O Vigotski Manuscrito 1929
Por: Joniferson Corvalan Rodrigues • 25/9/2021 • Artigo • 8.773 Palavras (36 Páginas) • 242 Visualizações
Lev S. Vigotski : Manuscrito de 1929*
(Introdução de A. A. Puzirei)
O final dos anos 20 foi para Lev Semionovich Vigotski um tempo de elaboração intensiva teórica e prática das teses básicas de sua teo- ria histórico-cultural do psiquismo do homem. Deixou para trás o primei- ro qüinqüênio, relativamente tranqüilo e apesar de tudo feliz, de sua vida em Moscou, depois da mudança em 1924 da cidade de Gomel – tempo de sua constituição como psicólogo, de incrível e impetuosa ascensão de sua estrela, quando em poucos anos este homem, ainda muito jovem, de um professor provinciano desconhecido transformou-se em uma das fi- guras mais notáveis e avançadas da jovem psicologia soviética. Pesqui- sador com autoridade científica impecável, rodeado de um grupo de jovens discípulos também talentosos, entusiasticamente devotados a ele, pleno de elevada consciência de sua missão no desenvolvimento da ci- ência, cheio de idéias, projetos e planos, a maior parte dos quais, infe- lizmente, por causa da sua morte prematura, não estava destinada a realizar-se. Como que pressentindo isso, L. S. Vigotski trabalhou muito e rápido todos estes anos. Da sua pena, um após outro, saíram grandes tra- balhos, que constituem hoje o corpo da concepção histórico-cultural e que há muito entrou para os arquivos de ouro da literatura psicológica
[pic 1]
- Traduzido do original russo, publicado no Boletim da Universidade de Moscou, Série 14, Psi- cologia, 1986, No. 1, por A. A. Puzirei e gentilmente cedido pela filha de Vigotski, G. L. Vigotskaia. Tradução: Alexandra Marenitch; assistente de tradução: Luís Carlos de Freitas; revisão técnica: Angel Pino.
nacional e mundial. Quase cada um desses foi pouco a pouco prepara- do por esboços e anotações preliminares, os quais Vigotski fez, na mai- oria das vezes, “para si”, não predestinando-os para publicação. Mas até esta “fala interna” peculiar de Vigotski, por causa da sua capacidade sur- preendente de viver e fazer tudo na sua vida logo “às claras”, “sem ras- cunhos”, apresenta em si, via de regra, textos autônomos, ligados e às vezes inteiramente acabados. Exatamente assim é o manuscrito publica- do em seguida, de 1929, do arquivo de família de Vigotski, o qual foi con- cedido bondosamente pela filha do cientista – G. L. Vigotskaia. Este trabalho não apenas permite espiar o laboratório criativo do famoso pen- sador, com clareza ver o processo de cristalização de algumas teses da teoria histórico–cultural, bem conhecidas pelos trabalhos clássicos de L. S. Vigotski do inicio dos anos 30, mas contém também uma série inteira de idéias originais e desenvolvimentos de pensamentos, os quais não tive- ram elaboração em trabalhos posteriores. Em relação a isso as anota- ções publicadas de L. S. Vigotski jogam nova luz em algumas teses fundamentais de sua concepção, apresentando-as de ângulo tal, que as torna extremamente atuais também para a psicologia moderna.
A proximidade de vários temas, formulações e exemplos e, até em determinado grau – também da lógica geral de construção do texto publicado – com o trabalho “História do desenvolvimento das funções psíquicas superiores” (especialmente com o seu segundo capítulo) permite ver o manuscrito dado na qualidade de delineamento prelimi- nar, esboço do trabalho principal de Vigotski – na verdade, mais pro- vavelmente, não daquela sua versão canônica, a qual é conhecida de todos pela sua publicação em 1960 e reimpressão recente no III vo- lume da coletânea das suas obras, mas daquela primeira e curta ver- são do trabalho, até agora ainda não publicada, que se mantém no arquivo da família do cientista.
Nesta publicação são preservadas as especificidades da sintaxe e todos os destaques do original. A ortografia está de acordo com as nor- mas atuais. As inúmeras abreviaturas foram reconstruídas com a decifra- ção do manuscrito. Todas as adições no texto foram colocadas entre parênteses retos e também todas as notas de rodapé e comentários, se isto não está ressalvado, especialmente as que pertencem ao autor do artigo introdutório.
- A. Puzirei.
[Psicologia concreta do homem] *
L. S. Vigotski
NB A palavra história (psicologia histórica) para mim significa duas coisas: 1) abordagem dialética geral das coisas – neste sentido qualquer coisa tem sua história, neste sentido Marx: uma ciência – a história (Ar- quivo, p. X)1, ciências naturais = história da natureza, história natural; 2) história no próprio sentido, isto é a história do homem. Primeira histó- ria = materialismo dialético, a segunda – materialismo histórico. As fun- ções superiores diferentemente das inferiores, no seu desenvolvimento, são subordinadas às regularidades históricas (veja o caráter dos gregos e o nosso). Toda a peculiaridade do psiquismo do homem está em que nele são unidas (síntese) uma e outra história (evolução + história). O mesmo no desenvolvimento infantil (compare as duas linhas).2
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O método construtivo tem dois sentidos: 1) estuda não as estruturas naturais, mas construções; 2) não analisa, mas constrói processos (contra i método de pegar de surpresa – análise, taquistoscópio; contra método sis- temático dos viursburgos). Mas a construção cognitiva no experimento
corresponde à construção real do próprio processo. Este é o princípio básico.
NB Bergson (veja coletânea para Tchelpanov, 109)3 Intelecto e instrumentos.
Intelecto ↔ instinto
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Instrumentos ↔ órgãos
Na psicologia do homem também homo faber. ii
Os instrumentos estão fora de si, os órgãos dentro de si.
- Título dado por A. A. Puzirei
i contra (lat.)
ii Homem que trabalha (lat.)
[pic 2]
A essência do intelecto está nos instrumentos. O instinto é a ca- pacidade de utilizar e construir instrumentos organizados4; o intelecto – os não organizados. Seus méritos e falhas.
Mas a atividade psicológica construtiva (vontade) é algo radical- mente novo, é a síntese de uma e outra atividade, porque criam com aju- da do meio externo – não organizado – construções orgânicas, funções no cérebro, constroem-se os instintos. Compare Ukstomski: o sistema de funções neurológicas é um órgão. Neste sentido, o homem com ajuda da atividade instrumental constrói novos órgãos, mas orgânicos.
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