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Recaída No Alcoolismo

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Por:   •  21/4/2014  •  4.261 Palavras (18 Páginas)  •  512 Visualizações

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FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CIENCIAS, EDUCAÇÃO E LETRAS - FACEL

Pós Graduação em Dependência Química

Área de Psicologia

Data de início: 17/09/2011

A RECAÍDA NO ALCOOLISMO

Silvia Beatriz Ussyk Manzarra

RESUMO

Atualmente o alcoolismo é um grave problema de saúde pública. Diversos fatores contribuem para o seu desenvolvimento, entre eles, o fator hereditário, ambiental, cultural e psicológico. Esta multifatoriedade dificulta o estabelecimento de um plano terapêutico padronizado, não sendo possível estabelecer um protocolo de tratamento universal. Por sua vez, a taxa de recaída, a qual consiste em voltar ao mesmo padrão de consumo depois de ter cessado durante um período, é bastante elevada. Nesse sentido, este trabalho, busca focar o processo de recaída ao alcoolismo. Para tanto, foi realizada uma revisão em diversas bibliografias relacionadas ao assunto. Concluiu-se que é de suma importância realizar o acolhimento do alcoolista em qualquer nível assistencial, bem como daqueles que procuram os serviços de saúde. Sendo fundamental disponibilizar uma equipe tecnicamente capacitada no manejo do processo de tratamento o que inclui, por muitas vezes, o processo de recaída.

PALAVRAS – CHAVE: alcoolismo, dependência alcoólica, tratamento, recaída.

1 INTRODUÇÃO

A relação homem e droga acompanha a história da humanidade ao longo dos tempos, passando lentamente de um uso ritualístico, espiritual para o consumo contemporâneo fundamentado na busca do prazer, alívio imediato de desconforto físico, psíquico ou de pressão social, estando, na atualidade, presente em todas as classes sociais (ORTH; MORÉ; 2008).

O consumo controlado de álcool, com precauções de acidentes, caracteriza-se de baixo risco. Por outro lado, há indivíduos que bebem eventualmente, mas que são incapazes de controlar ou adequar seu modo de consumo, o que pode levar a problemas sociais, físicos e psicológicos. Esses, por sua vez fazem uso nocivo do álcool. Por fim, quando o consumo se mostra compulsivo e destinado à evitação de sintomas de abstinência, sua intensidade é capaz de ocasionar problemas sociais, físicos e ou psicológicos. Nesse caso fala-se em dependência, sendo necessário destacar que qualquer padrão de consumo pode trazer conseqüências negativas para o indivíduo (LARANJEIRA et al., 2003).

Assim, o abuso do álcool vem sendo crescentemente estudado ao longo dos anos, dado o impacto mundial que esta problemática gera em termos assistenciais e financeiros, não só no que se refere ao individuo usuário, como também aos familiares e à sociedade em que está inserido (COELHO; QUEIROZ; RAMOS, 2008).

Em decorrência da multifatoriedade do alcoolismo, o seu tratamento é complexo e existe um risco potencial de recaídas. Marlatt et al. (2009) expõe que o desastre cabal de uma crise de recaída, depois do indivíduo haver mantido a abstinência há anos, tem desnorteado pacientes, pesquisadores e clínicos. O autor também cita que voltar a beber é uma “experiência devastadora”, o que pode ocorrer do retorno crônico aos níveis anteriores de abuso (MARLATT, 2009).

Destarte, compreende-se que os primeiros doze meses de abstinência são considerados de alto risco na reincidência ao uso das drogas. A taxa de recaída é elevada, sendo que aproximadamente 90% dos indivíduos dependentes do álcool voltam a beber nos quatro anos seguintes a interrupção, quando nenhum tratamento é realizado (COELHO; QUEIROZ; RAMOS, 2008).

Em relação ao período de remissão, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) em sua 4° edição, estabelece o prazo de um ano para se poder considerar prolongada a remissão, portanto os 12 primeiros meses que se seguem à privação constituem um período de alto risco de recaída (MARQUES et al., 2011; DSM-IV, 2002).

Considerando o exposto, o presente trabalho busca focar o processo de recaída ao alcoolismo.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O álcool acompanha a humanidade desde seus primórdios, ocupando um local privilegiado em todas as culturas, quer em rituais religiosos quer sua presença constante nas comemorações e confraternizações. Ao longo da história, o álcool tem assumido vários papéis, tais como ingrediente de diversos medicamentos, perfumes e poções mágicas, como também, componente essencial de bebidas que acompanham os ritos de alimentação dos povos (GIGLIOTTI; BESSA, 2004).

Porém, com as transformações econômicas e sociais ocorridas na sociedade, principalmente, a revolução industrial que provocou grandes concentrações urbanas, houve a multiplicação da produção e da disponibilidade das bebidas, o que promoveu a redução dos preços, com isso ocorreu uma mudança profunda na maneira da sociedade e dos homens relacionarem-se com o álcool (GIGLIOTTI; BESSA, 2004).

Segundo Laranjeira et al. (2003), o conceito atual de dependência química do álcool é descritivo, baseado em sinais e sintomas, o que lhe confere objetividade. Desse modo, a dependência alcoólica é vista como uma síndrome, determinada a partir da combinação de diversos fatores de risco, aparecendo de maneiras distintas em cada indivíduo.

O alcoolismo, portanto, é um conjunto de sintomas fisiológicos, comportamentais e cognitivos que derivam da auto administração repetida. Manifesta-se no período de um ano, por três ou mais critérios, entre eles, a tolerância, a abstinência, o consumo de maiores quantidades ou por períodos mais extensos do que esperado, o desejo persistente ou os esforços mal-sucedidos no intuito de reduzir o consumo da droga. Há também a alta demanda de tempo despendido em atividades para obtenção da droga, o uso contínuo da droga, embora apresente problemas físicos e psicológicos decorrentes, e o abandono ou a redução de atividades de recreação e ocupacionais devido ao uso da substância (DSM-IV; 2002).

Assim sendo, esta síndrome envolve o quadro de tolerância e abstinência do álcool. Entendendo-se a tolerância como a necessidade de doses cada vez maiores da droga para que exerça o mesmo efeito, ou a diminuição do efeito da substância com as doses anteriormente tomadas. E por síndrome de abstinência, um quadro de desconforto físico e /ou psíquico quando da diminuição ou suspensão do consumo etílico (GIGLIOTTI; BESSA, 2004).

Corroborando com os autores supracitados, Rigoni et. al. (2009) qualifica a dependência alcoólica como uma síndrome caracterizada por um forte desejo de consumir o álcool ou grande dificuldade de controlar o consumo, com o intuito de obter prazer e/ou evitar conseqüências desagradáveis decorrentes da abstinência.

Dados do Ministério da Saúde estimam que cerca de 12,3% da população brasileira pode ser considerada dependente do álcool. De acordo com os critérios da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) e do DSM-IV, a dependência alcoólica assume uma alta prevalência quando comparada com muitas outras doenças (BRASIL, 2004).

A dependência do álcool é entendida como uma doença de caráter biopsicossocial que se instala através de um processo que decorre ao longo de um continuum de uso de bebida alcoólica (LARANJEIRA; BORDIN; FIGLIE; 2010). Segundo Gallassi et. al. (2008), estudos epidemiológicos indicam que o abuso do álcool acarreta expressiva morbimortalidade e que problemas, direta ou indiretamente, estão relacionados a um importante prejuízo econômico em todo o mundo.

Um estudo sobre o alcoolismo, realizado no ano de 1993, pela Federação das Indústrias do estado de São Paulo (FIESP), apresentou que o alcoolismo, comparado a outros problemas de saúde, é responsável por gerar três vezes mais licenças médicas, aumenta cinco vezes as chances de acidente de trabalho, além de aumentar em oito vezes a utilização de diárias hospitalares e levar as famílias a recorrerem três vezes mais às assistências médica e social (BRASIL, 2004).

Complementando as citações anteriores, a análise de dados pelo Banco de dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS), aponta que os custos decorrentes do consumo de álcool são de grande magnitude (BRASIL, 2003). Somando-se a esta situação, está o fato de que o período médio entre o primeiro problema decorrente do uso de álcool e a primeira intervenção voltada para este problema, é de cinco anos. Esta demora para iniciar o tratamento, interfere no prognóstico (BRASIL, 2003).

A busca ou não por ajuda é uma condição que apresenta uma série de variáveis, entre elas a motivação, a qual é entendida como um estado de prontidão para a mudança. A dependência não é uma condição imutável, apesar de estar associada aos problemas de personalidade, do qual o indivíduo estará sempre refém. Importante ressaltar que durante o período da vigência do consumo, o dependente químico pode passar por estágios motivacionais, sendo que para cada estágio há uma abordagem especial (LARANJEIRA et al., 2003).

Em relação a isto, é importante considerar que a não-compreensão fenomenológica da resistência, freqüentemente apresentada pelos pacientes, pode provocar respostas pouco acolhedoras em alguns profissionais. O que se agrava na perspectiva de que há necessidade de acolhimento, enquanto estratégia facilitadora de abordagem para o tratamento. Dessa forma o acolhimento está associado a motivação e a aderência a qualquer proposta de cuidado, sendo uma ação fundamental (BRASIL, 2003).

Considerando o tratamento do indivíduo com dependência ao álcool no Brasil, é pertinente citar que o Sistema Único de Saúde – SUS. Este é um conjunto de ações e serviços de saúde que tem por finalidade a promoção de maior qualidade de vida para toda a população brasileira (BRASIL, 2004).

A Lei 10.216, de 06 de abril de 2001, sobre o marco legal da Reforma Psiquiátrica, ratificou de forma histórica as diretrizes básicas que constituem o SUS, garantindo aos usuários de serviços de saúde mental e, conseqüentemente aos que sofrem por transtornos decorrentes do consumo de álcool e outras drogas, a universalidade de acesso e direito à assistência, bem como à sua integralidade. Essa lei também valoriza a descentralização do modelo de atendimento, quando determina a estruturação de serviços mais próximos do convívio social de seus usuários, configurando redes assistenciais mais atentas às desigualdades existentes, ajustando de forma equânime e democrática as suas ações às necessidades da população (BRASIL, 2004).

Ainda com foco no tratamento disponibilizado pelo Estado, aponta-se que os Centros de Atenção Psicossocial para álcool e drogas (CAPSad) devem oferecer atendimento diário a pacientes que fazem o uso prejudicial de álcool e outras drogas, permitindo o planejamento terapêutico dentro de uma perspectiva individualizada de evolução contínua. Possibilita ainda intervenções precoces, limitando o estigma associado ao tratamento. Assim, a rede proposta se baseia nesses serviços comunitários, apoiados por leitos psiquiátricos em hospital geral e outras práticas de atenção comunitária, como por exemplo, a internação domiciliar, e a inserção comunitária de serviços, de acordo com as necessidades da população-alvo dos trabalhos. Os CAPSad desenvolvem uma gama de atividades que vão desde o atendimento individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros) até atendimentos em grupos, oficinas terapêuticas e visitas domiciliares. Também devem oferecer condições para o repouso, bem como para a desintoxicação ambulatorial de pacientes que necessitem desse tipo de cuidados e que não demandem por atenção clínica hospitalar (BRASIL, 2004)

Laranjeiras et al. (2003) destacam que boa parte dos dependentes de álcool entra em contato com o sistema de saúde, devido a complicações decorrentes do seu consumo, fazendo com que o médico generalista seja o primeiro contato com a rede de atendimento. Daí a importância de se capacitar também os profissionais de saúde da rede básica em dependência química.

A desintoxicação do álcool é uma das mais difíceis, em virtude dos sintomas físicos da sua característica. A síndrome de abstinência inclui sudorese, hipertensão arterial, taquicardia, tremores, convulsões, podendo ocorrer um quadro de Delirium Tremens, podem ser acrescidos delírios e alucinações, necessitando um adequado monitoramento do paciente (OLIVEIRA et al., 2004).

Outra característica importante do alcoolismo, diz respeito ao episódio de recaída. Estudos de seguimento (recuperação e recaída) indicam que aproximadamente um terço dos pacientes consegue a abstinência permanente com sua primeira tentativa séria de recuperação. Outro terço tem episódios breves de recaída, mas resulta, eventualmente, abstinência em longo prazo. O terço adicional tem recaídas crônicas, o que implica recuperações transitórias da adição química (ÁLVAREZ, 2007).

Para os autores supracitados, a conceituação atual de recaída reconhece a complexidade e a natureza do processo, porém não a definem como quadro imprevisível e caótico como alguns atores conceituam. Complementam dizendo que a despeito de como se define a recaída, uma interpretação geral das pesquisas de psicoterapia de vários transtornos de comportamento revela que a recaída pode ser um denominador comum no tratamento de problemas psicológicos (ÁLVAREZ, 2007).

Ou seja, a maioria dos indivíduos que faz uma tentativa de mudar o próprio comportamento, com um determinado objetivo (perder peso, parar de fumar, etc.), experimenta lapsos que frequentemente conduzem à recaída. Portanto, com o indivíduo que busca parar de beber não é diferente, o ato de recair, enquanto acontecimento singular pode ser denominado lapso (MARLATT ET al., 2009).

Para Marques et. al (2011), o lapso é impulsivo, associado a um consumo (que pode ser único), acompanhado por um sentimento de culpa e pelo desejo honesto de regressar à abstinência. As tentativas de mudança de comportamento são freqüentes às vivências de lapsos que podem conduzir à recaída. No entanto, se o indivíduo encarar um lapso como um fracasso irreparável é provável que o lapso progrida para uma recaída. Contudo, Marlatt et al. (2009) destacam que se o indivíduo encarar o lapso como uma experiência de aprendizagem transicional, a progressão para a recaída é menos provável.

Para se considerar que houve uma recaída, exige-se que o paciente tenha conseguido, ao menos, dois meses de abstinência, sendo que a recaída é considerada uma parte do processo de reabilitação e não o final (ÁLVAREZ, 2007).

Em relação a situações de risco que podem provocar as recaídas, estão as: a) emoções negativas, tais como a ansiedade, depressão, culpa, sendo estas os fatores predominantes que antecedem o primeiro consumo; b) pressão social como atribuições negativas, por exemplo, quando os amigos oferecem ou pressionam para consumir, quando o sujeito visita certas pessoas ou as recebe em casa, ir a festas, por exemplo; c) manejo de situações difíceis, como enfrentar uma má notícia, terminar uma relação de casal, discussões no seio familiar; d) manejo dos problemas físicos e psicológicos, como insônia, solidão, doenças próprias, problemas sexuais; e) sintomas de abstinência unida a estímulos e incitações como precipitante.

Complementando as colocações anteriores, a recaída é influenciada pela inter-relação das situações ambientais condicionadas de alto risco, as habilidades para enfrentá-las, o nível percebido de controle pessoal (auto-eficácia) e a antecipação dos efeitos positivos do álcool (ÁLVAREZ, 2007).

Importante citar que a recaída não ocorre dentro de um vácuo e que há muitos fatores que contribuem para que ela ocorra, assim como também existem evidências ou sinais de advertência que indicam que um indivíduo alcoolista pode estar no perigo do retorno ao abuso da substância (ÁLVAREZ, 2007). Nesse sentido, a recaída não pode ser compreendida somente como o retorno real ao padrão do abuso da substância, mas também como o processo em que aparecem indicadores antes da volta do paciente ao uso da substância.

Marlatt et at. (2009) destacam que a recaída começa antes de reiniciar o consumo de álcool, e que as pessoas com respostas ineficazes a situações de alto risco experimentam falta de confiança que, junto com as expectativas positivas quanto ao consumo do álcool, podem provocar um consumo deste, gerando sentimentos de culpa, que com o efeito positivo de álcool, lhe induzirão a seguir bebendo. Os autores esclarecem que estes fatores são de duas classes, a primeira são determinantes imediatos que abordam as situações de alto risco, como estados emocionais negativos, situações de conflito interpessoal, situações de pressão social e estados afetivos positivos. E a segunda são determinantes ocultos como o estilo de vida do paciente, os tipos de afrontamento ao estresse, o sistema de crenças entre outros, os quais mediam a resposta aos fatores imediatos. Depois acontece o deslize (consumo ocasional do álcool) que pode conduzir a uma recaída. O autor complementa que se tem descrito uma reação chamada efeito da violação da abstinência (EVA) que se centra na resposta emocional que o sujeito tem diante do deslize.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) nomeia o desejo de repetir a experiência dos efeitos de uma dada substância como craving. Este desejo pode ocorrer tanto na fase de consumo, quanto no início da abstinência, ou após um longo período sem utilizar a droga, podendo ser um dos sinais de alerta que poderia levar a um lapso ou recaída, podendo estar acompanhado de alterações no humor, no comportamento e no pensamento (ARAUJO et al., 2008). Os dependentes químicos referem-se ao craving como ”fissura”, vale ressaltar que esta última nomenclatura não é plenamente aprovada no meio acadêmico.

Como já mencionado, o conceito mais utilizado de craving é o que se refere a um intenso desejo para consumir determinada substância, porém pode ser mais amplamente definido como o reflexo de um estado de motivação orientado para o consumo de drogas. Este pode ser classificado em quatro tipos: 1- como resposta à síndrome de abstinência; 2- como resposta à falta de prazer; 3- como resposta condicionada a estímulos relacionados às substâncias psicoativas, e 4- como tentativa de intensificar o prazer de determinadas atividades (ARAUJO et al., 2008).

Relevante citar que existem vários modelos que explicam o craving, como o modelo comportamental, o qual se fundamenta no condicionamento clássico de Pavlov e Watson e no modelo operante de Skinner. Este modelo atribui parte da manutenção do uso de drogas como decorrência da expectativa do efeito de prazer aprendido a partir de experiências anteriores (condicionamento respondente). Bem como dos efeitos da interação entre o sujeito e o seu contexto social (condicionamento operante), isto seria, os efeitos do uso da droga sobre o comportamento do sujeito, o indivíduo muda sua ação e essa altera o ambiente, por exemplo, usar álcool para evitar contato com os problemas, ou mesmo, beber para agir de forma mais descontraída e como consequência ser bem visto pelo grupo de amigos. Isto posto, salienta-se que a própria disponibilidade da substância tem sido associada ao aumento do craving, tais como estímulos externos e a rede social relacionada ao uso de drogas (ARAUJO et al., 2008).

O modelo cognitivo que explica o craving a partir da expectativa antecipada que o indivíduo tem quanto aos efeitos da substância, sendo salientada a interpretação cognitiva feita a respeito deste fenômeno e não diretamente as respostas fisiológicas a ele relacionadas. Este modelo coloca que aspectos psicológicos, como estresse, variáveis da personalidade, aspectos motivacionais, processos cognitivos automáticos e não automáticos, referentes à memória dos efeitos das drogas e às expectativas de resultado destes efeitos contribuem para a etiologia do craving (ARAUJO et al., 2008).

E o modelo neurobiológico destaca que as mudanças em vários sistemas de neurotransmissão, como dopamina, serotonina, opióides, glutamato e noradrenalina, variam com o comportamento de procura pelas drogas e refletem o quanto é importante o estudo deste mecanismo neurobiológico para o entendimento do craving (ARAUJO et al., 2008).

Tão importante quanto conceituar o fenômeno craving é apresentar possibilidades de seu manejo. Assim sendo, salienta-se algumas técnicas de manejo do craving provenientes da terapia cognitivo-comportamental, que são um importante instrumento terapêutico: distração, cartões de enfrentamento, relaxamento, refocalização, substituição por imagem negativa, substituição por imagem positiva, ensaio por visualização e visualização de domínio (ARAUJO et al., 2008).

Araujo et al. (2008) concluem que é possível observar que as técnicas de manejo do craving pesquisadas e utilizadas na prática clínica provêm de diversas fundamentações, podendo ser categorizadas como comportamentais, cognitivas ou psicofarmacológicas. Destaca-se que muitas vezes é necessária a integração de várias dessas abordagens para controlar o craving, sendo que mesmo assim, nem sempre se obtém sucesso nesse intuito.

E em relação a técnicas de manejo, o termo Prevenção de Recaída (PR) refere-se a uma ampla variedade de técnicas, quase todas cognitivas ou comportamentais, fundamentadas no programa de prevenção e recaída proposta por Marlatt em 1985. A prevenção de recaída busca essencialmente a mudança de um hábito autodestrutivo e manutenção desta mudança. Para tanto, através de intervenções específicas, busca a identificação de situações de risco para determinado indivíduo e o desenvolvimento de estratégias para lidar efetivamente com estas situações (FIGLIE; BORDIN; LARANJEIRA; 2010).

Por fim, os autores supracitados concluem que o objetivo da prevenção de recaída é bem mais amplo do que apenas ajudar o paciente a desenvolver habilidade para aprender a viver sem ter no álcool ou na droga uma prioridade. Complementam que seu comportamento de uso é apenas o ponto de partida para a modificação de todo um estilo de vida, de um jeito de ser no mundo (FIGLIE; BORDIN; LARANJEIRA; 2010)..

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dependência química do álcool constitui atualmente o fator mais importante de desorganização social, familiar e individual, além de níveis insuportáveis já alcançados pelo seu elevado custo sócio-econômico e sanitário. A despeito de toda a complexidade do tema alcoolismo, é de suma importância destacar que o acolhimento, em qualquer nível assistencial (especializado ou não-especializado), deve estar disponível no momento em que a sua necessidade se impõe, uma vez que a ambivalência, a flutuação motivacional e o imediatismo fazem parte da apresentação costumeiramente evidente naqueles que procuram os serviços de saúde, devido às conseqüências do seu consumo alcoólico.

Outro ponto importante a salientar é a disponibilização de uma equipe capacitada a trabalhar com o paciente, baseada em fatores protetivos, como habilidades sociais, vínculos positivos com pessoas, instituições e valores, auto-estima, motivação, prontidão para mudança e, em contra partida situações que podem servir como “gatilho” para desencadear uma situação de risco para uma recaída.

É necessário trabalhar com o paciente quais foram às situações que estimularam o craving, para que as estratégias de prevenção a recaída sejam bem planejadas, pois apesar do craving estar associado com a recaída, não há determinação quanto a este desfecho, sendo possível que seja trabalhado o controle individual no manejo da situação de risco, pois a recaída pode ser considerada como uma parte do processo de reabilitação e não o final.

REFERÊNCIAS

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MARLATT, G. A.; DONAVAN, D. M. Prevenção de recaída. Estratégia de manutenção no tratamento de comportamentos adictivos. Porto Alegre: Artmed, 2009.

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OLIVEIRA, M. S.; ARAÚJO, R. B.; NUNES, M.L.T.; PICCOLOTO,L.B.; MELO,W.V.; A avaliação do craving em alcoolistas na síndrome de abstinência. Psico-USF,

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ORTH, A. P. S.; MORÉ, C. L. O. O; Funcionamento de Famílias com Membros Dependentes de Substâncias Psicoativas. Psico. Argum. 2008

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