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Psicologia da Gestalt

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Por:   •  25/9/2014  •  Projeto de pesquisa  •  10.195 Palavras (41 Páginas)  •  1.033 Visualizações

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A Psicologia da Gestalt

Introdução

Influências Antecedentes sobre a Psicologia da Gestalt

A Fundação da Psicologia da Gestalt

Max Wertheimer (1880-1943)

Kurt Koffka (1886-1941)

Wolfgang Kôhler (1887-1967)

A Natureza da Revolta da Gestalt

A Teoria de Campo: Kurt Lewin (1890-1947)

Críticas à Psicologia da Gestalt

Contribuições da Psicologia da Gestalt

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momento em que o comportainentalismo começava a atacar Wundt, Titchener e o funcionalis mo. A pesquisa animal de Thomdike e Pavlov estivera em ascensão por uma década, a primeira formulação completa de sua posição fora feita por Thorndike nessa época, e a significação do reflexo condicionado de Pavlov para a psicologia estava em vias de ser reconhecida. Outra abordagem nova, a psicanálise, já tinha mais de dez anos.

O ataque dos gestaltistas à posição elementarista de Wundt foi simultânea, se bem que independente, ao movimento comportamentalista nos Estados Unidos. Ambas as escolas de pensamento começaram se opondo às mesmas idéias, mas chegariam a se opor uma à outra. Havia entre elas claras diferenças. Os psicólogos da Gestalt aceitavam o valor da consciência mas criticavam a tentativa de analisá-la em elementos; os comportainentalistas se recusavam até a reconhecer a existência da consciência para a psicologia.

Os psicólogos da Gestalt referiam-se à abordagem wundtiana (tal como a compreendiam) como a psicologia do “tijolo e argamassa”, querendo dizer com isso que os elementos (os tijolos) eram mantidos juntos pela argamassa do

processo de associação. Eles afirmavam que, quando olhamos para fora de uma janela, vemos imediatamente as árvores e o céu, e não pretensos elementos sensoriais, como brilhos e matizes, que possam constituir a nossa percep ção das árvores e do céu. Além disso, acusavam os wundtianos de afirmar que a nossa percepção dos objetos consiste apenas na acumulação ou soma de elementos em grupos ou coleções. Os psicólogos da Gestalt afirmavam que, quando os elementos sensoriais são com binados, forma-se algum novo padrão ou configuração. Juntemos algumas notas musicais e algo novo — uma melodia ou tom — surge da combinação, uma coisa que não existia em nenhum dos elementos individuais ou notas. Em termos sucintos: o todo é distinto da soma de suas partes. Deve-se observar, no entanto, que Wundt reconhecia esse ponto em sua doutrina da apercepção.

Para ilustrar a diferença entre as abordagens gestaltista e wundtiana da percepção,

imagine que você é um sujeito num laboratório de psicologia da Alemanha perto de 1915. O

psicólogo encarregado lhe pergunta o que você está vendo na mesa. Você diz:

- Um livro.

— Sim, claro, é um livro .- ele concorda —, mas o que você de fato vê?

— O que você quer dizer com o que de fato vejo? — você pergunta, atônito. — Eu lhe disse que vejo um livro. É um pequeno livro de capa vermelha.

O psicólogo é persistente. — Qual é realmente a sua percepção? — ele insiste. — Descreva-a pare mim com toda a exatidão que puder.

- Você quer dizer que não é um livro? De que se trata, alguma espécie de truque?

Há indícios de impaciência. — Sim, é um livro. Não há nenhum truque. Eu só quero que

você descreva para mim o que você vê exatamente, nem mais nem menos.

A essa altura, você já está todo desconfiado. — Bem, deste ângulo, a capa do livro parece

um paralelogramo vermelho escuro — você diz.

— Sim — ele diz, satisfeito. — Sim, você está vendo uma mancha vermelha escura com a forma de um paralelogramo. E que mais?

— Há um rebordo branco acinzentado abaixo dela e outra linha tênue vermelha escura depois daquela. Sob o livro, vejo a mesa... — Ele se empertiga. — Ao redor do livro vejo algo parecido com um acastanhado escuro com barras onduladas de castanho mais claro correndo mais ou menos paralelas umas às outras.

- Muito bem, muito bem. - Ele lhe agradece pela cooperação.

Enquanto fica ali parado olhando o livro na mesa, você se sente um pouco embaraçado

porque aquele camarada persistente conseguiu levá-lo a semelhante análise. Ele fez você ficar tão

cauteloso que você já não tinha nenhuma certeza do que realmente via e do que apenas pensava

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que via... Em sua cautela, você começou a falar do que via em termos de sensações, quando apenas um momento antes tinha bastante certeza de perceber um livro sobre a mesa.

Seu devaneio é subitainente interrompido pelo aparecimento de um psicólogo que se parece vagamente com Wilhelrn Wundt. — Obrigado por ajudar a confirmar mais urna vez minha teoria da percepção. Você provou — diz ele — que o livro que vê não passa de um composto de sensações elementares. Quando estava tentando ser preciso e dizer exatamente o que viu de fato, você teve de falar em termos de manchas de cor, e não de objetos. As sensações de cor é que são primárias, e todo objeto visual pode ser reduzido a elas. Sua percepção do livro é

construída a partir de sensações, do mesmo modo como uma molécula é construída a partir de átomos.

Esse pequeno discurso é, ao que parece, um sinal para a batalha começar. — É um absurdo!

— grita uma voz do extremo oposto da sala — um absurdo! Qualquer idiota sabe que o livro é o fato primário, imediato, direto, incontestável e perceptível!

O psicólogo que nos olha agora tem uma ligeira semelhança com William James, mas parece ter sotaque alemão, e o seu rosto tem um ar tão furioso que você não pode ter certeza. — Essa redução de uma percepção a sensações de que vocês não param de falar não passa de jogo intelectual. Um objeto não é apenas um grupo de sensações. Qualqüer pessoa que ande por aí vendo manchas vermelhas escuras quando devia ver livros está doente!

Como a batalha começa a ficar acalorada, você fecha a porta bem devagar e foge dali. Você

teve o que queria, um exemplo de que há duas atitudes diferentes, dois modos distintos de falar

sobre a informação que os nossos sentidos fornecem (Miller, 1962, pp. 1O3

Os psicólogos gestaltistas acreditam que há mais coisas na percepção do que vêem os nossos olhos, que a nossa percepção vai além dos elementos sensoriais, dos dados físicos

básicos fornecidos pelos órgãos dos sentidos.

Influências Antecedentes Sobre a Psicologia da Gestalt

Tal como ocorre com todos os movimentos, as idéias do protesto gestaltista têm seus antecedentes históricos. A base dessa posição, seu foco na unidade da percepção, pode ser encontrada na obra do filósofo alemão Immanuel Kant (1724- 1804). Esse homem eminent&, que nunca se aventurou a se afastar mais de noventa quilômetros de sua terra natal, dominou o pensamento filosófico por mais

de uma geração. Embora menos ampla do que a sua contribuição à filosofia, a que ele deu à psicologia tem importância.

Kant influenciou a psicologia graças à sua ênfase na unidade de um ato perceptivo. Ele afirmava que, quando percebemos o que denominamos objetos, deparamos com estados men tais que poderiam parecer compostos de pedaços de fragmentos; esses são os elementos sensoriais de que os empiristas e associacionistas britânicos se ocupavam. Contudo, esses elementos são organizados significativamente a prior!, e não por meio de algum processo mecâ.nico de associação. A mente, no processo de percepção, forma ou cria uma experiência unitária.

Segundo Kant, a percepção não é uma impressão e combinação passiva de elementos sensoriais, como afirmava a escola britânica, mas uma organização ativa desses elementos numa experiência coerente. Logo, a mente confere forma e organização ao material bruto da percepção. Essa posição se opõe à doutrina da associação. Para Kant, algumas das formas que a mente impõe à experiência são inatas (como o espaço, o tempo e a causalidade), no sentido de não serem derivadas da experiência, mas existirem na mente como intuitivamente cognoscíveis.

O psicólogo Franz Brentano (1838-1917), da Universidade de Viena, se opôs ao foco de Wundt sobre os elementos ou conteúdo da experiência consciente, tendo proposto que e

* Extraido das págs. 103-105 de Psychoiogy, de George A. Miller. Copyright 1962 de George A. Miflez Reproduzido com permissão de Haiper & Row, Pubtishers, Inc.

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psicologia estudasse, em vez disso, o processo ou ato da experiência (Capítulo 4). Assim sendo, ele foi um precursor do movimento gestaltista formal. Ele considerava a introspecção wundtiana artificial, favorecendo uma observação menos rígida e mais direta da experiência tal como ela ocorre, mais ou menos como o método ulterior da Gestalt.

Ernst Mach (1839-1916), professor de física da Universidade de Praga, exerceu uma influência mais direta sobre a revolução da Gestalt. Em seu livro The Analysis of Sensations (A Análise das Sensações), de 1885, Mach escreveu sobre sensações da forma do espaço e da forma do tempo. Ele considerou os padrões espaciais como figuras geométricas e os padrões temporais como melodias sensações. Essas sensações da forma do espaço e da forma do tempo independiain dos seus elementos. Por exemplo, a forma do espaço de um circulo poderia ser branca ou preta, grande ou pequena, e nada perder de sua qualidade elementar de circularidade.

Mach afirmava que nossa percepção visual ou auditiva de um objeto não muda mesmo que modifiquemos nossa orientação espacial com relação a ele. Uma mesa permanece como tal em nossa percepção quer a olhemos de lado, de cima ou de um dado ângulo. Do mesmo modo, uma série de sons permanece a mesma na nossa percepção ainda quando sua forma do tempo é modificada, isto é, quando ela é tocada mais rápida ou mais devagar.

As idéias de Mach foram ampliadas por Christian von Ehrenfels (1859-1932), que trabalhava em Viena e (3raz. Ele sugeriu que há qualidades da experiência que não podem ser explicadas em termos de combinações de sensações. Ele denominou essas qualidades Gestait qualitáten (qualidades configuracionais), percepções baseadas em algo que vai além das sen sações individuais. Uma melodia, por exemplo, é uma qualidade configuracional porque soa da mesma maneira inclusive quando transposta para tonalidades diferentes. Assim, a melodia independe das sensações particulares de que é composta. Para Ehrenfels e a escola austríaca da Ge.stalt qualit. instalada em Oraz, a própria configuração era um elemento (se bem que não uma sensação), um novo elemento criado pela ação da mente sobre os elementos senso- riais. Logo, a mente configura a partir de sensações elementares.

Embora seguissem as linhas que viriam a ser conhecidas como psicologia da Gestalt, Mach e Ehrenfels se desviaram um pouco da posição elementarista ortodoxa. Em vez de se oporem à noção de elementarismo, como os gestaltistas

mais tarde fariam, eles apenas acrescentaram a configuração como um novo elemento. Ainda que criticassem a mesma posição criticada pelos psicólogos da Gestalt, eles davam uma solução diferente. Mesmo assim, Ehrenfels em particular teve um certo impacto sobre o movimento da Gestalt. Max Wertheimer, um dos fundadores, estudou com ele em Praga. No artigo de Wertheimer reproduzido neste capítulo, ele observou que o impulso mais importante para o movimento da Gestalt veio da obra de Ehrenfels.

William James, adversário do elementarismo psicológico, também foi precursor da Ges talt. Ele considerava os elementos da consciência abstrações artificiais e enfatizou que vemos

objetos como um todo, e não como feixes de sensações.

Outra influência antecedente é o movimento fenomenológico na psicologia e na filosofia alemãs. Metodologicamente, a fenomenologia se refere a uma descrição imparcial da expe riência imediata tal como ela ocorre. É uma observação não corrigida em que a experiência não é analisada em elementos nem abstraída artificialmente de alguma outra maneira. A fenomenologia envolve a experiência quase ingênua do senso comum, e não a experiência relatada por um introspector treinado que segue uma orientação sistemática particular.

Um grupo de psicólogos fenomenológicos trabalhou no laboratório de G. E. Müller na Universidade do Gí5ttingen, Alemanha, entre 1909 e 1915, período em que o movimento da Gestalt estava em seus primórdios. Esses psicólogos, incluindo Erich R. Jaensch, David Katz e Edgar Rubin, fizeram extensas pesquisas fenomenológicas. Seu trabalho antecipou a escola de pensamento formal da Gestalt, que adotou sua abordagem.

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Não se pode deixar de lado, entre as influências antecedentes da Gestalt, o Zeitgeist, particularmente o clima intelectual da física. Nas últimas décadas do século XIX, essa disci plina tornava-se menos atomista à medida que os físicos iam reconhecendo e a aceitando noção de campos de força (regiões ou espaços

cruzados por linhas de força, como as geradas por uma corrente elétrica ou um ímã).

O exemplo clássico dessa nova direção na física é o magnetismo, uma propriedade ou qualidade que parecia difícil de definir ou compreender em termos tradicionais galileu-newto nianos. Por exemplo, quando se agita limalha de ferro numa folha de papel apoiada no topo de um imã, a limalha se organiza segundo um padrão característico. Os fragmentos não tocam no ímã, mas são evidentemente afetados pelo campo de força que está ao seu redor. Conside rava- se que a luz e a eletricidade operavam de maneira semelhante. Considerava-se que esses campos de força eram dotados das propriedades de extensão e de padrão ou configuração espaciais. Em outras palavras, eles eram considerados novas entidades estruturais, e não o somatório dos efeitos de elementos ou partículas individuais.

Assim, a noção de atomismo ou elementarismo, que tivera tanta influência no estabele cimento da nova ciência da psicologia, estava sendo reconsiderada na física. Os físicos estavam começando a pensar em termos de campos ou todos orgânicos, um conceito compatível com a psicologia da Gestalt. As mudanças oferecidas à psicologia pelos psicólogos da Gestalt refletiam as mudanças na física da época, pois os psicólogos se esforçavam outra vez para acompanhar as antigas e bem estabelecidas ciências naturais.

O impacto sobre a psicologia dessa alteração de ênfase na física surgiu em tennos pessoais. Wolfgang Kóhler tinha uma sólida formação em física e tinha estudado com Max Planck, um dos arquitetos da física moderna. Kõhler escreveu que foi devido à influência de Planck que ele começou a perceber um vinculo entre a física dos campos e a ênfase da Gestalt no todo. Ele viu na física uma crescente relutância em continuar a tratar de elementos como átomos e moléculas e a tendência a se concentrar em sistemas mais amplos ou campos. Ele afirmou que “desde então, a psicologia da Gestalt se tornou uma espécie de aplicação da física dos campos a partes essenciais da psicologia” (K 1969, p. 77).

O fundador do comportamentalismo, John B. Watson, em contrapartida, ao que parece não tinha conhecimento da nova física, e continuou a desenvolver uma abordagem reducionista da psicologia que se concentrava em elementos — os elementos de comportamento —, concep ção compatível com os princípios da antiga física atomística.

A Fundação da Psicologia da Gestalt

O movimento formal conhecido como psicologia da Gestalt surgiu de uma pesquisa feita em 1910 por Max Wertheimer. Durante as férias, quando viajava num trem, Wertheimer teve a idéia de fazer uma experiência sobre a visão do movimento quando nenhum movimento real tinha ocorrido. Abandonando prontamente seus alunos de férias, ele desceu do trem em Frankfurt, comprou um estroboscópio de brinquedo,* e verificou a idéia que lhe ocorrera, de modo preliminar, num quarto de hotel. Mais tarde, fez pesquisas mais formais na Universidade de Frankfurt, que lhe forneceu um taquistoscópio. Dois outros jovens psicólogos, Kurt Koffka e Wolfgang Kõhler, que tinham sido alunos da Universidade de Berlim, também estavam em Frankfurt. Logo depois, eles se engajaram num cruzada comum.

O problema de pesquisa de Wertheimer, em que Koffka e K serviram de sujeitos,

* o estroboscópio, inventado uns oitenta anos antes por J. Plateau, era um precursor da câmera de cinema. É um instn que projeta rapidamente uma série de quadros diferentes no olho, produzindo movimento aparente.

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envolvia a percepção do movimento aparente, isto é, a percepção do movimento quando nenhum movimento físico real tinha acontecido. Wertheimer se referia ao fenômeno como a ‘impressão de movimento” (Seaman. 1984, p. 3). Usando o taquistoscópio, Wertheimer projetou luz por duas ranhuras, uma vertical e a outra a vinte ou trinta graus da vertical. Se a luz era mostrada primeiro por uma ranhura e depois pela outra, com um intervalo relativamente longo (mais de 200 milissegundos), os sujeitos viam o que pareciam ser duas luzes sucessivas, primeiro uma luz numa ranhura e então uma luz na outra. Quando o intervalo entre

as luzes era menor, os sujeitos viam o que pareciam ser duas luzes contínuas. Com um intervalo de tempo ótimo (cerca de 60 milissegundos) entre as luzes, os sujeitos viam uma única linha de luz que parecia mover-se de uma ranhura para a outra e na direção inversa.

Essas descobertas podem parecer triviais. Os cientistas há anos conheciam o fenômeno, e ele podia até ser considerado uma questão de senso comum. Contudo, de acordo com a posição então prevalecente na psicologia, a de Wuridt, toda experiência consciente podia ser analisada em seus elementos sensoriais. E, no entanto, poderia essa percepção do movimento aparente ser explicada em tennos de um somatório de elementos sensoriais individuais, que eram apenas duas ranhuras estacionárias de luz? Poderia um estímulo estacionário ser acres centado a outro para produzir uma sensação de movimento? Não; e esse era precisamente o ponto central da demonstração brilhantemente simples de Wertheimer: o fenômeno desafiava a explicação pelo sistema wundtiano.

Wertheimer acreditava que o fenômeno que verificara em seu laboratório era, à sua maneira, tão elementar quanto uma sensação, embora diferisse evidentemente de uma sensação ou mesmo de uma sucessão de sensações. Ele deu ao fenômeno um nome adequado à sua natureza peculiar: fenômeno phi. E como ele explicava o fenômeno phi quando a psicologia tradicional da época não o podia? Sua resposta era tão simples e engenhosa quanto a experiên cia de verificação: o movimento aparente não precisava de explicação; ele existia tal como era percebido, não podendo ser reduzido a nada mais simples.

De acordo com Wundt, a introspecção do estímulo produziria duas linhas sucessivas e nada mais; contudo, por mais rigorosamente que se pudesse fazer a introspecção das duas exposições da luz, a experiência de uma única linha em movimento persistia. Quaisquer tentativas de análise adicional fracassavam. O todo (o movimento aparente da linha) diferia da soma de suas partes (as duas linhas estacionárias). A psicologia associacionista-atomista tradicional, dominante há tantos anos, fora desafiada, e a esse desafio ela não podia responder. Wertheimer publicou os resultados de sua pesquisa em 1912 em “Estudos

Experimentais da Percepção cio Movimento”, artigo considerado o marco do começo da escola de pensamento da psicologia da Gestalt.

Max Wertheimer (1 880-1943)

Nascido em Praga, Max Wertheimer freqüentou o Liceu local até os dezoito anos e depois estudou Direito por alguns anos na Universidade de Praga. Passou para a filosofia, assistiu a palestras de Ehrenfels, e mais tarde foi para a Universidade de Berlim estudar filosofia e psicologia. Doutorou-se em 1904 na Universidade de Würzburg, sob a direção de Oswald Külpe, no auge da controvérsia sobre o pensamento sem imagens. Entre 1904 e 1910, Wertheimer passou algum tempo nas universidades de Praga, Viena e Berlim antes de se estabelecer na Universidade de Frankfurt. Ali, fez pesquisas e conferências por vários anos, tomando-se professor em 1929. Durante a Primeira Guerra, fez pesquisas militares sobre dispositivos de escuta para submarinos e fortificações portuárias.

Wertheimer era o mais velho dos três primeiros psicólogos da Gestalt e o líder intelectual

do movimento. (Embora Koffka e Kchler tenham servido para promover a posição proeminente

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de Wertheimer, cada qual foi influente por direito próprio, como veremos.) Wertheimer produziu importantes artigos sobre o pensamento criativo e sobre agrupamento perceptivo.

Em 1921, os três colegas, assistidos por Kurt Goldstein e Hans Gruhle, fundaram a revista Psychologische Forschung (Pesquisa Psicológica), que se tomou o órgão oficial da escola da Gestalt. Vinte e dois volumes foram publicados antes de ela ser suspensa em 1938 pelo regime nazista; a publicação foi retomada em 1949 (Scheere, 1988).

Wertheimer fazia parte do primeiro grupo de estudiosos refugiados a fugir da Alemanha

nazista, tendo chegado a Nova York em 1933. Associou-se à Nova Escola de Pesquisa Social,

onde ficou até morrer, em 1943. Seus anos nos Estados Unidos foram ativos, mas ele ficou

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Com seu estudo da percepção do movimento aparente, Max Wertheimer iniciou o movimento conhecido por psicologia da Gestalt.

cada vez mais exausto devido ao ônus de adaptar-se a uma nova língua e a uma nova cultura. Seu programa de pesquisa foi informal, comunicado pessoalmente a amigos e colegas em reuniões profissionais.

Em seus últimos anos em Nova York, Wertheimer, ao que parece, causou forte impres são num jovem psicólogo americano, Abraham Maslow. Maslow ficou tão fascinado por Wertheimer que começou a estudar as características e qualidades do homem. Foi a partir dessas observações iniciais de Wertheimer (e da antropóloga Ruth Benedict) que Maslow desenvolveu seu conceito de self- actualization (auto-realização) (Capítulo 15).

Kurt Kofflia (1886-1941)

Kurt Koffka foi provavelmente o mais inventivo dos fundadores da Gestalt. Estudou na Universidade de Berlim, a cidade onde nasceu, e desenvolveu pela ciência e pela filosofia um interesse que foi fortalecido pelo ano que passou na Universidade de Edirnburgo, na Escócia. Retomando a Berlim, estudou psicologia com Cari Stumpf e se doutorou em 1909. No ano seguinte, iniciou sua longa e frutífera associação com Wertheimer e Kóhler na Universidade de Frankfurt. Em 1911, aceitou um cargo na Universidade de Giessen, que ficava a uns sessenta quilômetros de Frankfurt, onde ficou até 1924. Durante a Primeira Guerra, trabalhou com pacientes lesionados cerebrais e afásicos numa clínica psiquiátrica.

Ao fmal da guerra, quando os psicólogos dos Estados Unidos começavam a tomar conhecimento de que uma nova escola de pensamento se desenvolvia na Alemanha, Koffka foi convencido a escrever um artigo para a revista americana

Psychological Builetin. Esse artigo, “A Percepção: Uma Introdução à Teoria da Gestalt” (Koffka, 1922), apresentava os conceitos básicos da escola e os resultados e as implicações de suas copiosas pesquisas. Embora tenha sido importante como primeira exposição formal da revolução da Gestalt aos psicólogos americanos, o artigo pode ter feito um desserviço à expansão do movimento, O título, “A Percepção”, deu início a um mal-entendido que paira até hoje, isto é, a idéia de que a psicologia da Gestalt se ocupa exclusivamente da percepção, não tendo portanto relevância para outras áreas da psicologia.

Na realidade, a psicologia da Gestalt tinha uma preocupação mais ampla com problemas

do pensamento e da aprendizagem:

O principal motivo pelo qual os primeiros psicólogos da Gestalt concentraram suas publica ções sistemáticas na percepção foi o Zeitgeist a psicologia de Wundt, contra a qual se rebelaram os gestaltistas, obtivera boa parte do seu apoio de estudos sobre a sensação e a percepção, razão por que os psicólogos da Gestalt escolheram a percepção como arena a fim de atacar Wundt em sua própria fortaleza (MichaelWertheimer, 1979, p. 134).

Em 1921, Koffka publicou O Desenvolvimento da Mente, um livro sobre psicologia do desenvolvimento infantil que foi um sucesso na Alemanha e nos Estados Unidos. Ele foi à América como professor visitante da Universidade Comeu e da Universidade de Wisconsin e, em 1927, foi nomeado professor do Smith Coliege, de Northampton, Massachusetts, onde ficou até a sua morte, em 1941. Em 1935, publicou Princípios de Psicologia da Gestalt, livro extre mamente difícil que não veio a ser o tratamento definitivo da psicologia da Gestalt, como ele pretendia.

Wolfgang Kõhler (1887-1967)

Wolfgang Kiihler, o mais jovem dos três, era o porta-voz do movimento. Seus livros,

escritos com cuidado e precisão, tomaram-se as obras definitivas sobre vários aspectos da

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psicologia da Gestalt. O seu treinamento em física com o notável Max Planck o persuadiu de que a psicologia tinha de aliar-se àquela ciência. Nascido na Estônia, K tinha cinco anos quando sua família se mudou para o norte da Alemanha. Sua educação universitária foi em Tübingen, Bonn, e em Berlim, e ele recebeu seu doutorado sob a orientação de Carl Stumpf na Universidade de Berlim em 1909. Foi para a Universidade de Frankfurt, tendo chegado pouco antes de Wertheimer e do seu estroboscópio de brinquedo.

Em 1913, a convite da Academia Prussiana de Ciência, Kõhler fez uma viagem para

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Os escritos de KwtKoffka atraíam a atenção dos psicólogos americanos para a escola gestaltista de psicologia.

Tenerife, nas Ilhas Canárias, na costa noroeste da África, para estudar chimpanzés. Seis meses depois de sua chegada, eclodiu a Primeira Guerra, e ele relata que não pôde partir, embora outros cidadãos alemães tenham conseguido voltar para casa nos anos de guerra. Um psicólogo sugeriu, com base em sua interpretação de novos dados da história, que Khler pode ter sido um espião da Alemanha, e que suas instalações de pesquisa eram na verdade uma cobertura para as suas atividades de espionagem (Ley, 1990). Afirma-se que, no sótão de sua casa, ele escondera um potente rádio transmissor que usava para transmitir informações sobre os movi mentos da marinha aliada. As provas que sustentam essa acusação são, no entanto, circunstan ciais, tendo sido refutadas por historiadores e psicólogos gestaltistas.

Quer espião ou apenas um cientista retido pela guerra, K passou os sete anos seguintes estudando o comportamento em chimpanzés. Ele produziu o compêndio hoje clássico A Mentalidade dos Macacos em 1917; o livro teve uma segunda edição em 1924 e foi traduzido para o inglês e o francês.

Em 1920, Kõhler voltou à Alemanha e, dois anos mais tarde, sucedeu Stumpf como professor de psicologia da Universidade de Berlim, onde ficou até 1935. A razão aparente de sua nomeação para esse cargo cobiçado foi a publicação em 1920 do livro Gestalts Físicas Estáticas e Estacionárias, que obteve consideráveis aplausos por seu alto grau de erudição.

A metade dos anos 20 foram difíceis na vida pessoal de Kohler. Ele se divorciou da esposa, desposou uma jovem estudante sueca e, a partir de então, perdeu o contato com os quatro filhos do primeiro casamento. Passou a ser acometido por um tremor nas mãos que se tornava mais perceptível quando seu estado de ânimo se tornava sombrio. Para avaliar seu humor, os assistentes de laboratório o observavam toda manhã para ver a intensidade do tremor. Ele era extremamente nervoso sempre que dava aulas, e nunca permitia visitantes na sala (Ley, 1990).

No ano acadêmico de 1925-1926, Kõhler deu aulas em Harvard e em Clark nesta última, ensinou os alunos de pós-graduação a dançar o tango. Em 1929, publicou Gestalt Psychology (Psicologia da Gestalt), uma abrangente defesa do movimento gestaltista. Deixou a Alemanha nazista em 1935, devido a contínuos conflitos com o governo. Depois de falar contra as autoridades em suas aulas, sua sala foi invadida por uma gangue de nazistas. Ele escreveu uma corajosa carta antinazista para um jornal de Berlim, pois estava irritado com a dispensa de todos os professores judeus das universidades alemãs. Na tarde em que sua carta foi publicada, ele e alguns amigos esperaram calmamente em sua casa, tocando música de câmara, que a Gestapo fosse prendê-lo. A temida batida na porta nunca veio (Henle, 1978).

Depois de emigrar para os Estados Unidos, Kõhler ensinou no Swarthmore Coliege, na Pensilvânia, publicou vários livros e editou a revista gestaltista Psychological Research. Em 1956, recebeu o Distinguished Scientific Contribution Award da APA e, pouco depois, foi eleito seu presidente.

A Natureza da Revolta da Gestalt

Os princípios gestaltistas estavam em oposição direta a boa parte da tradição acadêmica da psicologia na Alemanha. O comportamentalismo fora uma revolta

menos imediata contra Wundt e o estruturalismo porque o funcionalismo já tinha produzido algumas mudanças na psicologia americana. A revolta gestaltista na Alemanha não contou com nada que lhe prepa rasse o caminho dessa maneira. Os pronunciamentos dos psicólogos da Gestalt estavam bem próximos da heresia aos olhos da tradição alemã.

Os iniciadores do movimento perceberam que estavam atacando uma força rígida e

poderosa, atingindo os fundamentos da psicologia tal como então definida. Assim como a

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maioria dos revolucionários, os líderes da escola de pensamento da Gestalt exigiam uma completa revisão da velha ordem, quase como “missionários intelectuais difundindo um novo evangelho” (Sokal, 1984, p. 1.257). Wolfgang KóhIer escreveu que “Estávamos eufóricos com o que descobríamos e mais ainda com a perspectiva de descobrir mais fatos reveladores. Além disso, não era apenas a novidade estimulante do nosso empreendimento que nos inspi rava. Havia também uma grande sensação de alívio — como se estivéssemos escapando de uma prisão. A prisão era a psicologia tal como ensinada nas universidades quando ainda éramos alunos” (Kõhler, 1959, p. 285).

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Woffgang Kciliier, treinado em física, estudou a aprendizagem em chiznpanzés e veio a ser um proemi nente porta-voz do movimento gestaltista.

Depois do estudo da percepção do movimento aparente, os psicólogos gestaltistas esta vam ávidos para lançar mão de outros fenômenos da percepção para darem apoio à sua posição. A experiência das constâncias perceptivas lhes deu ampla corroboração. Por exem plo, quando estamos bem em frente de uma janela, uma imagem retangular é projetada na retina; contudo, quando nos colocamos mais para um lado e olhamos para a janela, a imagem retiniana se torna trapezóide, embora continuemos a perceber a janela como retangular. Nossa percepção da

janela permanece constante, embora os dados sensoriais (as imagens projetadas na retina) tenham se modificado.

O mesmo ocorre com a consciência do brilho e do tamanho; os elementos sensoriais reais podem mudar, mas a nossa percepção é a mesma. Nesses casos, assim como com o movimento aparente, a experiência perceptiva tem uma qualidade de integralidade ou completude não encontrada em nenhuma de suas partes. Existe, pois, uma diferença entre o caráter da percep ção concreta e o da estimulação sensorial. A percepção não pode ser explicada simplesmente como uma reunião de elementos sensoriais nem como a mera soma das partes.

A percepção é uma totalidade, uma Gestalt, e toda tentativa de analisá-la ou de reduzi-

la a elementos provoca a sua destruição:

Começar com elementos é começar pelo lado errado; porque os elementos são produtos da reflexão e da abstração remotamente derivados da experiência imediata que são chamados a explicar. A psicologia da Gestalt tenta voltar à percepção ingênua, à experiência imediata.., e insiste que não encontra aí montagens de elementos, mas todos unificados; não massas de sensa ções, mas árvores, nuvens e o céu. E ela convida todos a verificar essa asserção com o simples ato de abrir os olhos e olhar para o mundo ao redor em seu modo cotidiano comum (Heidbreder, 1933, p. 331).

A palavra Gestalt causou consideráveis dificuldades porque não indica com clareza, ao contrário de funcionalismo ou comportamentalismo, o que o movimento representa. Além disso, não tem um equivalente exato em outras línguas. Vários equivalentes de uso comum são forma, totalidade morfológica e configuração, e o próprio termo Gestalt foi incorporado por outras línguas. Em seu livro Psicologia da Gestalt, de 1929, Kõhler observou que a palavra é usada em alemão de duas maneiras. Um emprego denota a forma como propriedade dos objetos; nessa acepção, Gestalt refere-se a propriedades gerais que podem ser expressas por termos como angular ou simétrico, descrevendo características como a triangularidade nas figuras geométricas ou as seqüências de tempo numa

melodia, O segundo uso denota um todo ou entidade concreta que tem como um de seus atributos uma forma ou configuração especi fica. Nesse sentido, a palavra pode referir-se, por exemplo, aos triângulos, e não à noção de triangularidade. Assim, a palavra Gestalt pode servir de referência tanto a objetos como às formas características dos objetos.

Por outro lado, o termo não se restringe ao campo visual nem ao campo sensorial total. ‘Segundo a mais geral definição funcional do termo, os processos da aprendizagem, da recordação, dos impulsos, da atitude emocional, do pensamento, da ação, etc. podem ter de ser incluídos” (Kõhler, 1947, pp. 178- 179). E é nesse sentido mais amplo da palavra que os psicólogos da Gestalt tentaram lidar com todo o campo da psicologia, como o vemos na palestra a seguir, feita por Max Wertheimer.

Reprodução de Texto Original sobre a Psicologia da Gestalt:

Trecho de Gestalt Theory, de Max Wertheimer

O material a seguir vem de uma palestra feita por Max Wertheimer na Sociedade Kant

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em Berlim, Alemanha, em 17 de dezembro de 1924.* Falando de psicologia, filosofia e ciências sociais, Wertheimer assinalou as diferenças entre uma abordagem gestáltica ou total e uma abordagem que envolva a redução do objeto de estudo a elementos. Os pontos especí ficos discutidos incluem: (1) a definição básica de psicologia da Gestalt; (2) a abordagem wundtiana elementarista ou atomista da psicologia e a tentativa de Ehrenfels no sentido de acrescentar novos elementos; (3) exemplos da abordagem gestaltista das totalidades; (4) a natureza dos campos psicológicos, que são mais do que somas de sensações; e (5) a relação entre mente e corpo (os mundos espiritual e material) e a semelhança, em termos gestaltistas, entre os dois.

O que é a teoria da Gestalt e o que ela pretende?...

A “fórmula” fundamental da teoria da Gestalt poderia ser expressa da seguinte maneira:

existem totalidades, cujo comportamento não é determinado pelo dos seus elementos individuais, mas nos quais os processos parciais são eles mesmos determinados pela natureza intrínseca do todo. A teoria da Gestalt alimenta a esperança de determinar a natureza dessas totalidades.

Com essa fórmula, poderíamos terminar, pois a teoria da Gestalt não é nem mais nem menos do que isso. Ela não está interessada em decifrar as questões filosóficas que semelhante fórmula poderia sugerir. A teoria da Gestalt está voltada para a pesquisa concreta; ela não é somente um resultado, mas também um dispositivo; não é apenas uma teoria sobre resultados, mas um recurso para descobertas ulteriores. Não se trata tão-só de propor um ou mais problemas; trata- se também de tentar ver o que de fato está ocorrendo na ciência. Não é possível resolver esse problema relacionando possibilidades de sistematização, classificação e organização. Se o quisermos abordar realmente, devemos ser orientados pelo espírito do novo método e pela natureza concreta das próprias coisas que estamos estudando, dispondo-nos a penetrar naquilo que é efetivamente dado pela natureza...

Tudo o que posso esperar numa discussão tão breve é sugerir alguns problemas que no momento ocupam a atenção da teoria da Gestalt e algo do modo pelo qual eles estão sendo abordados.

Repetindo: o problema não se refere apenas ao trabalho científico — é um problema fundamental da nossa época. A teoria da Gestalt não é algo que nos caiu súbita e inesperadamente de cima; ela é, em vez disso, uma convergência palpável de problemas que envolvem todas as ciências e as várias concepções filosóficas dos tempos modernos.

Examinemos, por exemplo, um dado evento da história da psicologia. Alguém, a partir de uma experiência viva, recorreu à ciência e perguntou o que ela tinha a dizer acerca dessa experiência; a pessoa encontrou grande número de elementos, sensações, imagens, sentimentos, atos de vontade e leis que regem esses

elementos — e lhe disseram: “Faça a sua escolha; reconstrua a partir deles a experiência que teve.” Esse procedimento criou dificuldades na pesquisa psicoló gica concreta e levou ao surgimento de problemas que desafiavam a solução pelos métodos analíticos tradicionais. Historicamente, o impulso mais importante veio de von Ehrenfels, que levantou o seguinte problema. A psicologia dissera que a experiência é um composto de elementos:

ouvimos urna melodia e, quando a ouvimos outra vez, a memória nos permite reconhecê-la. Mas o que será que nos permite reconhecer a melodia quando ela é tocada num novo tom? A soma dos elementos é diferente, mas a melodia é a mesma; na realidade, muitas vezes nem sequer percebe mos que foi feita uma transposição.

Quando consideramos retrospectivamente a situação vigente, a nossa atenção é atraida por dois aspectos da tese de von Ehrenfels; de um lado, somos surpreendidos pelo caráter essencial- mente somativo de sua teoria e, de outro, admiramos sua coragem em propor e defender sua posição. Estritamente interpretada, a proposição de Ehrenfels era: eu toco uma melodia familiar de seis tons e emprego seis novos tons; mas você reconhece a melodia, apesar da mudança. Tem de

* Extraído de Max Wertheimer, “Gestalt Theory”. In W. D. EU is (Org.), A Source Book of Gestalt Psychology, Londres, Routiedge & Kegan Paul, 1938; Nova York, Humanities Press, pp. 1-11.

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haver alguma coisa mais do que a soma de seis tons, isto é, uma sétima alguma coisa, que é a qualidade da forma, a Gestait-qualitãt, dos seis tons origmais. É esse sétimo fator ou elemento que lhe permitiu reconhecer a melodia a despeito da transposição.

Por mais estranha que possa parecer, essa concepção partilha com muitas outras hipóteses,

mais tarde abandonadas, a honra de ter visto e enfatizado com clareza um problema fundamental.

Mas também foram propostas outras explicações. Uma delas afirmava que, além dos seis tons, havia intervalos — relações — e que esses intervalos é que permaneciam constantes. Em outras palavras, pedem-nos que suponhamos não somente elementos como também “relações- entre-elementos” como componentes adicionais do complexo total. Mas esse ponto de vista não deu conta do fenômeno porque, em alguns casos, também a relação pode ser alterada sem destruir a melodia original.

Outro tipo de explicação, também voltada para sustentar a hipótese elementarista, foi de que

contribuem para esse total de seis ou mais tons determinados * ‘processos superiores” que operam

sobre o material dado a fim de “produzir” unidade.

Tal era a situação até que a teoria da Gestalt fez a pergunta radical: é de fato verdadeiro que, quando ouvimos uma melodia, temos uma soma de tons individuais (elementos) que consti tuem o fundamento essencial da nossa experiência? A verdade não será talvez o inverso disso? O que de fato temos, o que ouvimos de cada nota individual, o que experimentamos em cada ponto da melodia é uma parte determinada ela mesma pelo caráter do todo. Aquilo que a melodia nos dá não vem (mediante a influência de algum fator auxiliar) como um processo secundário da soma dos elementos como tais. Em vez disso, aquilo que acontece em cada parte individual já depende daquilo que é o todo. A carne e o sangue de um tom dependem desde o começo do papel desse tom na melodia... Faz parte da carne e do sangue das coisas dadas pela experiência (Gegebeahei ten), como, em que papel, e em que função elas estão no seu todo.

Deixemos o exemplo da melodia e voltemo-nos para outro campo. Examinemos o caso dos fenômenos de limiar. Há muito se afirma que um certo estímulo produz necessariamente uma certa sensação. Segue-se que, quando dois estímulos são suficientemente diferentes, as sensações tam bém o serão. A psicologia está

repleta de cuidadosas investigações acerca dos fenômenos de limiar. Para dar conta das dificuldades que se encontram constantemente, supôs-se que esses fenômenos têm de ser influenciados por funções mentais superiores, juízos, ilusões, atenção, etc. E isso continuou até que se levantasse a questão radical: é realmente verdadeiro que um estímulo especifico sempre evoca a mesma sensação? Não será possível que as condições totais prevalecen tes determinem elas mesmas o efeito da estimulação? Essa espécie de formulação leva à experi mentação, e as experiências mostram, por exemplo, que quando vejo duas cores, as sensações que tenho são determinadas pelas condições totais de toda a situação de estímulo. Logo, o mesmo padrão de estímulo físico local pode dar origem a uma figura unitária e homogênea ou a uma figura articulada com partes distintas, todas elas dependentes das condições totais que podem favorecer quer a unidade quer a articulação. Evidentemente, a tarefa consiste em investigar essas “condições totais” e descobrir que influências elas exercem sobre a experiência...

O nosso ponto seguinte é o fato de o meu campo compreender também o meu Ego. Não há, desde o início, um Ego em confronto com outros, mas a gênese de um Ego nos oferece um dos mais fascinantes problemas, cuja solução parece residir em princípios da Gestalt. Contudo, uma vez constituído, o Ego é uma parte funcional do campo total. Procedendo como antes, podemos, pois, perguntar: o que acontece com o Ego como parte do campo? Será o comportamento resultante o tipo de coisa fracionada que o associacionismo, a teoria da experiência e outras coisas parecidas nos fazem crer? Os resultados experimentais contrariam essa interpretação; e, mais uma vez, descobrimos com freqüência que as leis dos processos totais que operam num tal campo tendem a um comportamento significativo de suas partes.

Esse campo não é uma soma de dados sensoriais, e nenhuma descrição dele que considere esses elementos separados primários será correta. Se fosse, para as crianças, os povos primitivos e os animais, a experiência não passaria de sensações fragmentadas. As criaturas mais desenvol vidas do que aquelas teriam, além de sensações independentes, alguma coisa superior e assim por

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diante. Mas esse quadro total é o oposto do que a pesquisa concreta revelou. Aprendemos a reconhecer as “sensações” dos nossos manuais como resultados de uma cultural ulterior profun damente distinta das experiências dos estágios mais primitivos. Quem experimenta a sensação de um vermelho especifico nesse sentido? Aquilo a que o homem das ruas, as crianças ou os povos primitivos costumam ter acesso é alguma coisa colorida, mas, ao mesmo tempo, estimulante, alegre, forte ou comovente — não “sensações”.

O programa para tratar o organismo como parte de um campo mais amplo requer a reformulação do problema no que se refere à relação entre organismo e ambiente. A conexão estimulo-sensação tem de ser substituida por uma conexão entre a alteração nas condições do campo, a situação vital e a reação total do organismo por uma mudança em sua atitude, impulso e sentimento.

Há, no entanto, outro passo a ser considerado. Além de ser parte do seu campo, um homem é também um entre outros homens. Quando um grupo de pessoas trabalha junto, raramente ocorre, e, quando ocorre, só em condições multo especiais, que essas pessoas constituam uma mera soma de Egos independentes. Em vez disso, o empreendimento comum costuma tomar-se sua preocupação mútua, e cada uma delas trabalha como uma parte significativamente operante do todo. Considere mos um grupo de habitantes dos Mares do Sul engajados em alguma ocupação comunitária ou um grupo de crianças brincando. Apenas em circunstâncias muito particulares um “Eu” se destaca sozinho. Então, o equilíbrio obtido no decorrer de uma harmoniosa e sistemática ocupação pode ser perturbado e dar lugar a um novo equilíbrio substituto (em certas condições, patológico)...

A questão fundamental pode ser formulada de modo bem simples: são as partes de um certo todo determinadas pela estrutura interna desse todo, ou têm os eventos uma natureza independente, fragmentária, fortuita e cega, de modo que a atividade total seja uma soma de atividades parciais? Os seres humanos podem, é verdade, inventar uma espécie de física própria — por exemplo, uma seqüência

de máquinas — que exemplifiquem a última metade da nossa pergunta, mas isso não significa que todos os fenômenos naturais sejam dessa espécie. Eis aqui um ponto em que a teoria da Gestalt é menos facilmente compreendida; isso porque grande número de preconceitos sobre a natureza tem se acumulado ao longo dos séculos. Considera-se a natureza algo que tem leis essencialmente cegas, em que tudo o que acontece no todo é apenas a soma de ocorrências individuais. Essa concepção foi o resultado natural da luta que a física sempre teve de travar para se libertar da teleologia. Hoje, pode-se ver que somos obrigados a trilhar outros caminhos que não os sugeridos por esse tipo de intencionalismo.

Demos mais um passo e indaguemos: qual a posição dissso tudo diante do problema do corpo e da mente? Que valor tem o meu conhecimento das experiências mentais de outra pessoa e de que maneira eu o obtenho? Há, com efeito, velhos dogmas estabelecidos sobre esses pontos:

o mental e o físico são totalmente heterogêneos; há entre eles uma dicotomia absoluta. (Partindo disso, os filósofos desenvolveram uma série de deduções metafísicas destinadas a atribuir todas as boas qualidades à mente, reservando à natureza as odiosas.) No tocante à segunda questão, meu discemimento de fenômenos mentais em outras pessoas é explicado tradicionalmente como uma inferência por analogia. Interpretado estritamente, esse princípio afirma que alguma coisa mental se associa inexpressivamente com alguma coisa física. Observo o físico e infiro o mental a partir dele de acordo com o seguinte esquema: observo alguém pressionar um botão na parede e infiro que ele quer que a luz se acenda. Pode haver associações desse tipo. Contudo, muitos cientistas se sentiram perturbados por esse dualismo e tentaram salvar-se recorrendo a hipóteses deveras cimo sas. De fato, a pessoa comum se recusaria violentamente a crer que, quando vê seu companheiro perplexo, assustado ou encolerizado, vê somente certas ocorrências físicas que em si mesmas (em sua natureza interior) não têm nenhuma relação com o plano mental, estando apenas superficial- mente vinculadas com ele: você viu freqüentemente isso e isso se combinou.., etc. Têm havido muitas tentativas de contornar esse problema. Fala-se, por exemplo, de intuição, e diz-se que não pode haver outra possibilidade, já que eu vejo o medo

do meu companheiro. Não é verdade, alegam os intuicionistas, que eu veja apenas as simples atividades corporais conjugadas inexpres sivamente com outras atividades invisíveis. Por mais inadmissível que isso possa ser, uma teoria

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da intuição ao menos tem uma coisa em seu favor: ela mostra a suspeita de que o procedimento tradicional possa ser revertido com sucesso. Mas a palavra intuição é, na melhor das hipóteses, um nome daquilo que devemos nos esforçar por apreender.

Essa e outras hipóteses, entendidas como hoje são, não farão progredir o empreendimento científico, visto que a ciência requer uma penetração fecunda, e não a mera catalogação e sistematização. Mas a pergunta é: em que situação se encontra de fato a questão? Olhando com mais cuidado, descobrimos um terceiro pressuposto, o de que um processo como o medo é uma questão de consciência. Será isso verdade? Suponha que você veja uma pessoa amável ou bene volente. Alguém supõe que essa pessoa se sente piegas? É possível que ninguém possa acreditar nisso. A característica predominante desse comportamento pouca relação tem com a consciência. Uma das mais fáceis invenções da filosofia é identificar o comportamento real de um homem e a direção de sua mente com sua consciência. Diga-se de passagem que, na opinião de muitas pessoas, a distinção entre idealismo e materialismo implica a que há entre o nobre e o ignóbil. Contudo, será que alguém de fato quer, com isso, contrastar a consciência com a alegre floração das árvores? De fato, o que há de tão repugnante no materialista e mecânico? E o que há de tão atraente no idealista? Será que isso provém das qualidades materiais das peças conectadas? Em termos gerais, a maioria dos manuais e teorias de psicologia, apesar de sua permanente ênfase na consciência, são muito mais “materialistas”, áridos e exangues do que uma árvore viva — que provavelmente não tem nenhuma consciência. A questão não é saber quais são os elementos materiais, mas qual é o tipo de totalidade. Operando em termos de problemas específicos, cedo se percebe quantas atividades corporais existem que não dão nenhum indício de urna separação entre corpo e mente.

Imagine uma dança, urna dança cheia de graça e júbilo. Qual é a situação numa tal dança? Teremos uma soma dos movimentos físicos dos membros e uma consciência psíquica? Não. É claro que essa resposta não resolve o problema; temos de começar outra vez. E me parece que um ponto de abordagem adequado e promissor foi descoberto. Deparamos com muitos processos que, em sua forma dinâmica, são idênticos independentemente de variações no caráter material dos seus elementos. Quando um homem é tímido, temeroso ou enérgico, feliz ou triste, com muita freqüência é possível demonstrar que o curso de seus processos físicos é Gestalt idêntico ao curso seguido pelos processos mentais.

Mais uma vez, posso apenas indicar a direção do pensamento. Toquei na questão do corpo

e da mente apenas para mostrar que o problema que discutimos também tem seus aspectos filosóficos

Isso nos leva mais perto de uma tentativa de apresentar uma concepção do problema tal como ilustrado por suas manifestações específicas em vários campos. Concluindo, posso sugerir uma certa unificação dessas ilustrações mais ou menos da seguinte maneira. Considero a situação do ponto de vista de uma teoria de agregados e pergunto: como deveria ser um mundo em que a ciência, os conceitos, a pesquisa, a investigação e a compreensão de unidades interiores fossem impossíveis? A resposta é óbvia. Esse mundo seria uma multiplicidade de peças díspares. Em segundo lugar, que tipo de mundo deveria haver a que uma ciência fragmentária se aplicasse? A resposta é de novo bem simples, pois basta- nos aqui um mero sistema de associações pareadas repetidas que sejam cegas e fragmentárias em termos de caráter, uru sistema em que todas as coisas estão disponíveis para a aplicação dos métodos fragmentários tradicionais da lógica, da matemática e da ciência em geral, na medida em que estas suponham semelhante mundo. Mas há um terceiro tipo de agregado que só foi investigado superficialmente. Trata-se dos agregados em que uma multiplicidade não se compõe de elementos adjacentes, mas organizada de maneira tal que um termo em seu lugar nesse agregado é determinado pelas leis totais do próprio agregado.

Pictoricamente: suponha que o mundo fosse um vasto tablado no qual há muitos músicos. Ando por ali ouvindo e observando os músicos. Suponha primeiro que o mundo seja uma pluralidade sem sentido. Todos agem como querem, cada qual por si mesmo. O que acontece quando ouço juntos dez músicos poderia ser a base da minha conjetura sobre o que todos eles estão fazendo, mas isso é apenas uma questão de acaso e probabilidade, tal como ocorre na cinética das moléculas de gás. — Uma segunda possibilidade seria que, cada vez que um músico tocasse dó, outro tocasse fá, x segundos depois. Eu formulo unia teoria de acoplamentos cegos, mas a

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execução como um todo continua sem sentido. É isso que muitas pessoas pensam que a física faz; mas o verdadeiro trabalho da física o desmente. — A terceira possibilidade é, digamos, uma sinfonia de Beethoven na qual pudéssemos selecionar uma palte do todo e trabalhar a partir disso rumo a uma idéia do princípio estrutural motivador e determinante do todo. Nesse caso, as leis fundamentais não são elementos fortuitos, concernindo o próprio caráter do evento.

Os Princípios Gestaltistas da Organização da Percepção

Os princípios da organização da percepção de Wertheirner foram apresentados num artigo de 1923. Ele propôs que percebemos os objetos da mesma maneira como percebemos o movimento aparente, isto é, como totalidades unificadas, e não como aglomerados de sensa ções individuais. Os princípios de organização da percepção, descritos na maioria dos manuais introdutórios de psicologia, são essenciahnente leis ou regras a partir das quais organizamos o nosso mundo perceptivo.

Uma premissa básica desses princípios é que, na percepção, a organização ocorre instan taneainente sempre que vemos ou ouvimos diferentes formas ou padrões. Partes do campo perceptivo se combinam, unindo-se para formar estruturas que são distintas do fundo. A organização da percepção é espontânea e inevitável sempre que olhamos ao nosso redor. Não temos de aprender a formar

padrões, como querem os associaciomstas, se bem que a percepção de nível superior, como o é, por exemplo, rotular objetos pelo nome, de fato dependa da aprendizagem.

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Figura 12-1. Exemplos de organização da percepção.

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Segundo a teoria da Gestalt, o processo cerebral primordial na percepção visual não é um conjunto de atividades separadas. A área visual do cérebro não responde a elementos separados do que é visualizado, nem vincula esses elementos mediante algum processo mecâ nico de associação. O cérebro, na verdade, é um sistema dinâmico em que todos os elementos que estejam ativos num dado momento interagem entre si; elementos semelhantes ou próximos uns dos outros tendem a se combinar, e elementos distanciados ou diferentes não tendem a se combinar.

Vários dos princípios da organização perceptiva são relacionados aqui e ilustrados na

Figura 12-1.

1. Proximidade: Partes que estio próximas no tempo ou no espaço parecem formar uma unidade

e tendem a ser percebidas juntas. Na Figura 12-1 (a), você vê os cfrculos em três colunas duplas,

e não como um grande conjunto.

2. Continuidade: Há uma tendência na nossa percepção de seguir uma direção, de vincular os elementos de uma maneira que os faça parecer contínuos ou fluindo numa direção particular. Na Figura 12-1 (a), você tende a seguir as colunas de pequenos cfrculos de cima para baixo.

3. Semelhança: Partes semelhantes tendem a ser vistas juntas como se formassem um grupo. Na Figura 12-1 (b), os cfrculos parecem formar uma classe e os pontos, outra, e você tende a perceber fileiras de círculos e fileiras de pontos em vez de colunas.

4. Complementação: Há uma tendência na nossa percepção de completar figuras incompletas, preencher as lacunas. Na Figura 12-1 (c), você percebe três quadrados, embora as figuras estejam incompletas.

5. Simplicidade: Tendemos a ver uma figura tio boa quanto possível sob as condições do estímulo; os psicólogos da Gestalt denominaram isso prãgnanz ou ‘boa forma”. Uma boa Ge.stalt é simétrica, simples e estável, não podendo ser tomada mais simples ou mais ordenada. Os quadrados na Figura 12-1 (c) são boas Gestalts porque são claramente percebidos como completos e organizados.

6. FiguralFundo: Tendemos a organizar percepções no objeto observado (a figura) e o segundo plano contra o qual ela se destaca (o fundo). A figura parece ser mais substancial e destacar-se do seu fundo. Na Figura 12-1 (d), a figura e o fundo são reversíveis, você pode ver dois rostos ou uma taça, a depender da maneira como organiza sua percepção.

Esses princípios de organização não dependem dos nossos processos mentais superiores nem de experiências passadas; eles estão presentes, nos próprios estímulos. Wertheimer os denominou fatores periféricos, mas também reconheceu que fatores centrais no interior do organismo influenciam a percepção; por exemplo, os processos mentais superiores de familia ridade e atitude podem afetar a percepção. De maneira geral, no entanto, os psicólogos da Gestalt tendiam a se concentrar mais nos fatores periféricos da organização do que nos efeitos da aprendizagem ou da experiência.

Os Princípios Gestaltistas da Aprendizagem

Vimos que a percepção foi o primeiro foco dos psicólogos da Gestalt. Eles assumiram a posição de que a aprendizagem desempenha um papel principalmente nos processos percepti vos de nível superior. Algumas das experiências mais significativas na história da psicologia são as concebidas por Kôhler para estudar a aprendizagem, especificamente a solução de problemas por macacos.

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Desde o início, os psicólogos da Gestalt se opuseram à concepção da aprendizagem por tentativa e erro de Thorndike, bem como à de estímulo-resposta (E-R) de Watson. Os gestal tistas acreditavam que sua crítica coerente às teorias da aprendizagem associacionista e por estimulo-resposta constituía uma contribuição significativa ao desenvolvimento da psicologia. A concepção gestaltista da aprendizagem está expressa na pesquisa de Kõhler sobre a menta lidade dos macacos e no trabalho de Wertheimer sobre o pensamento produtivo em seres humanos.

A Mentalidade dos Macacos

Mencionamos a estada de Kóhler na Ilha de Tenerife entre 1913 e 1920, quando ele investigou a inteligência dos chinipanzés tal como demonstrada na sua capacidade de solucio nar problemas (Kõhler, 1917). Esses estudos foram realizados nas jaulas dos animais e em tomo delas, e envolviam apetrechos muito simples, como as barras das jaulas (usadas para bloquear o acesso), bananas, varas para puxar as bananas para dentro das jaulas e caixas onde os animais podiam subir. Coerente com a concepção gestaltista da percepção, Kõhler interpre tou os resultados dos seus estudos animais em termos da situação como um todo e dos relacionamentos entre os vários estímulos ai encontrados. Ele considerou a resolução de problemas uma questão de reestruturação do campo perceptivo.

Num estudo, uma banana era colocada fora da jaula e um barbante amarrado nela era deixado na jaula. O macaco puxava a banana para a jaula com pouca hesitação. Kõhler concluiu que, nessa situação, o problema como um todo era

facilmente compreendido pelo animal. Contudo, se vários barbantes fossem da jaula até a direção geral da banana, o macaco não reconhecia, no início, qual deles puxar para obter a fruta. Isso indicou a Kiihler que o problema não pôde ser compreendido claramente de imediato.

Em outro estudo, um pedaço de fruta era colocado fora da jaula pouco além do alcance do macaco. Se se colocasse uma vara perto das barras da jaula diante da fruta, a vara e a fruta eram visualizadas como parte da mesma situação, e o macaco usava a vara para puxar a fruta até a jaula. Se a vara fosse colocada na parte posterior da jaula, os dois objetos (a vara e a fruta) eram vistos de forma menos imediata como partes da mesma situação. Nesse caso, a solução do problema requeria uma reestruturação do campo perceptivo.

Outra experiência envolvia a colocação de uma banana fora da jaula, além do alcance, e o posicionamento de duas varas de bambu ocas dentro da jaula. Cada vara por si mesma era demasiado curta para alcançar a banana. Para fazê-lo, o animal tinha de juntar as duas varas (inserindo a extremidade de uma na extremidade da outra) a fim de construir uma vara de comprimento suficiente. Logo, para resolver o problema, alcançando a banana, o animal tinha de perceber uma nova relação entre as varas.

Sultão, o macaco mais inteligente de Kchler, fracassou em seu primeiro confronto com

essa situação. De início, ele tentou alcançar a banana com uma das varas. Depois, empurrou

uma delas o mais longe que pôde, empurrando-a para ainda mais longe com a segunda até que

a primeira tocasse a banana. Ele não teve sucesso pelo período de uma hora, mas imediata mente depois do fim da sessão experimental, enquanto brincava com as varas, Sultão resolveu

o problema, como conta seu tratador:

Primeiro Sultão se agacha indiferentemente sobre a caixa, que tinha ficado um pouco atrás das grades; então ele se levanta, pega as duas varas, senta-se outra vez na caixa e brinca descuidadamente com elas. Enquanto faz isso, vê-se de repente segurando uma vara em cada mão de uma maneira que as faz ficar em linha reta; ele empurra a mais fina um pouquinho para dentro da abertura da menos fina, pula e corre na direção das grades, para as quais até agora estivera quase de costas, e começa a puxar a banana para si com a ajuda da vara dupla (Kõhler, 1927, p. 127).

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Em tentativas ulteriores, Sultão resolveu problemas semelhantes sem dificuldade, mesmo quando algumas das varas fornecidas não se encaixavam uma na outra. Kohler conta que o

macaco nem sequer tentava encaixar as varas inajustáveis.

Estudos como esse foram interpretados por Kõhler como evidência de introvisão (in sight), a apreensão ou compreensão aparentemente espont e imediata de relações. Noutro exemplo de descoberta independente e simultânea, o psicólogo animal americano Robert Yerkes descobriu evidências em orangotangos para sustentar o conceito. Ele deu ao fenômeno o nome de aprendizagem ideacional.

Em 1974, o tratador dos chimpanzés de Kõhler, Manuel Gonzalez y Garcia, então com oitenta e sete anos, contou a um entrevistador muitas histórias sobre os animais, particularmen te Sultão, que costumava ajudá-lo a alimentar os outros. Gonzales dava cachos de banana para Sultão segurar. “Então, diante da ordem duas para cada’, Sultão andava pelo lugar e dava duas bananas a cada um dos outros macacos” (Ley, 1990, pp. 12-13).

Um dia, Sultão viu o tratador pintar uma porta. Quando o tratador saiu, Sultão pegou o pincel e começou a imitar o comportamento que observara. Noutra ocasião, o filho mais novo de Kõhler, Claus, estava sentado diante de uma jaula, tentando sem sucesso enfiar uma banana entre as barras. Sultão, dentro da jaula e aparentemente sem fome, virou a banana noventa

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Um chimpanzé usa varas de diferentes comprimentos para alcançar um pedaço de fruta.

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graus para que ela coubesse entre as barras, momento em que Kõhler disse a Claus que Sultão era mais esperto que ele.

A solução de problemas e a introvisão diferiam draniaticamente da aprendizagem por tentativa e erro descrita por Thorndike e outros. K criticou com veemância a obra de Thomdike, afirmando que suas condições experimentais eram artificiais e só permitiam o comportamento aleatório do animal. K alegou que os gatos na caixa-problema de Thom dike não podiam explorar todo o mecanismo de libertação (todos os elementos pertencentes ao todo), razão por que só podiam se comportar em termos de tentativa e erro. Do mesmo modo, um animal num labirinto não pode ver o padrão ou projeto geral, mas apenas cada corredor que encontra; por isso, tudo o que pode fazer é experimentar cegamente seguir por um ou por outro. Na concepção gestaltista, antes de a introvisão poder ocorrer, o organismo tem de ter capacidade de ver os relacionamentos entre os vários elementos do problema.

Esses estudos de Kõhler sustentam a concepção molar do comportamento proposta pelos gestaltistas, em oposição à visão molecular promovida pelos associacionistas e comportamen talistas. Essa pesquisa também reforça a idéia de que a aprendizagem envolve a reorganização ou reestruturação do ambiente psicol

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