Irmãos Karamazov e Complexo de Édipo
Por: rejanearruda • 1/11/2019 • Trabalho acadêmico • 1.946 Palavras (8 Páginas) • 436 Visualizações
ÉDIPO REI X IRMÃOS KARAMAZOV: um diálogo sobre o Complexo de Édipo nas duas obras
O trabalho em questão tem por objetivo compreender o Complexo de Édipo a partir de um diálogo entre duas obras que enfatizam a temática, sendo Édipo Rei, de Sófocles, a trama que dá origem ao que Freud definiu por Complexo de Édipo e, dentre as opções dadas, o livro de Dotoiévski, Os Irmãos Karamazov que, de acordo com Freud, assim como Édipo Rei, discute assuntos que compõem as relações humanas, do indivíduo consigo e com o mundo (GIRBAL, 2010). A escolha d’Os Irmãos Karamazov acontece devido ao fato de que, ao ser feita uma leitura a respeito do mesmo, foi a que mais despertou atenção, por se tratar de uma história envolvente e, ao mesmo tempo, realista, que está, muitas vezes, presente nas tramas familiares do cotidiano. De acordo com a abordagem feita por Freud, Dotoiévski representou em seu livro, seus dramas pessoais, oriundos de suas próprias experiências. (GIRBAL, 2010)
A partir de várias leituras feitas, foi possível compreender que ambas as obras possuem como característica comum o que, Freud denomina de parricídio, o qual, segundo o autor, trata-se do principal e o mais antigo crime da humanidade, sendo daí que advém a principal fonte do sentimento de culpa.
Conforme as leituras realizadas, compreende-se que a obra Édipo Rei se refere a uma peça teatral que se trata de uma grande tragédia pela qual Édipo e sua família passam.
O drama é rico em sentimentos diversos, tais como amor, ódio, culpa, religiosidade. Édipo apresenta uma preocupação, a partir das revelações do oráculo, com medo de matar seu pai adotivo, ao mesmo tempo que apresenta raiva de seu pai biológico, ao ponto de matá-lo, em contrapartida, vê-se o amor por Jocasta, sua mãe, e a consciência pesada por tamanho incesto e por ter assassinado seu pai, ou seja, cometido um parricídio.
Diante dos fatos: amor pela mãe e ódio pelo pai, compõe o que Freud identificou como sendo o Complexo de Édipo, que se caracteriza como sendo “a representação inconsciente pela qual se exprime o desejo sexual ou amoroso da criança pelo genitor do sexo oposto e sua hostilidade para com o genitor do mesmo sexo” (ROUDINESCO apud FERREIRA NETTO, 2014, s/p). Essa fase de descoberta acontece em torno dos quatro a cinco anos de idade, em que há o reconhecimento dos órgãos genitais e da diferença entre os órgãos da mulher e do homem, essa fase, como expresso na citação anterior, desperta sentimentos contraditórios de amor e desejo pela mãe, enquanto sente ódio e desprezo pelo pai. De maneira mais resumida, Costa e Botolli (2014) afirmam que essa fase é caracterizada por um “conjunto organizado de desejos amorosos e hostis que a criança sente em relação aos pais”. Girbal (2010) afirma que, de acordo com Freud, todos os indivíduos passam por esse processo, faz parte da natureza humana.
A partir dessas explicações do que vem a se caracterizar como sendo o Complexo de Édipo, torna-se viável considerar a observação de Ferreira Netto (2014, s/p) citando Freud, afirmando que o mesmo se trata de uma complexidade de eventos psíquicos, inconscientes, que incluem várias formas de relação incestuosa, no contexto do que Freud chamou de romances familiares, além de amores, ódios, abandonos, ciúmes, invejas, superproteções, parricídios, matricídios, filicídios e fratricídios imaginários ou reais, eventos esses que são observados nas duas obras analisadas.
Diante disso, assim como a tragédia de Édipo Rei, há em Os Irmãos Karamazov, uma situação de parricídio, em que o pai foi assassinado por um dos filhos, bem como há uma relação de incesto em que, no caso de Édipo, o mesmo se apaixona pela mãe, e em Irmãos Karamazov, o filho mais velho, Mítia (Dimitri), disputa o amor de Gruchneka, amante de seu pai.
Nessa obra, os filhos têm uma antipatia, abominação pelo pai, reflexo de seu comportamento (mulherengo, violento, baderneiro que não demonstrou amor nem preocupação por seus filhos, pelas esposas e/ou mulheres), que levou com que os quatro tivessem motivos suficientes para lhe desejar morto, os filhos tinham por ele certo desprezo.
Freud considera Os Irmãos Karamazov o mais notável romance jamais escrito, o qual, de acordo com sua colocação, dá maior legitimidade ao Complexo de Édipo, evidenciado em Édipo Rei, por demonstrar o desejo parricida e incestuoso, com suas interdições, na constituição do sujeito e do meio social. (PAIM FILHO, 2016).
O que se nota é que os irmãos têm diferentes comportamentos já perceptível no significado de seus nomes: Dimitri (Mítia/ o neurótico), Ivan (o criador), Alieksiéi (Aliocha, o moralista) e Smerdiákov (o pecador) (PAIM FILHO, 2016). Os quatro demonstram personalidades distintas, crenças diferentes, e, ao mesmo, situações de lutas contra seus próprios sentimentos, desejos, seja sentimentos de amor ou de ódio. O autor assim descreve os filhos: “cada filho e irmão — Dimitri, Ivan e Smerdiákov — tem explicitado seu desejo parricida, embora quem efetue o ato seja o filho bastardo, efetuando-o em nome de todos. Freud, curiosamente, assim como Dostoiévski, deixa de fora o jovem noviço Aliocha, como se o desejo parricida e incestuoso não o habitasse.” (PAIM FILHO, 2016, p. 263). Aliocha é considerado o herói de Dostoiévski, o qual padece da impossibilidade de se haver com o próprio desejo, não descobrindo o que é ser um homem e, consequentemente, não podendo se perguntar o que quer uma mulher.
Fato interessante abordado por Paim Filho (2016), é que, apesar de terem sido abandonados pelo pai, os quatro filhos, depois de adultos retornam para o lar do mesmo, o que, de acordo com a observação do autor, com base em Freud, acontece porque os vêm realizar em ato o que foi impossibilitado de ser realizado simbolicamente na idade do processo natural (entre 04 e 05 anos de idade).
O pai Karamazov é assassinado e Dimitri é considerado o principal suspeito, portanto, o autor demonstra que os outros três filhos também têm motivos para assassinar o pai. A partir do assassinato, a trama se desenvolve e Dotoiévski demonstra que, apesar de Smierdiákov ter confessado o crime, os outros irmãos também se sentiram culpados, uma vez que os três não gostavam do pai e, de certa forma, induziram ao assassinato. No entanto, Dimitri foi condenado. A morte de Fiódor Karamazov é justificada com a seguinte citação: “Ele matou, e eu o incitei a matar… Quem não deseja a morte do pai?… […] Todos desejam a morte do pai” (DOSTOIÉVSKI, 1880/2008, vol. 2, p. 888). Segundo Freud (1928), esse desejo subentende o desejo de ser/ter o falo.
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