Mentes Perigoas
Pesquisas Acadêmicas: Mentes Perigoas. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: layssaruana • 20/10/2014 • 841 Palavras (4 Páginas) • 243 Visualizações
Michel Foucault, no seu curso Os Anormais, vale-se do neologismo ubuesco
para descrever “o exercício do poder através da desqualificação explícita de quem o
exerce” (Foucault, 2002: 45). O “terror ubuesco” faz referência à peça de teatro Ubu
Rei, de Alfred Jarry. Trata-se de um rei grotesco – mal-educado, pouco inteligente,
maldoso – mas, que, apesar de tudo, continua no poder. Para Foucault, é sempre
possível encontrarmos o ubuesco em todos os campos de poder. O “Ubu burocrata”
pode ser qualquer um: psicólogo, advogado, psiquiatra. O que eles mostram é como o
poder desses campos são incontornáveis, como eles funcionam “mesmo quando está
nas mãos de alguém efetivamente desqualifiquado” (Foucault, 2002: 17). É a partir
dessa noção cunhada por Foucault que examinaremos a tese do livro Mentes
Perigosas, de Ana Beatriz Silva.
Lemos esse livro como um exemplar do “poder médico-judiciário” que se
organizou na passagem do século XIX para o XX, quando o campo jurídico se articula
com o discurso psiquiátrico para justificar e legitimar as prisões daqueles considerados
“perigosos”. Os enunciados da psiquiatria parecem valer como enunciados judiciários
privilegiados que possuem uma espécie de supralegalidade.
O exame psiquiátrico forja uma série de noções a partir do século XIX tais
como “personalidade pouco estruturada”, “profundo desequilíbrio afetivo”, “jogo
perverso”. Qual é a função dessas noções e de sua companheira contemporânea, a
“psicopatia”? Uma dupla função, como esclarece Foucault, pois a infração será inscrita
como traço individual do criminoso. A conduta será transformada em “maneira de ser”.
Em segundo lugar, essas noções vão deslocar “o nível de realidade da infração, pois o
que essas condutas infringem não é a lei, porque nenhuma lei impede ninguém de ser
desequilibrado afetivamente, nenhuma lei impede ninguém de ter distúrbios
emocionais (...)” (Foucault, 2002: 20). Essas noções são qualificações morais e são
também regras éticas.
Essas noções ainda deslocaram a questão, no processo jurídico, da atribuição
de responsabilidade à questão da periculosidade. Temos, então, a substituição do
indivíduo juridicamente responsável pelo elemento correlativo de uma técnica de
normalização. Como veremos, Silva (2008) ao levar adiante a noção de “psicopata”
inventa um tipo de monstro moral, cuja “natureza” impede que ele seja considerado
juridicamente responsável.
Foucault nos lembra que há duas grandes fontes genealógicas para o monstro
moral: uma religiosa e outra normalizante. A primeira trata dos monstros cuja natureza
é “contranatural”: os siameses, os hermafroditas, são exemplares desses “monstros”
que paralisam a lei e exigem dela medidas que os coloquem fora da lei. A outra fonte,
normalizadora, é aquela que constrói os monstros a partir das várias instâncias
disciplinares que visam normalizar a população. Todos aqueles que escapam ao
“normal” é visto como monstro potencial: a criança masturbadora, os retardados, os
delinqüentes são alguns exemplos. Nossa tese é que a noção de “psicopata” articula
bem essa dupla origem da noção de monstruosidade moral. Ao mesmo tempo, seus
defensores tentam mostrar a origem biológica do mal, da mesma forma em que
asseveram o caráter incorrigível do psicopata. Analisemos agora, em pormenor, a tese
de Silva.
2. A invenção do monstro
No primeiro capítulo, “Razão e sensibilidade: um sentido chamado
consciência”, Ana Beatriz Barbosa Silva narra uma aula que teve ainda na faculdade
que a fez chegar à idéia que tem de “ser” e
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