História Da Psicologia No Brasil: Uma Narrativa Por Meio De Seu Ensino
Ensaios: História Da Psicologia No Brasil: Uma Narrativa Por Meio De Seu Ensino. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: thaisbatista0312 • 20/11/2014 • 4.094 Palavras (17 Páginas) • 409 Visualizações
Meu interesse pela história da Psicologia emergiu de um lugar muito específico, o da formação de psicólogos e da consequente preocupação com o caráter centrado em modelos europeus e estadunidenses dessa formação, em que impera o valor intimista, do indivíduo livre, autônomo. A história da Psicologia pareceu-me um excelente dispositivo que, historicizando os diferentes seres humanos estudados pelos saberes psi através dos tempos, permitiria a desnaturalização de nossas ideias e práticas.
Foi estudando a história da Psicologia no Brasil e seus diferentes desenvolvimentos, as abordagens diversas dadas pelos (ainda) poucos autores que se dedicam a essa temática, que fui fazendo algumas escolhas do caminho a seguir. Por um lado, Certeau (1988) logo veio servir de guia ao alertar sobre a importância de se demarcar, na escrita da história, o lugar de onde se fala, de onde a narrativa é construída. Tal explicitação compreende desde o porquê da escolha de determinadas abordagens e métodos até a inserção institucional, as redes constituídas, os objetivos e os propósitos da investigação.
Por outro lado, é comum entre os historiadores a noção de que o fato histórico não existe per se, mas é construído retrospectivamente a partir de abordagens diversas, como, por exemplo, a da proveniência (as condições culturais, econômicas, sociais, políticas) que possibilitou sua emergência, que ocorresse tal acontecimento e não outro (Jacó-Vilela, 2009). Embora essa perspectiva esteja presente em quase toda a historiografia atual das ciências, a meu ver, especialmente o estudo da história da ciência em países periféricos coloca necessariamente em cena questões políticas, de dependência, de autonomia ou de colaboração e intercâmbio em relação ao centro, entendido aqui como alguns países da Europa e os Estados Unidos. E esse é o segundo ponto que consideramos importante, a questão de se fazer ciência em um país periférico.
Países europeus colonizaram novos mundos, no processo que perdurou do século XV ao XIX. Nesse percurso, a cultura europeia expandiuse para outros continentes, incluindo, no que aqui nos interessa, a universalização do conceito de ciência, de seus métodos e modelos. Diversos autores vêm alertando, já há algum tempo, que a recepção de novas ideias e práticas em contextos diferentes daqueles em que foram produzidas não é necessariamente ou, pelo menos, não o é na quase totalidade dos casos, uma reprodução daquilo que foi construído em outro lugar (ver, por exemplo, Restrepo Forero, 2000). Tratase, como já afirmava Schwarz, em 1977, de "ideias fora do lugar", e que, por isso mesmo, são apropriadas e se transformam em outras ideias em sua nova ambiência.
Schwarz segue, nesse ponto, uma linha de interpretação da cultura brasileira que se baseia nas contradições e nas ambiguidades existentes nas relações entre senhores e escravos, senhores e homens livres (os agregados) e homens livres e escravos, recorrendo às condições de formação da sociedade brasileira para explicar o seu modo de funcionamento atual.
Da mesma forma o faz Sanchis (1995, 2001). Embora dirigindo-se especificamente ao sincretismo religioso, suas conclusões podem ser estendidas também à produção científica. Sanchis compara o sincretismo religioso brasileiro com o europeu: enquanto este último foi sempre um apagamento da religião anterior (a religião romana utilizando-se das práticas celtas, mas destruindo a lembrança da religião celta, a religião católica fazendo o mesmo com a religião romana), no caso brasileiro o sincretismo significa uma mistura, a preservação de elementos de todas as religiões envolvidas. Sanchis considera as bandeiras como origem desse tipo especial de sincretismo, quando portugueses, tupis e africanos se encontravam em lugares desconhecidos, enfrentando não sabiam que perigos e orando, juntos, para seus deuses particulares.
Esses autores brasileiros representam, pois, uma contribuição à atual discussão no campo da história da ciência acerca da pertinência de se dedicar mais atenção ao que vem sendo denominado ciência nativa, visto um dos temas principais dessa nova historiografia referir-se às formas de recepção, pelos países periféricos, das ideias e práticas geradas nos países centrais que se configuram, então, como novas produções.
Este texto pretende apresentar uma história da Psicologia no Brasil norteada pelos períodos históricos vividos pelo País e procura apontar, em cada um deles, como ocorreu o ensino e a difusão dos saberes psi. Nesse sentido, faz a opção por uma história local, ou história nativa, pois, como Certeau (1988) destaca, reconhece a particularidade do lugar de onde se fala, a partir de que posição – social ou geográfica – o pesquisador se pronuncia. Assim, também utilizando uma expressão desse autor, faremos mais um voo de pássaro por uma floresta, sem nos atentarmos a diferentes detalhes que o olhar atento a uma árvore nos propiciaria. E utilizaremos de autores diversos que se dedicaram a estudar profundamente alguns temas que aqui mencionamos.
O período colonial e o ensino religioso
O Brasil ingressou no universo europeu em 1500, quando as primeiras naus portuguesas chegaram ao que hoje constitui parte do seu território. Apesar de disputas com franceses e holandeses, mas principalmente com espanhóis, países desejosos de expandir suas colônias d'além-mar, Portugal manteve sua dominação sobre boa parte do atual território brasileiro durante três séculos. Exerceu-a de forma bem diferente da que a Espanha adotou no restante da América Latina: embora também voltado para a exploração de recursos minerais, cerceou quaisquer atividades relativas à formação cultural do povo colonizado (Fausto, 1995). Uma exceção foram os colégios religiosos, principalmente os dos jesuítas.
Enquanto o Estado português organizava a nova possessão através das famigeradas capitanias hereditárias, que geraram os latifúndios da cana de açúcar e os territórios de exploração de ouro e pedras preciosas, os jesuítas se dedicavam à catequese dos índios, pois reconheciam neles entendimento, memória e vontade, os atributos tomistas da alma (Massimi, 2006). Ao mesmo tempo, criam colégios para os curumins. O ensino do que hoje denominamos ideias psicológicas, uma psicologia embasada na Filosofia e na teologia, principalmente a tomista, ocorre nos seminários. O foco principal é tanto o entendimento sobre o homem quanto o objeto da catequese, os curumins, criando-se, pois, uma psicologia infantil. Um importante livro da época é o de Alexandre de Gusmão
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