O Mito de Sísifo
Por: Railane Ingrid • 8/9/2016 • Resenha • 2.253 Palavras (10 Páginas) • 1.184 Visualizações
O Mito de Sísifo e o Existencialismo-Humanismo
Albert Camus baseou-se no Mito de Sísifo para construir um ensaio filosófico, chamado: O Mito de Sísifo, em 1941. Este período foi marcado pela corrente existencialista, Segunda Guerra Mundial, auge do nazismo, religião, sistema capitalista e produção em massa. O livro é uma reflexão dos acontecimentos vividos pelas pessoas na época e pode ser relacionado com os dias atuais. Ele trás como temática a procura do sentido da vida, da dimensão do absurdo, da repetição em que o homem passa no seu dia a dia e da liberdade humana.
O autor viveu de 1913 a 1960. Foi um escritor, romancista, ensaísta, dramaturgo e filósofo francês nascido na Argélia. Na sua terra natal passou pela experiência do período da guerra, fome e miséria, elementos que formam alguns dos pilares que orientaram o desenvolvimento do pensamento do escritor. Além disso, Camus foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura de 1957 "por sua importante produção literária, que, com seriedade lúcida ilumina os problemas da consciência humana em nossos tempos". O mesmo morreu aos 46 anos em um acidente de automóvel em 1960, numa viagem à Paris.
A obra é dividida em quatro capítulos principais, sendo que o ultimo é referente ao Mito de Sísifo. Este faz parte da Mitologia Grega, que conta a historia de Sísifo um pastor de ovelhas, filho de Éolo (o deus dos ventos), e que se casou com Mérope, filha do deus Atlas (compõe uma das plêiades- filhas de Atlas e Pleione). Um dia, Sísifo percebeu que seu rebanho estava sendo roubado. Então, marcou suas ovelhas, seguiu o rastro delas e foi dar na casa de Autólico. Rodeou a casa em busca de mais alguma ovelha e encontrou a filha do ladrão, Anticleia. Seduziu-a e a engravidou, vingando-se do malfeitor. Voltando para casa, Sísifo, que andava sempre escondido, presenciou Zeus, o deus do Olimpo, raptando Egina, filha de Asopo. Nesse sentindo, aproveitando-se do fato, Sísifo, em troca da construção de um poço para sua cidade, entregou o deus sedutor. Ao descobrir da ação de Sísifo, Zeus ordenou que o mandassem para o Hades, mundo subterrâneo onde viviam as almas condenadas. Sísifo, contudo, conseguiu enganar a esposa de Hades e retornou a terra. Zeus então, o condena novamente ao Hades e o castiga fazendo rolar uma pedra ate o topo da montanha e chegando lá a mesma, por conta do seu peso, rolava montanha abaixo e assim sucessivamente durante toda a eternidade. Sísifo é um homem que foi punido pela mesmice eterna, tendo que ter um trabalho inútil e sem esperança pelo resto da vida. Isso ocorre, com o homem real, já que ele engana, dedura, trapaceia, insiste em coisas que não fazem bem a ele, quer se eternizar e, muitas vezes, vive um trabalho alienado e sem perspectivas, como uma forma de aceitação. Nessa acepção, o filme “Tempos Modernos” ilustra a alienação do trabalho, devido ao fato do sistema capitalista tomar o lugar de Deus, à medida que objetifica o homem o transformando em maquina.
A obra de Camus “O mito de Sísifo” pode ser associada a obra “O existencialismo é um humanismo", texto desenvolvido por Jean Paul Sartre em 1946. Este visa esclarecer o pensamento existencialista e principalmente defendê-lo de uma série de sátiras. Sartre ainda dá destaque para as críticas cristãs, que os acusavam de negar a realidade e seriedade dos empreendimentos humanos, já que suprimindo os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade, restaria apenas a pura gratuidade, em que cada um poderia então fazer o que quiser, sendo impossível a partir de um ponto de vista pessoal condenar os pontos de vistas alheios tal como os seus atos. Isto deixa nítido que Camus, apesar de ser extremamente associado ao existencialismo, nega o rótulo de existencialista em uma entrevista em 1945 e considera-se tendo pontos de vista como precursor da filosofia do absurdo. Podemos afirmar que ambos trazem em suas obras questões voltadas para a liberdade humana, escolhas, o sentido da vida e até a afirmação da não existência de Deus e implicações religiosas dentro da perspectiva do absurdo. A noção do absurdo que ambos exprimem contém a ideia de que não há sentido a ser encontrado no mundo além do significado que damos a ele. Esta falta de significado também engloba a amoralidade ou "injustiça" do mundo. Nesse viés, por conta do absurdo do mundo, em algum momento no tempo, qualquer coisa pode acontecer a cada um, e algum acontecimento trágico poderia cair sobre alguém em confronto direto com o Absurdo.
Para Camus, o absurdo é reconhecer as contradições entre o desejo da razão humana e do mundo insensato. Ele aborda que o suicido deve ser rejeitado, pois, sem a existência do homem o absurdo deixa de existir. Além disso, essas contradições devem ser vividas reconhecendo a razão e seus limites livres de esperanças porque para o “mundo absurdo” não tendo esperança o indivíduo estará motivado a viver cada momento de sua vida ao máximo. Assim, o absurdo nunca pode ser aceito: ele exige constate revolta.
A existência humana abordada por Sartre divide-se em três etapas: a estética, no qual o Hedonismo impera a dor e o tédio, busca do sentido da vida (coloca-se ao saber dos impulsos) e é a partir disso o indivíduo frustrado em seu objetivo passa para o segundo estágio: o ético. Este está Ligado ao dever, as regras e as exigências que o indivíduo está exposto. Nesta etapa, a liberdade é limitada pelo social. O extremo da etapa ética leva a contradição, visto que com a ideia de pecado, surge o arrependimento e assim passa para o terceiro estágio: o religioso. Nesse estágio, a escolha do indivíduo independe de critérios pulsivos, racionais ou regras universais. O desespero e a ansiedade influenciam na escolha do indivíduo. Além desses fatores, o individuo atinge uma relação com o Absoluto e encontra a existência que tanto almeja.
“Se Deus não existe, eu sou Deus. O atributo da minha divindade é a independência” (Camus e Kirilov, 1941). Baseando-se na perspectiva do existencialismo ateu que acredita na inexistência de Deus, Camus visa à presença de pelo menos um ser no qual a existência precede a essência. Um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito: este ser é o homem, ou seja, o homem existe, encontra a si mesmo, surge no mundo e só posteriormente se define. Assim, não existe natureza humana, já que não existe um Deus para concebê-la. “O homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo” – Sartre (1946).
Sartre defende que o homem é livre e responsável por tudo que está à sua volta. Ele dizia: "Somos inteiramente responsáveis por nosso passado, nosso presente e nosso futuro" e "O homem está condenado a ser livre". Sartre não nega por completo o determinismo, mas determina o ser humano através da liberdade. Em suma, não somos livres para sermos livres. Não é deus, nem a natureza, muito menos a sociedade que nos define. “Se Deus existe, tudo depende dele, e nada podemos fazer contra a sua vontade. Se não existe, tudo depende de nós” (Camus, 1941). Nesse sentido, quem define o que somos por completo ou nossa conduta, somos nós mesmos. Somos o que queremos ser, o que escolhemos ser; e sempre poderemos mudar o que somos. Os valores morais não são limites para a liberdade. A liberdade dá ao homem o poder de escolha, mas está sujeita às limitações do próprio homem. Esta autonomia de escolha é limitada pelas capacidades físicas do ser. Para Sartre, porém, estas limitações não diminuem a liberdade, pelo contrário, são elas que tornam essa liberdade possível, porque determinam nossas possibilidades de escolha, e impõem, na verdade, uma liberdade de eleição da qual não pode escapar.
Embora a questão da liberdade humana no sentido metafísico perca interesse para o homem absurdo, ele ganha liberdade num sentido muito concreto: já não é vinculado pela esperança de um futuro melhor ou eternidade, sem a necessidade de prosseguir o objetivo da vida ou para criar significado: "Ele goza de uma liberdade no que se refere às regras comuns" (Sartre, 1946).
Abraçar o absurdo implica abraçar tudo de insensato que o mundo tem a oferecer. Sem um sentido na vida, não existe uma escala de valores. "O que conta não é a melhor vida, mas a maioria dos que a vivem” (Sartre, 1946).
Assim, Camus chega a três consequências da plena aceitação do absurdo: a revolta, a liberdade, e paixão. A revolta, no que tange à constatação de que a vida é absurda, sem sentido; a liberdade, haja vista a nossa condição humana (estamos sós e escolhemos); e a paixão, já que não se vive a vida de outro modo.
Já a abordagem Humanista feita por Holanda (1998), no texto: “A questão do Humanismo”, defende que essa abordagem colocou o homem como centro de toda ação e como agente principal no processo de mudanças sociais. Além disso, prega a autonomia, autenticidade do homem, integridade e valoriza a dignidade de espirito retomando a cultura grega. Assim como é abordado no mito, em que Sísifo paga o preço de ser autentico e digno de espirito por assumir suas escolhas e enfrentar suas consequências. Contudo, para que isto ocorra com o ser humano na vida real é necessário que o mesmo tenha coragem, o que muitas vezes, é escassa no individuo.
A angustia para o humanismo só ocorre quando há opções e sem essas escolhas não existe liberdade. Ou seja, não existe liberdade sem angustia.
O humanismo pretende ver o homem como alguém consciente. Sísifo era consciente de seus atos e não colocava as responsabilidades deles nos Deuses ou na religião, já que quando renegou os mesmos, ele estava assumindo sua consciência. “Este mito só é trágico porque seu herói é consciente. O que seria a sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, importante e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida. A clarividência que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, sua vitória. Não há destino que não possa ser superado com o desprezo.”
Sendo assim, o livro pode ser analisado como algo multifacetado que consegue apresentar diversas interpretações. Nessa perspectiva, Sísifo é um homem que foi punido pela mesmice eterna, tendo que trabalhar de forma inútil e sem esperança pelo resto da vida, já que o mesmo era consciente de seus atos e não colocava as responsabilidades deles nos Deuses ou na religião. Assim, é possível considera-lo como herói, não apenas ele, mas todos os operários que trabalham sempre nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. As indagações propostas pelo autor conseguiram perpassar o tempo e se eternar na vida daqueles que tiveram a oportunidade de em algum momento se deixar envolver com a obra assim como nós. Pautada nessa premissa, “Deixo Sísifo na base da montanha! As pessoas sempre reencontram seu fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e ergue as rochas. Também ele acha que está tudo bem. Esse universo, doravante sem dono, não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada fragmento mineral dessa montanha cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.” (Camus, 1941)
SARTRE. Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. Tradução de Rita Correira Guedes, Luiz Roberto Salinas Forte, Bento Prado Júnior. 3ª Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
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