiro evidente Selbstverständlichkeit, e isso jamais é posto em dúvida (Husserl, 1976, p.25). Portanto, vale dizer outra vez, o conhecimento do mundo é aceito sem maiores problemas. Agora faz-se necessário para Husserl aceitar que a alteração dessa "tese" é por princípio aceitável, e é aí que se insere a constituição básica de toda a epoché. Sextus Empiricus colocara a epoché como a abstenção do cético ante a "inconstância no espetáculo do mundo" (Patocka, 1992, p.206). Para a fenomenologia, a epoché é a abstenção do pensamento ante a constância do "espetáculo do mundo", ela é definida na Krisis-Schrift como uma "distância em relação às validações naturais ingênuas" (Husserl, 1989, p.154).
Husserl, com efeito, esclarece-nos que a Generalthesis está longe de ser uma "apreensão geral" e vaga, apesar de que toda atitude espiritual natural natürliche Geisteshaltung foi sempre caracterizada por Husserl como acrítica, visto que ela não se preocupa com a "crítica do conhecimento" (1973a, p.17ss.). Com ela, ao contrário, tomamos consciência do meio natural como uma "realidade existente (daseiende)". Mas, por outro lado, a atitude natural não se confunde com um "ato original" ou uma teoria sobre o mundo, enfim, não é uma atitude que desemboca em um julgamento que se quer epistemologicamente articulado. Aliás, a atitude natural tem uma duração bem limitada, diz Husserl: "É algo que persiste tanto quanto dura a atitude, isto é, tanto quanto a vida da consciência vigilante segue seu curso natural" (1991, p.96),
Todavia, a tese geral do mundo assume o mundo como presença, e aí implica-se todo o julgamento de existência das coisas. Tudo que vem do mundo natural, pela experiência, e ascende à consciência é afetado por um caráter de "presença". É nessa "presencialidade", pode-se dizer, que se funda um "julgamento de existência explícita", e ambos unificam-se: o julgamento e a "presença", o "estar-aí" das coisas. Quando realizamos um "julgamento de existência", ou seja, um julgamento predicativo, transforma-se em um "tema" o que já está na "experiência primitiva". Essa rápida caracterização já pode mostrar o papel que desempenha o que Husserl chamou "a tentativa universal da dúvida" (1991, p.97) e seu posterior abandono: por mais convencidos que estejamos com algo, por mais evidente que seja, tudo pode ser submetido ao expediente da dúvida. Quem tenta duvidar, assevera Husserl, tenta duvidar de qualquer "ser" ao dizer de forma predicativa: "isto aqui é", "ela é de tal forma". Dessa maneira, não colocamos em questão a "espécie de ser", pois inquirimos neste caso se tal objeto tem esta ou aquela propriedade; assim, o "ser não é posto em dúvida". Entretanto, a fenomenologia rompeu decisivamente com a "dúvida universal" que não põe o ser em dúvida, mas somente os seus atributos. Por outro lado, afirma categoricamente Jan Patocka (1992, p.132), a epoché husserliana não deseja isolar uma esfera de ser para atribuir-lhe indubitibilidade absoluta, à maneira de Descartes.
O empreendimento fenomenológico assumiu uma epoché com pretensões universalistas. Tratar-se-ia de uma epoché universal. Tanto Husserl quanto os céticos da Antigüidade, mesmo Descartes,
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