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O behaviorismo radical e a psicologia como ciência

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Por:   •  24/9/2013  •  Tese  •  8.735 Palavras (35 Páginas)  •  557 Visualizações

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O behaviorismo radical e a psicologia como ciência1

The radical behaviorism and the psychology as science

Tereza Maria de Azevedo Pires Sério2

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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RESUMO

A compreensão da proposta de B.F.Skinner para a psicologia é vista como um bom começo para o estudo das características atuais do behaviorismo radical. Em geral, Skinner apresenta e detalha sua proposta confrontando-a com outras propostas já existentes e aceitas na psicologia. Pretende-se acompanhar parte desta apresentação, analisando as principais contraposições afirmadas por Skinner entre o behaviorismo radical e outras propostas então em vigor na psicologia, em três textos desse autor: The operational analysis of psychological terms (1945), Behaviorism at fifty (1963) e o primeiro capítulo de About behaviorism (1974). Acredita-se que seja possível, em cada um deles, destacar um aspecto como ilustrativo de uma contraposição de Skinner; assim, no primeiro deles, o aspecto destacado é o método a ser adotado nos estudos em psicologia, no segundo, o objeto ao qual ela se dedica e no terceiro, o modelo de causalidade que deve dirigir o estudo do objeto e a seleção dos métodos.

Palavras-chave: Behaviorismo radical, B.F.Skinner, Objeto de estudo da psicologia, Métodos da psicologia, Modelo de causalidade.

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ABSTRACT

The understanding of B. F. Skinner's approach to Psychology can be considered as a good beginning for the comprehension of radical behaviorism current characteristics. The present paper details Skinner's analysis in three publications where he seems to choose to present aspects of his system by confronting his assertions with other ones already exiting, and generally accepted, in Psychology. The aim here is to follow through part of Skinner's writing, analyzing the main oppositions argued by Skinner in the following publications: The operational of analysis of psychological terms (1945), Behaviorism at fifty (1963), and About behaviorism (1974) first chapter mainly. As a result, the theme of choice, Skinner's arguments, and the corresponding main contraposition guiding Skinner's exposition are identified and discussed in each one of these manuscripts. In The operational of analysis of psychological terms the central issue argued by Skinner is the method of choice to be adopted in Psychology studies, in Behaviorism at fifty Psychology's subject matter is the central question tackled by Skinner, and, finally, in About behaviorism the causal mode that should underlie and guide the study of Psychology's subject matter and Psychology's selection of methods is the topic of choice.

Keywords: Radical behaviorism, B. F. Skinner, Subject matter of Psychology, Methods of Psychology, Causal mode

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Dentre as várias propostas de entendimento do que seja a psicologia (seu objeto, seus métodos e seu papel na sociedade contemporânea), encontra-se a que chamamos de behaviorismo radical. B. F. Skinner (1904-1990) é reconhecido como o principal autor do behaviorismo radical; a própria expressão 'behaviorismo radical', com as marcas que hoje a caracterizam, foi introduzida em um texto deste autor, publicado em 1945. Atualmente, outros estudiosos3 vêm trazendo contribuições que explicitam, complementam ou acrescentam elementos às propostas inicialmente feitas por B. F. Skinner. Compreender a proposta de Skinner para a psicologia é, assim, um bom começo para compreendermos o behavioris-mo radical.

Quando Skinner inicia seus estudos em psicologia, outras propostas de entendimento desta área já estavam em discussão e a apresentação dos aspectos que caracterizavam seu entendimento da psicologia (aspectos que passariam a caracterizar o behaviorismo radical) foi feita, freqüentemente, a partir da contraposição com essas outras propostas então em vigor. De uma forma geral, essa contraposição com as demais propostas é guiada por questões relacionadas ao objeto e aos métodos da psicologia e ao modelo de causalidade que deveria orientar a construção de explicações das ações humanas. Com o objetivo de ilustrar essas contraposições e como, a partir delas, é apresentada a proposta de Skinner para a psicologia, vamos examinar três diferentes exemplos de textos desse autor. Em cada um desses exemplos será destacado um dos aspectos mencionados - o objeto de estudo da psicologia, os métodos adequados para estudá-lo e o modelo de causalidade; tal destaque é apenas uma estratégia de apresentação, pois tais as-pectos mantêm entre si relações estreitas, de forma tal que, ao tratar de cada um deles, Skin-ner tenha também abordado os demais.

Primeiro exemplo: o objeto de estudo da psicologia

Se considerarmos o artigo escrito por Skinner (1963/1969) sobre os cinqüenta anos de behaviorismo (considerando como marco do início do behaviorismo as propostas apresentadas em 1913 por J. B. Watson), a contraposição com as demais propostas é feita a partir de questões sobre o objeto e os métodos da psicologia. Skinner (1963/1969) inicia assim seu artigo:

Behaviorismo, com ênfase no ismo, não é o estudo científico do comportamento, mas uma filosofia da ciência preocupada com o objeto e métodos da psicologia. Se a psicologia é uma ciência da vida mental - da mente, da experiência consciente - então ela deve desenvolver e defender uma metodologia especial, o que ainda não foi feito com sucesso. Se, por outro lado, ela é uma ciência do comportamento dos organismos, humanos ou outros, então ela é parte da biologia, uma ciência natural para a qual métodos testados e muito bem sucedidos estão disponíveis. A questão básica não é sobre a natureza do material do qual o mundo é feito ou se ele é feito de um ou de dois materiais, mas sim as dimensões das coisas estu-dadas pela psicologia e os métodos pertinentes a elas. (p.221)

Nesse trecho, Skinner aponta dois caminhos alternativos para a psicologia na definição de seu objeto de estudo e dos métodos apropriados para estudá-lo: o caminho que conduziu ao que genericamente podemos chamar de 'mentalismo' e o caminho que foi trilhado pelo behaviorismo. O caminho behaviorista insere a psicologia entre as ciências que estudam a vida ou, mais precisamente, os organismos vivos (é assim que entendemos a afirmação de que a psicologia “é parte da biologia”) e, ao fazê-lo, já está indicando as dimensões de seu objeto de estudo e de onde os psicólogos deveriam partir para encontrar seus métodos de estudo, de pesquisa.

Skinner segue, no artigo, contrapondo essas duas alternativas mentalismo e behaviorismo - e, ao fazer isto, busca compreender como a psicologia de início recorre ao mentalismo e quais as condições que possibilitaram a emergência de uma concepção oposta, no caso, o behaviorismo. Ele conclui a parte introdutória do artigo (1963/1969) deixando bem clara a divergência central entre essas duas alternativas e sugerindo as gamas variadas de mentalismo que podem existir dentro da psicologia:

O fato da privacidade não pode, é claro, ser questionado. Cada pessoa está em contato especial com uma pequena parte do universo contida dentro de sua própria pele. Para tomar um exemplo que não acarreta controvérsias, cada pessoa está singularmente sujeita a certos tipos de estimulação proprioceptiva e interoceptiva. Embora, em um certo sentido, possamos dizer que duas pessoas podem ver a mesma luz ou ouvir o mesmo som, elas não podem sentir a mesma distensão do ducto biliar ou o mesmo músculo contundido. (Quando a privacidade é invadida com instrumentos científicos, a forma de estimulação é mudada; as escalas lidas pelos cientistas não são os próprios eventos privados.).

Psicólogos mentalistas insistem que há outros tipos de eventos que são unicamente acessíveis ao proprietário da pele dentro da qual eles ocorrem, mas que faltam a eles as dimensões físicas de estímulos proprioceptivos ou interoceptivos. (...) A importância atribuída a este tipo de mundo varia. Para alguns, ele é o único mundo que existe. Para outros, ele é a única parte do mundo que pode ser diretamente conhecida. Para outros ainda, ele é uma parte especial daquilo que pode ser conhecido. Em qualquer caso, o problema de como alguém conhece o mundo subjetivo de outro deve ser enfrentado. Ao lado da questão do que significa “conhecer”, o problema é o da acessibilidade. (pp. 225-226)

Esses dois parágrafos merecem alguns comentários. A diferença entre as duas alternativas não está propriamente nos eventos que são considerados como pertencentes ao domínio de estudo da psicologia, mas sim em como eles são considerados. Podemos interpretar a afirmação que inicia o trecho citado (“O fato da privacidade não pode, é claro, ser questionado.”) como uma afirmação de que a perspectiva behaviorista radical lida com um traço que parece ser exclusivamente humano e quem tem sido visto como constitutivo do objeto de estudo da psicologia: a privacidade. A privacidade não seria, assim, preocupação exclusiva de perspectivas mentalistas; estudar “o contato especial” que “cada pessoa” estabelece com “a parte do universo contida dentro de sua própria pele” deveria, segundo o behaviorismo radical, ser parte das atividades de pesquisadores sobre o comportamento4. E Skinner vai mais longe, chamando nossa atenção para aspectos metodológicos nesse estudo; para ele, as tentativas de mensuração feitas das possíveis transformações que estão ocorrendo no corpo da pessoa quando ela está em contato com essas transformações (ou seja, as “invasões com instrumentos científicos”), mesmo recorrendo-se a instrumentos cada vez mais sofisticados, não eliminam o fenômeno da privacidade: o reconhecimento de que tais medidas não tornam públicos os eventos em questão evidencia que a relação da pessoa com o 'mundo dentro de sua pele' continua a ser singular, única.

O que, de fato, diferencia as duas alternativas (a mentalista e a behaviorista) é a natureza que cada uma delas atribui aos fenômenos envolvidos na privacidade; em uma visão behaviorista, esses fenômenos têm a mesma natureza que os demais fenômenos que constituem o homem: são fenômenos físicos, materiais; em uma visão mentalista, ao contrário, esses fenômenos são de natureza diferente da natureza dos demais fenômenos que constituem o homem: não são de natureza física, são de natureza mental ou psíquica e seria isso que os distinguiria como objeto de estudo à parte. Entretanto, podem ser identificadas diferenças, dentro da concepção mentalista, no que se refere à exclusividade da dimensão mental ou psíquica e no que se refere às possibilidades de conhecimento das dimensões nas quais o universo é por eles dividido. Segundo Skinner, há, dentro do mentalismo, desde vertentes que afirmam que a única dimensão do universo que existe é a dimensão mental, até vertentes que, reconhecendo a existência das duas dimensões, afirmam que a dimensão mental é a única que pode ser diretamente conhecida, passando por aquelas que não restringem a possibilidade de conhecimento direto à dimensão mental, mas afirmam ser ela especial enquanto objeto de conhecimento. Qualquer que seja o caso, a compreensão das diferenças entre a concepção mentalista e a behaviorista envolverá: a) a explicitação do que é conhecer para cada uma dessas concepções, e b) a discussão sobre acessibilidade dos eventos que são objeto de conhecimento.

Segundo exemplo: desafios metodológicos

Se considerarmos o artigo no qual a expressão behaviorismo radical aparece com as conotações que a distinguem ainda hoje (Skinner, 1999/1945), nele a contraposição com outras propostas para a psicologia é feita em termos quase estritamente metodológicos. Nesse artigo, Skinner apresenta sua posição com relação a uma proposta bastante específica sobre como os psicólogos deveriam proceder ao abordar seu objeto de estudo: o operacionismo5. Em termos bem gerais, o operacionismo apresenta-se como um procedimento para garantir que os cientistas fundamentem todo o conhecimento produzido em fenômenos diretamente mensuráveis, de forma a evitar problemas ocasionados pela inclusão, nas descrições e explicações científicas, de conceitos que envolvem elementos não fundamentados em observações, conceitos que não têm base empírica. Os cientistas conseguiriam tal garantia se passassem a definir seus conceitos com base nas operações que executavam com o objetivo de identificar e medir os fenômenos aos quais o conceito se referia6. Assim, por exemplo, no caso da psicologia, ao invés de definir conceitos tais como sensação, percepção ou inteligência buscando identificar os elementos constituintes dos fenômenos abarcados por tais conceitos, o cientista deveria defini-los descrevendo o que ele faz para identificar e medir esses fenômenos; com isso, necessariamente, ele restringiria sua definição a aspectos empíricos.

O operacionismo teve um certo impacto na psicologia e, segundo alguns autores (por exemplo, Rogers, 1989) está presente até hoje no fazer do psicólogo. Pelo menos inicialmente, o impacto que teve deveu-se ao fato de que foi visto como um caminho para superar os problemas decorrentes de concepções mentalistas Sendo assim, no artigo de 1945, Skinner apresentará o que entende por behaviorismo contrapondo-o não mais com posições que se declaram mentalistas e sim com posições que pretendem superar o mentalismo, entre elas o behaviorismo tal como ele se configurava na época em que Skinner escreveu o artigo em questão7.

Skinner inicia seu artigo (1945) afirmando que o operacionismo não trouxe nenhuma nova contribuição para a prática dos cientistas e, de certa forma, não poderia mesmo fazê-lo devido aos limites presentes no conhecimento disponível na época. Como conseqüência de condições históricas relacionadas à produção de conhecimento sobre o homem, não estava ainda disponível um conhecimento que permitisse compreender adequadamente o processo de formulação de conceitos. Segundo Skinner, as teorias de linguagem existentes na época não estavam ainda preparadas para tal empreendimento porque, entre outras coisas, ainda não se tinha completado o desenvolvimento de “uma concepção objetiva do comportamento humano” (p.417). Feitas as críticas e apresentada a recusa ao caminho operacionista, Skinner passa a apresentar sua proposta que, neste caso, envolve diretamente uma nova abordagem do comportamento verbal (expressão proposta por Skinner (1957) para tratar de fenômenos tradicionalmente chamados de 'linguagem'). Segundo ele,

Uma vantagem considerável é ganha ao lidarmos com termos, conceitos, constructos, etc bem abertamente na forma em que eles são observados - isto é, como respostas verbais. Não há, então, perigo em incluir no conceito aquele aspecto ou parte da natureza que ele destaca. (...) Significados, conteúdos e referentes devem ser encontrados entre os determinantes, não entre as propriedades, da resposta. (p.418)

Tratar conceitos como respostas verbais seria o grande passo a ser dado para que pudéssemos superar os obstáculos criados pela ausência de uma teoria não dualista sobre comportamento verbal (de uma forma bem geral e simplificada, uma teoria dualista distinguiria como sendo de dimensões diferentes a palavra - dimensão física - e o significado - dimensão não física - na análise dos fenômenos lingüísticos). Este passo possibilitaria a compreensão do comportamento verbal em toda sua extensão, inclusive do comportamento verbal do cientista, e traria elementos neces-sários para o entendimento do que ocorre, na psicologia, quando descrevemos ou explicamos as ações humanas recorrendo a conceitos considerados subjetivos (termos que se referem ao sujeito e que podem ou não envolver elementos não acessíveis a outros que não o sujeito). Buscar “os significados, os conteúdos e os referentes” entre os determinantes da resposta (ou seja, da palavra ou afirmação dita ou escrita) dirige nosso olhar para as condições nas quais a resposta é emitida (ou seja, para a situação presente quando a resposta é emitida e as transformações na situação produzidas pela emissão da resposta) e não para a forma da resposta. Assim, por exemplo, para identificarmos o significado daquilo que uma pessoa está dizendo, de pouco adiantará registrarmos e discutirmos as palavras e as afirmações que estão sendo ditas; precisamos identificar as condições nas quais a pessoa está dizendo aquilo e, mais, a história que ela viveu e que permitiu que tais condições estivessem relacionadas com aquele dizer.

Como Skinner mesmo afirma, com essa maneira de ver, não há nenhum problema em lidar com os aspectos relacionados à emissão das respostas verbais consideradas como 'termos subjetivos'. As pessoas, em sua vida cotidiana, falam de si mesmas e falam de aspectos seus aos quais outros não têm acesso, e vêm fazendo isso há muito tempo. O desafio para o pesquisador em psicologia está exatamente em descobrir como tudo isso acontece: como as pessoas passam a falar de si mesmas e como podem falar de aspectos aos quais apenas elas têm acesso. Segundo Skinner,

O que nós queremos conhecer no caso de muitos termos psicológicos tradicionais é, primeiro, as condições estimuladoras específicas sob as quais eles são emitidos (isto corresponde a 'encontrar os referentes') e, segundo, (e esta é uma questão sistemática muito mais importante), por que cada resposta é controlada por sua condição correspondente. (p. 419)

Devemos notar que o primeiro aspecto a ser conhecido nos conduz para a busca das “condições estimuladoras específicas” que antecedem a emissão de respostas verbais que envolvem termos subjetivos. Não há nenhuma restrição quanto a que condições podem ser estas. Quaisquer condições estimuladoras podem ocupar o lugar de estímulos antecedentes para tais respostas verbais. O segundo aspecto a ser conhecido nos conduz à busca de respostas para a pergunta “por que cada resposta [verbal] é controlada por sua condição correspondente?”. Esta busca parte de uma suposição que constitui a própria definição de comportamento verbal: as transformações produzidas pela emissão da resposta verbal que são responsáveis pela relação entre a resposta e as condições que a antecedem referem-se a transformações em comportamento de outros homens; a existência de uma comunidade verbal é condição necessária para a produção de respostas verbais. Para encontrar esse 'por que?' devemos, então, dar um passo adiante e procurar pelas práticas da comunidade verbal que fizeram/fazem com que as pessoas falassem/falem de si, incluindo aí seu mundo privado. Desse ponto de vista, tal como no artigo anteriormente analisado, Skin-ner afirma que a busca de instrumentos precisos de medida das alterações privadas não resolverá o problema do psicólogo:

Mas o problema da privacidade não pode ser totalmente resolvido pela invasão instrumental. Não importa quão claramente eventos internos possam ser expostos no laboratório, permanece o fato de que no episódio verbal normal eles são inteiramente privados. (p.421)

Parece, assim, que o problema do psicólogo, os desafios que o levam a pesquisar estão nos 'episódios normais', o que quer dizer, na vida cotidiana das pessoas, em toda a diversidade e complexidade dos acontecimentos da vida do homem comum. E é nesse âmbito que o problema da privacidade não será resolvido com a “invasão instrumental”; pelo menos enquanto tal “invasão” não fizer parte dos episódios do cotidiano, a comunidade verbal promove o falar sobre si mesmo, incluindo o falar sobre aspectos aos quais a comunidade não tem acesso direto, sem recorrer a nenhum tipo do que está sendo chamado de “invasão instrumental”. Uma mãe, por exemplo, só conta com sua sabedoria para promover, em seus filhos, o falar sobre a fome, tristeza, saudade, alegria... que sentem e para reagir a tais relatos. E é exatamente isso que o estudioso do comportamento quer saber: como ela faz isso? Como ela aprendeu a fazer isso? Por que o faz? Ao concluir seu artigo, Skinner explicita uma hipótese que, segundo ele, é decorrente dessa maneira de entender os dilemas metodoló-gicos enfrentados pela psicologia:

Segue-se, muito naturalmente, a hipótese adi-cional de que ser consciente, como uma forma de reagir a seu próprio comportamento, é um produto social. (...) A hipótese é equivalente a dizer que é apenas porque o comportamento do indivíduo é importante para a sociedade que a sociedade, por sua vez, torna o comportamento importante para o indivíduo. O indivíduo torna-se consciente do que ele está fazendo apenas depois que a sociedade tiver reforçado respostas verbais com relação a seu comportamento como fonte de estímulos discriminativos. (p.425)

Com essa explicitação, Skinner indica toda “radicalidade” de seu behaviorismo: nenhum fenômeno humano é retirado do âmbito de estudo da psicologia, ou seja, cabe à psicologia estudar os fenômenos humanos em sua totalidade e complexidade e, para isso, não é necessário supor a existência de uma dimensão especial do mundo diferente da dimensão material.

Terceiro exemplo: o modelo de causalidade

Nosso terceiro e último exemplo refere-se não a um artigo de Skinner e sim a um de seus livros. Logo na introdução de seu livro About Behaviorism (1974), Skinner lista vinte críticas comumente feitas ao behaviorismo radical e, segundo ele, tais críticas indicam que sua proposta não foi bem compreendida; o livro é escrito, então, com o objetivo de esclarecê-la. Tal como no primeiro artigo considerado (Skinner, 1969/1963), Skinner distingue o behaviorismo da análise do comportamento:

O behaviorismo não é a ciência do comportamento humano; ele é a filosofia dessa ciência. Estas são algumas das questões de que ele trata: tal ciência é realmente possível? ela pode explicar cada aspecto do comportamento? quais métodos ela pode usar? suas leis são tão válidas quanto às da física e da biologia? ela levará a uma tecnologia e, se o fizer, que papel terá nos assuntos humanos? Particularmente importante é sua posição sobre os tratamentos anteriores do mesmo objeto. O comportamento humano é o aspecto mais familiar do mundo no qual as pessoas vivem e mais deve ter sido dito sobre ele do que sobre qualquer outra coisa; quanto do que foi dito merece ser mantido? (p. 3).

Com esta última questão, parece inevitável que a apresentação do behaviorismo radical seja feita por meio de contraposições com outras posições existentes na psicologia ou mesmo em outras áreas do saber que tratem do comportamento humano. O que é interessante, neste caso, é que esta contraposição estará guiada pelo modelo de causalidade que está sendo assumido quando ações humanas são explicadas. O primeiro capítulo do livro tem como título As causas do comportamento e nele Skinner apresenta como ele entende as primeiras tentativas em psicologia de localizar as causas do comportamento, os problemas gerados por essas tentativas e alguns dos caminhos trilhados pela psicologia para enfrentar tais problemas. O behaviorismo radical será um desses caminhos.

Para acompanharmos essa análise, o primeiro parágrafo do capítulo é parada obrigatória:

Por que as pessoas se comportam como elas se comportam? Esta foi, provavelmente, primeiro uma questão prática: como uma pessoa poderia antecipar e, então, preparar-se para o que outra pessoa faria? Mais tarde a questão tornou-se prática em outro sentido: Como outra pessoa poderia ser induzida a comportar-se de uma dada maneira? Finalmente, a questão tornou-se um problema de entender e explicar o comportamento. Ela poderia sempre ser reduzida a uma questão sobre causas. (p.9).

Um primeiro aspecto a ser destacado é que perguntas do tipo 'por que?' são vistas como perguntas sobre causas; assim, as perguntas 'por que as pessoas se comportam?' e 'quais as causas do comportamento humano?' são equivalentes. Além disso, podemos dizer que, neste pequeno parágrafo, Skinner apresenta de forma genérica diferentes momentos que identifica na preocupação dos homens com as causas do comportamento humano. Segundo ele, três diferentes momentos podem ser identificados.

Nos dois primeiros momentos, os homens foram levados a buscar as causas do comportamento (dos outros homens) por razões práticas. Inicialmente, procuravam as causas para poder “antecipar e, então, preparar-se para o que outra pessoa faria”. É possível supor que estamos falando de um período muito primitivo da história do homem, já que parece não haver, entre um homem (o homem que 'busca as causas') e outro (aquele cujo comportamento é o 'objeto da busca'), nenhuma possibilidade de controle (os homens apenas poderiam prever o que outros homens fariam e preparar-se para isso), o que poderia sugerir a ausência de relações sociais complexas envolvidas na organização (e, portan-to, poder de controle) de grupos. No segundo momento, a busca de causas já envolve uma possibilidade de controle, pois os homens já almejavam identificar formas para “induzir uma outra pessoa a comportar-se de determinada maneira”. Aparentemente, estamos falando de um homem já com algum poder de controlar o comportamento de outro homem, o que sugere a presença de relações mais complexas entre eles.

O terceiro momento difere dos dois anteriores por conta do motivo pelo qual a pergunta é feita: o homem passou a buscar as causas do comportamento humano para “compreender e explicar o comportamento”. Estamos falando de um homem que quer saber as causas do comportamento humano não mais por razões exclusivamente práticas (e, possivelmente, pessoais e imediatas), mas de um homem que se confrontava com um (novo) objeto de estudo - o comportamento humano - e que, para “compreender e explicar” esse objeto, buscava suas causas.

A psicologia, como uma disciplina voltada para o estudo do comportamento humano e que busca suas causas para poder compreendê-lo e explicá-lo, estaria inserida nesse terceiro momento (não necessariamente iniciando o terceiro momento). Vista assim, ela seria herdeira de toda essa história, o que quer dizer que sua busca das causas do comportamento humano, mesmo que desvinculada de razões práticas imediatas, carregará a sabedoria produzida na longa história humana no trato com as causas do comportamento.

No segundo parágrafo do capítulo, Skinner mostra o que significou ser herdeira dessa história:

Nós tendemos a dizer, com freqüência precipitadamente, que se uma coisa segue outra, ela foi, provavelmente, causada pela outra, seguindo o antigo princípio post hoc, ergo propter hoc (depois disso, logo por causa disso). Dos muitos exemplos encontrados na explicação do comportamento humano, um é especialmente importante aqui. A pessoa com a qual nós estamos mais familiarizados somos nós mesmos; muitas das coisas que observamos exatamente antes de nos comportarmos ocorrem dentro de nosso corpo e é fácil tomá-las como causas de nosso comportamento. (p.9).

A origem primitiva da pergunta sobre as causas faz com que o estudioso do comportamento procure suas causas naquilo que acontece imediatamente antes do comportamento, comprometendo-se, assim, com uma noção de causalidade genericamente chamada de mecanicista. Supostamente, em função de um conjunto variado de razões (entre elas, a existência de relações mecânicas entre determinados eventos), as relações entre eventos imediatamente antecedentes (vistos como as causas) e o comportamento (visto como o efeito) foram mais facilmente identificáveis e, posteriormente, manipuláveis. Dentre todas as implicações possíveis dessa herança, Skinner destaca aquela que conduzirá ao mentalismo. Segundo ele, diferentemente do que acontece com outros objetos de estudo, ao estudar o comportamento, o estudioso pode tomar a si mesmo como ponto de partida. Fazendo isso, e continuando a tradição de buscar as causas nas condições antecedentes imediatas, este estudioso procurará as causas naquilo que ele mais facilmente observa como acontecendo imediatamente antes de suas ações e a primeira coisa que ele encontra é o que ele observa estar acontecendo em seu próprio corpo. Devemos notar, aqui, que poderíamos trocar 'observação' por 'introspecção', como resultado “é fácil tomá-las [as coisas que 'introspectamos'] como as causas de nosso comportamento”. Como afirma Skinner,

Os sentimentos ocorrem no momento exatamente apropriado para servirem como causas do comportamento e eles têm sido citados como tais por séculos. Nós assumimos que outras pessoas sentem como nós sentimos quando elas se comportam como nós nos comportamos. (p.10).

Estão aí as bases do modelo explanatório mais difundido em psicologia: a) os estados internos sentidos estão 'no lugar certo' das causas, dentro da tradição de buscar as causas nas condições antecedentes imediatas e b) supomos que as outras pessoas sentem o que nós sentimos quando as vemos fazer as coisas que nós fazemos; é esta última suposição que permite a seguinte prática bastante difundida: observamos as respostas de uma pessoa e, tendo como único fundamento essa observação, supomos a presença de um determinado 'estado interno' que, então, é visto como a causa da resposta que observamos; ou seja, a resposta é o único indicador de sua causa.

Segundo Skinner, a adoção desta forma de pensar trouxe para os estudiosos da psicologia um conjunto de questões relativas à sua fundamentação: os eventos considerados como causas das respostas não se apresentam a si mesmos para observação do estudioso, então, onde estão esses eventos? Se eles não podem ser observados tal como o são as res-postas das quais são causa, serão eles constituídos do mesmo material que constitui as respostas, ou em outras palavras, eles pertencerão à mesma dimensão de eventos à qual pertencem as respostas observadas?

A resposta tradicional é que eles estão localizados em um mundo de dimensões não-físicas chamado mente e que eles são mentais. Mas, então, outra questão se coloca: como pode um evento mental causar ou ser causado por um evento físico? (Skinner, 1974, p.10)

Estas respostas referendavam a crença na existência de diferentes dimensões do universo e a divisão dos eventos em dois tipos (mentais e corporais); os defensores desta posição comprometiam-se, assim, com uma concepção dualista (afirmar a existência de duas dimensões distintas no universo) e mentalista (afirmar que as causas devem ser procuradas na dimensão mental). Tal concepção, como destaca Skinner, precisará enfrentar mais um conjunto de questões: se os eventos pertencerem a dimensões diferentes, como eventos de uma dimensão poderão interagir com eventos de outra dimensão? como podem eventos de dimensões diferentes causarem-se uns aos outros? como as causas mentais (devemos lembrar que elas não se apresentam para observação da mesma forma que as res-postas) podem ser identificadas? como as causas mentais podem ser produzidas?

E como a psicologia vem enfrentando os desafios filosóficos envolvidos por tais questões? Para Skinner, a psicologia não tem enfrentado esses desafios e ele indica quatro estratégias por meio das quais tem sido possível evitá-las: 1) os desafios simplesmente são ignorados, 2) o estudioso da psicologia busca refúgio em outras áreas do conhecimento que, aparentemente, não enfrentam esses problemas, 3) a busca de causas do comportamento é abandonada, e 4) os sentimentos e estados internos são vistos como elos intermediários em uma seqüência causal, dos quais o estudo científico do comportamento pode prescindir.

Dentre essas quatro possibilidades, a prática mais difundida na psicologia tem sido a de ignorar os desafios e continuar estudando o comportamento como se tal estudo não envolvesse nenhum compromisso filosófico, como se ele não implicasse algum tipo de resposta para as questões feitas: “é possível acreditar que o comportamento expressa sentimentos, antecipar o que uma pessoa fará, adivinhando ou perguntando a ela como ela se sente, e mudar o ambiente na esperança de mudar sentimentos” (pp.10-11) sem reconhecer que estas crenças e práticas, queiramos ou não, implicam determinadas posições filosóficas.

Para aqueles que não se sentem “muito confortáveis com tal estratégia”, há uma outra possibilidade de não enfrentamento: o “refúgio na fisiologia” (p.11); a redução do objeto da psicologia à fisiologia ou neurologia tem sido vista como uma alternativa que parece escapar dos problemas colocados pela adoção do mentalismo: “Tem sido dito que, finalmente, deverá ser descoberto que a mente tem bases físicas” (p.11).

Se essas duas estratégias de não enfrentamento podem, aparentemente, permitir que se continue a estudar o comportamento, elas são, segundo Skinner, fonte de problemas “práticos” que, dificilmente, podem ser camuflados: “nós não podemos antecipar o que uma pessoa fará olhando diretamente para seus sentimentos ou seu sistema nervoso, nem podemos mudar seu comportamento mudando sua mente ou seu cérebro” (p.11), fora das condições de laboratório especialmente planejadas para produzir tais possibilidades. Parece, assim, que não enfrentando as questões sobre os fundamentos de suas práticas e, em última instância, mantendo-se no âmbito do dualismo e do mentalismo, a psicologia perde qualquer possibilidade de prever (antecipar) o que uma pessoa fará e qualquer possibilidade de controlar (induzir) esse fazer, enquanto parte do fluxo de fenômenos do cotidiano. Se voltarmos, agora, ao primeiro parágrafo do capítulo que estamos analisando (o segundo trecho citado, neste terceiro exemplo), veremos que foi com a previsão e, logo a seguir, com o controle que começou toda história sobre a preocupação dos homens com as causas do comportamento humano. É como se a psicologia, participante do terceiro momento dessa história, mantivesse apenas parte da herança (a parte relativa às crenças derivadas da prática) e perdesse todos os vínculos com a outra parte (a das possibilidades de atuação prática) dos dois momentos anteriores, e ficando, em certo sentido, aquém desses momentos (a compreensão e a explicação do comportamento que ela produz não permitem a previsão e controle desse mesmo comportamento).

A terceira possibilidade de não enfrentamento dos desafios é, por assim dizer, mais direta: “Uma estratégia mais explícita é abandonar a busca de causas e simplesmente descrever o que as pessoas fazem” (p.11). Skinner refere-se, neste caso, a diferentes teorias em psicologia e em outras áreas que também estudam o comportamento humano (antropologia, política e lingüística, por exemplo) que têm como características a descrição cuidadosa e exaustiva de comportamentos de forma a identificar regularidades na maneira das pessoas agirem, padrões de comportamento e, então, descobrir “princípios organizadores na estrutura do comportamento” que, em alguns casos, podem ser vistos como função de outras variáveis, tais como “tempo e idade” (pp.11-12); Skinner agrupa essas teorias sob o rótulo de estruturalismo. Segundo ele, a estratégia estruturalista acaba deixando espaço para a “sobrevivência de conceitos mentalistas” pois quando explicações se tornam necessárias (por exemplo, quando se busca o porquê de determinado princípio organizador) elas são encontradas em tais conceitos: “em resumo, o estruturalismo nos diz como pessoas se comportam, mas esclarece muito pouco porque elas se comportam dessa maneira. Ele não responde a questão com a qual começamos”. (p.12). No que se refere aos problemas de atuação prática, os conhecimentos produzidos sob orientação estruturalista permitem certos tipos de predição: a) a freqüência dos comportamentos envolvida na identificação de um determinado padrão nos faz supor que tal comportamento voltará a ocorrer e b) a partir da estrutura do comportamento e/ou de variáveis relacionadas a ela (idade, por exemplo) podem ser previstos comportamentos. Entretanto, tais conhecimentos não permitem o controle, pois, restringindo-se à descrição, eles não envolvem as variáveis que determinam o comportamento e quando parecem envolver tais variáveis, elas não podem ser manipuladas de forma a produzir um determinado comportamento (como é o caso das variáveis “idade” e “tempo”). “Evitar o men-talismo (...) recusando-se a procurar as causas exige seu preço” (p.12).

A quarta possibilidade de não enfrentamento dos desafios, tal como a anterior, apresenta-se como uma tentativa de evitar o mentalismo; neste caso, isto é feito por meio da suposição de uma determinada cadeia causal composta por três elos que ocorreriam sempre na mesma seqüência (evento físico -> evento mental -> evento físico) e da limitação do estudo científico a determinados elos dessa cadeia (os elos que envolvem eventos físicos):

O problema mentalista pode ser evitado indo diretamente às causas físicas antecedentes ao mesmo tempo em que se desvia dos sentimentos ou estados da mente intermediários. A maneira mais rápida de fazer isso é (...) considerar apenas aqueles fatos que podem ser objetivamente observados no comportamento de uma pessoa em sua relação com sua história ambiental anterior. Se a cadeia toda é sujeita a leis, nada é perdido ao desconsiderar um suposto elo não-físico. (p.13).

Em outras palavras, supõe-se que alguns eventos físicos produzem determinados eventos mentais que, por sua vez, produzem outros eventos físicos - as respostas que obser-vamos. Entretanto, supõe-se, também, que a ciência deve restringir-se a eventos que possam ser diretamente observados por mais de um observador (só assim podem “ser objetivamente observados” e podemos avaliar a verdade ou falsidade das afirmações sobre eles) e esta condição só é atendida pelos eventos físicos. E, por fim, supõe-se que a primeira suposição permite atender a exigência da segunda: se um evento físico “x” produz re-gularmente um evento mental “y” e este evento mental “y” produz regularmente um evento físico “z”, de tal forma que a seqüência x -> y -> z ocorre com regularidade, é possível res-tringir o estudo aos dois elos “x” e “z”, pois “x” será regularmente seguido por “z”; diante de “x” pode-se prever “z” e pode-se produzir “z”, manipulando “x”. Desta forma, mesmo supondo a existência de eventos mentais e seu papel causal no comportamento, o estudo é limitado aos eventos físicos. O operacionismo foi visto, pelos behavioristas metodológicos, como uma das maneiras de garantir que os estudiosos em psicologia lidassem apenas com eventos que pudessem ser “objetivamente observados”.

Ao limitar o estudo apenas a tais eventos, o behaviorismo metodológico acabou por tornar desnecessário o recurso à introspecção: se lidarmos apenas com eventos que um observador independente pode observar, não precisaremos mais recorrer ao relato do sujeito, instrumento visto como necessário quando se lida com eventos aos quais apenas o sujeito tem acesso. Segundo Skinner, isso possibilitou a inclusão, na psicologia, de estudos sobre espécies não humanas e de estudos comparativos entre a espécie humana e outras espécies. Apesar das novas possibilidades abertas e apesar de se apresentar como uma tentativa de evitar o mentalismo, o behaviorismo metodológico pode ser considerado como uma reafirmação do mentalismo: “a maior parte dos behavioristas metodológicos admitiu a existência de eventos mentais ao mesmo tempo em que os excluiu de consideração” (p.15). Após apresentar sua visão dessas quatro possibilidades que se apresentavam para se fazer psicologia, Skinner passa a apresentar qual seria a sua proposta para esse fazer, indicando no que ela se diferencia das demais:

O behaviorismo metodológico e algumas versões do positivismo lógico colocaram os eventos privados fora dos limites [da ciência] porque não seria possível acordo público sobre sua validade. A introspecção não poderia ser aceita como prática científica (...) O behaviorismo radical, porém, segue uma linha diferente. Ele não nega a possibilidade de auto-observação ou de autoconhecimento ou sua possível utilidade, mas questiona a natureza do que é sentido ou observado e, então, conhecido. Ele restaura a introspecção, mas não o que os filósofos e psicólogos que recorriam à introspecção acreditavam estar 'espectando' e ele coloca a questão de quanto alguém pode observar seu próprio corpo. (p.16).

Como destaca Skinner, o behaviorismo radical se contrapõe tanto a vertentes mentalistas como também a vertentes que buscavam evitar o mentalismo (no caso, o behaviorismo metodológico). Diferentemente do behaviorismo metodológico, ele considera possível o estudo de eventos privados, porém, diferentemente do mentalismo, não atribui a esses eventos nenhuma natureza especial: o behaviorismo radical questiona a natureza especial (mental, psíquica) que vinha sendo atribuída ao que era sentido ou observado quando alguém recorria à introspecção. Dessa forma, a introspecção não é um procedimento descartado ou banido como fonte de informação sobre o comportamento humano; o que os behavioristas radicais recusam é a natureza não física que se acreditava tinham os eventos com os quais interagia aquele que se auto-observava. Trata-se de considerar os eventos como de uma mesma e única natureza (material) e de examinar a auto-observação como um procedimento para a produção de informações. Estes são traços fundamentais do behaviorismo radical e implicam algumas rupturas com a visão mais difundida do que se considera como características do processo de produção de conhecimento científico:

Ele [o behaviorismo radical] não insiste na verdade por acordo e pode, portanto, considerar eventos que ocorrem no mundo privado dentro da pele. Ele não qualifica esses eventos como inobserváveis e não os rejeita como subjetivos. Simplesmente questiona a natureza do objeto observado e a confiabilidade das observações. (pp.16-17).

O behaviorismo radical não adota, assim, o difundido critério de verdade que é o acordo público entre dois observadores independentes8 e é isto que permite que ele não exclua nenhum evento do campo da psicologia com base na possibilidade dele ser observado diretamente por dois observadores independentes. Por isso, tais eventos não são classificados como não-observáveis já que podem ser observados por meio de auto-observação e, como todos os eventos relativos ao comportamento humano referem-se sempre a um sujeito (e, mais, é sempre um sujeito que realiza uma observação, seja qual for o objeto observado), não há razão para rejeitar os eventos privados por serem subjetivos. Em certa medida, todos os eventos referem-se ou são conhecidos por um sujeito. Entretanto, “isto não significa (e este é o cerne do argumento [behaviorista radical]) que os eventos que são sentidos ou introspectivamente observados sejam as causas do comportamento” (p.17).

Este último destaque feito por Skinner é, como ele mesmo indica (“o cerne do argumento”), fundamental para a compreensão da proposta behaviorista radical. Ao considerar os eventos privados como eventos materiais, tal como são os demais eventos com os quais lida a psicologia, e ao considerá-los como parte do objeto de estudo da psicologia, o behaviorismo radical está afirmando que eles são parte daquilo que a psicologia deve descrever e explicar; eles não são vistos como eventos que explicam o comportamento. O behaviorismo radical busca as causas do comportamento, a explicação do comportamento, nas “histórias genética e ambiental de uma pessoa” (p.17).

O ambiente fez sua primeira grande contribuição durante a evolução das espécies, mas ele exerce um tipo diferente de efeito durante a vida de um indivíduo e a combinação dos dois efeitos é o comportamento que nós observamos em qualquer momento dado. Qualquer informação disponível sobre qualquer uma das duas contribuições auxilia na predição e controle do comportamento humano e sua interpretação na vida cotidiana. Na medida em que qualquer uma delas puder ser mudada, o comportamento pode ser mudado. (p.17).

O behaviorismo radical apresenta-se, assim, como uma proposta bastante peculiar para a psicologia. Em primeiro lugar, porque recusa as concepções tradicionais que marcaram o início da psicologia e são até hoje bastante difundidas, tendo como fundamento a recusa do dualismo e do mentalismo presentes em tais concepções. Mostra-se, assim, disposto a enfrentar os problemas filosóficos gerados pela adoção de tais concepções. Em segundo lugar, não fundamentando sua recusa em razões metodológicas, afasta-se das concepções que adotaram este caminho para evitar o mentalismo. Por fim, essa peculiaridade está presente, também, no recurso ao ambiente para busca das causas do comportamento. As razões que sustentam tal recurso afastam definitivamente o behaviorismo radical do behaviorismo metodológico que recorre ao ambiente por ser ele considerado como um dos elos vistos como observáveis e mensuráveis de uma cadeia causal composta por três elos (ambienteestados internosresposta). As razões do behaviorismo radical estão relacionadas à concepção de comportamento proposta: comportamento (qualquer que seja ele) é visto como interação entre o organismo e o ambiente; o comportamento atual é uma interação e é ao mesmo tempo produto de interações anteriores. Dessa forma, ao afirmar que 'as causas do comportamento estão no ambiente', o termo ambiente está sendo entendido de uma forma ampla, não reduzido àquele que está presente quando uma resposta ocorre.

Um último aspecto deve ser considerado para que a concepção behaviorista radical seja bem compreendida: a relação entre behaviorismo radical e análise experimental do comportamento. Como já foi visto, o behaviorismo radical, enquanto uma concepção dentro da filosofia da ciência, oferece os fundamentos para uma determinada prática científica, no caso, a análise experimental do comportamento. Entretanto, o desenvolvimento da análise experimental do comportamento tem trazido contribuições para uma melhor fundamentação da proposta behaviorista radical. Esse aspecto é destacado por Skinner em dois dos textos considerados aqui. No artigo sobre o cinqüentenário do behaviorismo, Skinner (1969/1963) afirma que durante esses cinqüenta anos “emergiu uma eficiente ciência experimental do comportamento” e “muito do que, ou o que se descobriu tem relação direta com a questão básica” (pp. 222-223) tratada pelo behaviorismo radical, ou seja, com “as dimensões das coisas estudadas pela psicologia e os métodos pertinentes a elas” (p.221). A mesma relação é afirmada no livro About behaviorism (Skinner, 1974):

O behaviorismo (...) beneficiando-se de avanços recentes na análise experimental do comportamento, olhou mais de perto para as condições nas quais as pessoas respondem ao mundo dentro da pele e pode agora analisar, um a um, os termos-chave do arsenal mentalista. (p.32).

Considerando a existência dessa relação bidirecional entre behaviorismo radical e análise experimental do comportamento, a compreensão das características básicas do behaviorismo radical parece exigir o domínio dos conceitos e dos resultados experimentais envolvidos nos processos comportamentais relacionados a tais características.

Questões de estudo

1. Algumas questões dirigem a contraposição que Skinner faz entre sua proposta para a psicologia e outras propostas já existentes. Quais são essas questões?

Primeiro exemplo: o objeto e os métodos da psicologia

2. Quais os dois caminhos alternativos para a psicologia na definição de seu objeto de estudos e dos métodos apropriados para estudá-lo?

3. Qual a diferença entre as duas alternativas?

Segundo exemplo: o operacionismo

4. Em termos gerais, como pode ser entendido o operacionismo?

5. A que poderia ser devido o impacto inicial que o operacionalismo teve na psicologia?

6. Que razões históricas são apontadas por Skinner quanto ao fato do operacionismo não ter trazido uma nova contribuição para a prática dos cientistas?

7. Segundo Skinner, como seriam superados os obstáculos criados pela ausência de uma teoria não dualista para tratar de fenômenos denominados de “linguagem”?

8. O que são considerados termos subjetivos?

9. Onde devem ser buscados “os significados, os conteúdos e os referentes”?

10. Quais os dois aspectos, mencionados por Skinner, que precisamos conhecer sobre os termos subjetivos?

11. O que pode ser apontado como radica-lidade do behaviorismo de Skinner?

Terceiro exemplo: o modelo de causalidade

12. Quais questões são tratadas pelo behaviorismo?

13. Três momentos são identificados na preocupação do homem com as causas do comportamento:

a) o que caracteriza os dois primeiros momentos?

b) qual a diferença entre o primeiro e o segundo momentos?

c) o que caracteriza o terceiro momento?

14. Há alguma implicação da psicologia ser considerada como parte deste terceiro momento?

15. Com resultado dessa longa história de preocupação com as causas do comportamento, onde o estudioso do comportamento procura essas causas?

16. Quais as duas bases do modelo explanatório mais difundido em psicologia?

17. Para poder assumir esse modelo explanatório os estudiosos da psicologia precisavam responder algumas questões; quais eram essas questões?

18. Qual a resposta tradicional dada a essas questões?

19. Quais as novas questões decorrentes desta resposta?

20. Segundo Skinner, quais as quatro estratégias da psicologia para o não enfrentamento dos desafios filosóficos envolvidos por tais questões?

21. Qual a prática mais difundida na psicologia, dentre as quatro possibilidades mencionadas?

22. Qual a segunda possibilidade de não enfrentamento dos desafios filosóficos envolvidos por tais questões?

23. Segundo Skinner, quais os problemas gerados para a prática dos estudiosos em psicologia devido ao não enfrentamento dos desafios filosóficos envolvidos em tais questões?

24. Qual a terceira possibilidade de não enfrentamento dos desafios filosóficos envolvidos por tais questões? Como Skinner agrupa as diferentes teorias envolvidas nesta terceira possibilidade?

25. Explique a frase: “a estratégia estruturalista acaba deixando espaço para a 'sobrevivência' de conceitos mentalistas'”.

26. Quais os tipos de predição que o conhecimento produzido sob orientação estruturalista permitem?

27. Qual a quarta possibilidade de não enfrentamento dos desafios filosóficos?

28. Qual a implicação, segundo os behavioristas metodológicos, de lidarmos apenas com eventos físicos?

29. O que o behaviorismo metodológico tornou possível incluir nos estudos da psicologia?

30. O que significa dizer que “o behaviorismo metodológico pode ser considerado uma reafirmação do mentalismo”?

31. Qual a proposta de Skinner? Em que sua proposta se diferencia do behaviorismo metodológico?

32. Quais as rupturas do behaviorismo skinneriano com a visão mais difundida do que se considera como característica do processo de produção de conhecimento científico?

33. Por que não se deveria restringir o adjetivo ”subjetivo” a eventos privados?

34. Por que não se atribui aos eventos privados o papel de causa do comportamento?

35. Onde devem ser buscadas as causas do comportamento, segundo o behaviorismo radical?

36. Três aspectos são apontados para afirmar que a proposta do behaviorismo radical é peculiar na psicologia. Quais são eles?

37. Qual a relação entre análise do comporta-mento e behaviorismo radical?

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Recebido em: 04/11/2005

Primeira decisão editorial em: 12/12/2005

Versão final em: 20/12/2005

Aceito em: 20/12/2005

1 Este artigo foi elaborado como material didático da disciplina de psicologia Comportamental III da Faculdade de Psicologia da PUCSP, no primeiro semestre de 2005 e, como tal, esteve durante este período disponível no sítio do Programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento. O roteiro de leitura que o acompanha foi elaborado pela professora Dra. Paula Suzana Gioia.

2 Bolsista CNPq, Bolsa Produtividade em Pesquisa, processo no. 305032/02-0. Endereço para correspondência: teiaserio@uolcom.br

3 Há, hoje, um conjunto significativo de publicações nas quais propostas de B.F.Skinner para a psicologia são objeto de análise, de tal forma que listá-las e comentá-las daria origem a pelo menos um novo artigo. A título de exemplo, porém, algumas dessas publicações (com destaque itálico para aquelas produzidas em língua portuguesa) devem ser indicadas: Moore (1975, 1981, 2000), Day (1980,1983), Richelle (1981), Abib (1985, 1997), Modgil e Modgil (1986), Smith (1986), Tourinho (1988, 1994, 1995, 1997a, 1997b), Andery (1990), Lopes Junior (1992, 1997), Chiesa (1994), Micheletto (1995), Todd e Morris (1995), Carrara (1998), Carvalho Neto (2001), Moxley (2001).

4 Devemos ressaltar que neste trecho já fica pelo menos sugerida a distinção entre privacidade (“contato especial” que “cada pessoa” estabelece com determinados estímulos) e estímulo privado (estímulo ao qual apenas o indivíduo por ele afetado tem acesso direto). Além disso, é possível, também a partir desse trecho, supor que tais estímulos privados não são necessariamente ou exclusivamente estímulos proprioceptivos ou interoceptivos, pois ao apresentar seu exemplo, Skinner parece ressaltar que o escolheu por ser “um exemplo que não acarreta controvérsias”; podemos supor, a partir dessa afirmação, que existam exemplos nos quais a caracterização dos estímulos envolvidos possa trazer controvérsias; com isso, a expressão “dentro de sua própria pele” mereceria os mesmos reparos.

5 Este artigo teve origem na participação de Skinner em um simpósio sobre operacionismo, organizado por E.G. Boring; no artigo encontramos a apresentação que Skinner fez e partes do debate que ocorreu entre os expositores.

6 Para maior número e detalhes mais precisos sobre o operacionismo e sua importância na psicologia ver, por exemplo, Lopes Júnior (1992; 1997).

7 Para uma avaliação mais precisa sobre qual era esse behaviorismo e quem o defendia ver, por exemplo, Lopes Junior (1992), Tourinho (1995), Carrara (1998).

8 Como indica Skinner no artigo que analisamos no segundo exemplo citado (Skinner 1999/1945), “o critério último para a adequação de um conceito não é se duas pessoas chegam a um acordo, mas se o cientista que usa o conceito pode operar com sucesso sobre seu material" (p.429).

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