Influências Etnoculturais na Percepção da Dor
Por: daiana_tt • 21/3/2016 • Artigo • 1.072 Palavras (5 Páginas) • 331 Visualizações
Influências etnoculturais na percepção da dor
Dor é comumente considerado como um fenômeno fisiológico e como tal tem sido estudado por fisiologistas e neurologistas. No entanto, a fisiologia da dor e a compreensão da sua função biológica não explica outros aspectos da experiência deste fenômeno. Na sociedade humana, a dor adquire importância social e cultural e certas reações à dor, podem ser compreendidas à luz dessa importância. Assim, a condição de dor persistente e crônica, com o passar do tempo, pode tornar-se o centro da vida do indivíduo (e de sua família) e passa, ela mesma, a constituir-se como doença.
A cultura de um indivíduo configura-se como uma influência condicionadora na formação dos padrões de reação à dor e o conhecimento das atitudes grupais frente à dor é extremamente importante para a compreensão da reação do indivíduo-paciente.
Gagnon (2010) cita o caso de um estudo clássico desenvolvido em um laboratório,em que pese foi demonstrado que enquanto pessoas de origem mediterrânica descreviam uma forma de calor radiante como “dolorosa”, indivíduos do Norte da Europa designavam-na simplesmente como “quente”. Para além de definições que remetam a graus maiores ou menores de “resistência” das diversas etnias, a intensidade de uma sensação de dor não corresponde automaticamente à extensão e natureza do ferimento, por isto, a sua dimensão cultural deve ser considerada na percepção dos profissionais que lidam com pacientes álgicos.
Em determinadas partes do mundo, como a Índia, a África, alguns países da Europa e nas Primeiras Nações Norte-Americanas, a capacidade de resistir à dor é considerada uma prova de acesso ou de relação especial com os deuses das respectivas localidades, uma prova de fé ou um sinal de que se está pronto para passar por rituais de passagem através de “iniciações”.
Gagnon (2010) cita um exemplo deste tipo de ritual e a relação deste com a dor quando expõe o fenômeno de ”suspensão por ganchos”, praticado por devotos de Skanda, o deus de Kataragama, no Sri Lanka. Ao visitar o Sri Lanka em 1983, a Dra. Doreen Browne, uma anestesista britânica expôs em observações que a pele das costas dos devotos era perfurada por vários ganchos e os indivíduos eram suspensos e balançados a partir de armações puxadas por animais e visitavam as aldeias para abençoar as crianças e as colheitas. O interessante é que o treino destes devotos começava na infância e pareciam desenvolver progressivamente a capacidade de alterar a consciência de modo que a dor passasse ilesa.
Trazendo consistência para este estudo, o psiquiatra alemão Dr. Larbig, demonstrou, através de estudos eletroencefalográficos (EEG) que os devotos suspensos por ganchos apresentavam ondas teta ao longo de todas as fases do processo do ritual. As ondas cerebrais teta, mais lentas (4-7 ciclos por segundo), ocorrem durante o sono leve ou quando o indivíduo suspende a realidade e emerge em pensamentos profundos.
No tocante aos grupos étnicos, Gagnon (2010) expõe que as diferenças físicas entre as pessoas de diversas culturas não são tão importantes como as crenças e os comportamentos estabelecidos nelas, estes que influenciam os pensamentos e as ações dos membros dos diversos grupos. As convicções que dizem respeito ao próprio sintoma do indivíduo são resultantes da interação entre o contexto cultural, status socioeconômico e nível de educação e de gênero, interação que afeta a percepção do indivíduo sobre o seu processo sintomático, bem como o seu posicionamento frente ao profissional de saúde.
Dito isto, constata-se que é dever dos profissionais de saúde reconhecer as crenças distintas perante o seu lugar de fala o qual comumente associa o saber médico a autoridade, por isto, o estilo de comunicação em termos de linguagem verbal e corporal das diferentes culturas devem ser consideradas, assim como a expressão de assuntos de natureza sexual e todo o processo que remete a observação médica sensível às diferentes culturas.
Considerando que o profissional de saúde é um sujeito situado em uma sociedade, inscrito em um lugar e reprodutor de ideologias a sua prática profissional não é isenta dessas inscrições. É comum as disparidades entre doentes e profissionais de saúde no que tange etnicidade, gênero, classe social, raça e linguagem, bem como as suas atitudes, crenças, valores e preferências que não são uniformes e por este caráter a interação entre os doentes e os profissionais de saúde tende a ser mediada pelas crenças, as expectativas e os preconceitos de ambas as partes, fatores estes que podem interferir com o tratamento do paciente álgico.
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