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O Alienista

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Por:   •  7/5/2014  •  9.853 Palavras (40 Páginas)  •  463 Visualizações

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MINISTÉRIO DA CULTURA

Fundação Biblioteca Nacional

Departamento Nacional do Livro

O ALIENISTA

Machado de Assis

CAPÍTULO I - DE COMO ITAGUAÍ GANHOU UMA CASA DE ORATES

As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr.

Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas.

Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo el-rei alcançar dele

que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa, expedindo os negócios da monarquia.

—A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.

Dito isso, meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência, alternando as

curas com as leituras, e demonstrando os teoremas com cataplasmas. Aos quarenta anos casou com D.

Evarista da Costa e Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de um juiz de fora, e não bonita nem

simpática. Um dos tios dele, caçador de pacas perante o Eterno, e não menos franco, admirou-se de

semelhante escolha e disse-lho. Simão Bacamarte explicou-lhe que D. Evarista reunia condições fisiológicas

e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente

vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes. Se além dessas prendas,—únicas

dignas da preocupação de um sábio, D. Evarista era mal composta de feições, longe de lastimá-lo,

agradecia -o a Deus, porquanto não corria o risco de preterir os interesses da ciência na contemplação

exclusiva, miúda e vulgar da consorte.

D. Evarista mentiu às esperanças do Dr. Bacamarte, não lhe deu filhos robustos nem mofinos. A

índole natural da ciência é a longanimidade; o nosso médico esperou três anos, depois quatro, depois cinco.

Ao cabo desse tempo fez um estudo profundo da matéria, releu todos os escritores árabes e outros, que

trouxera para Itaguaí, enviou consultas às universidades italianas e alemãs, e acabou por aconselhar à mulher

um regímen alimentício especial. A ilustre dama, nutrida exclusivamente com a bela carne de porco de

Itaguaí, não atendeu às admoestações do esposo; e à sua resistência,—explicável, mas inqualificável,—

devemos a total extinção da dinastia dos Bacamartes.

Mas a ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas; o nosso médico mergulhou

inteiramente no estudo e na prática da medicina. Foi então que um dos recantos desta lhe chamou

especialmente a atenção,—o recanto psíquico, o exame de patologia cerebral. Não havia na colônia, e ainda

no reino, uma só autoridade em semelhante matéria, mal explorada, ou quase inexplorada. Simão Bacamarte

compreendeu que a ciência lusitana, e particularmente a brasileira, podia cobrir-se de "louros imarcescíveis",

— expressão usada por ele mesmo, mas em um arroubo de intimidade doméstica; exteriormente era modesto,

segundo convém aos sabedores.

—A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais digna do médico.

—Do verdadeiro médico, emendou Crispim Soares, boticário da vila, e um dos seus amigos e

comensais.

A vereança de Itaguaí, entre outros pecados de que é argüida pelos cronistas, tinha o de não fazer

caso dos dementes. Assim é que cada louco furioso era trancado em uma alcova, na própria casa, e, não

curado, mas descurado, até que a morte o vinha defraudar do benefício da vida; os mansos andavam à solta

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pela rua. Simão Bacamarte entendeu desde logo reformar tão ruim costume; pediu licença à Câmara para

agasalhar e tratar no edifício que ia construir todos os loucos de Itaguaí e das demais vilas e cidades,

mediante um estipêndio, que a Câmara lhe daria quando a família do enfermo o não pudesse fazer. A

proposta excitou a curiosidade de toda a vila, e encontrou grande resistência, tão certo é que dificilmente se

desarraigam hábitos absurdos, ou ainda maus. A idéia de meter os loucos na mesma casa, vivendo em

comum, pareceu em si mesma sintoma de demência, e não faltou quem o insinuasse à própria mulher do

médico.

—Olhe, D. Evarista, disse-lhe o Padre Lopes, vigário do lugar, veja se seu marido dá um passeio ao

Rio de Janeiro. Isso de estudar sempre, sempre, não é bom, vira o juízo.

D. Evarista ficou aterrada, foi ter com o marido, disse-lhe "que estava com desejos", um

principalmente, o de vir ao Rio de Janeiro e comer tudo o que a ele lhe parecesse adequado a certo fim. Mas

aquele grande homem, com a rara sagacidade que o distinguia, penetrou a intenção da esposa e redargüiu-lhe

sorrindo que não tivesse medo. Dali foi à Câmara, onde os vereadores debatiam a proposta, e defendeu-a

com tanta eloqüência, que a maioria resolveu autorizá-lo ao que pedira, votando ao mesmo tempo um

imposto

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