Relatório do Estágio em Processos Clínicos

Relatório do estágio em  Processos Clínicos

1. Questão clínica

A presença do vírus se tornou uma ameaça constante, que se tornava mais próxima à medida que víamos os colegas de estágio se contaminando. E mesmo que tentássemos retomar as atividades normalmente, acredito que essa ameaça, mesmo que inconscientemente, tenha afetado a capacidade de acolher os pacientes, assim como pode ter afetado a disponibilidade dos pacientes de comparecer à clínica.

Durante todo o estágio tentei realizar os atendimentos da melhor maneira possível, e não havia considerado a possibilidade de que o medo da contaminação pudesse ter afetado minha capacidade de escutar o paciente, até que minha orientadora do estágio abordou essa opção comigo durante as supervisões. Avaliando agora, acredito que realmente houve mudanças no meu atendimento durante a pandemia comparado com aqueles realizados antes da paralisação, e mudanças mais significativas no meu atendimento após a descoberta de minha gravidez, no início do segundo semestre. Além disso, houve mudanças significativas no número de pacientes e na frequência  de comparecimento dos mesmos. Nos primeiros meses do ano tive um número reduzido de pacientes devido à reduzida procura dos pacientes, principalmente pela época do ano, porém tive a oportunidade de dar continuidade ao tratamento de alguns destes, que dificilmente faltavam às consultas, no entanto, após a paralisação, eles não retornaram quando retomamos os atendimentos. Nesse momento pós-paralisação, a procura dos pacientes pelos atendimentos da CPU aumentaram, porém abandonavam o tratamento logo em seguida, alguns compareceram apenas à primeira consulta, enquanto outros vieram à quatro ou cinco consultas ao longo dos meses, faltando frequentemente antes do abandono. É possível considerar a baixa adesão ao tratamento apresentado pelos pacientes como um efeito que o medo da contaminação teve sobre a minha capacidade de acolher o paciente, assim como podemos considerar como fator de abandono do tratamento o efeito que o medo causou no próprio paciente. segundo Lima e colaboradores (2020), o estresse gerado pelo COVID-19 pode ser comparado à desastres naturais e guerras, podendo causar traumas psicológicos em toda a população. Esse efeito é maior entre aqueles que precisaram continuar trabalhando, causando um temor não apenas em relação ao contágio próprio, mas também o de pessoas próximas, como familiares e amigos, que poderiam ter uma evolução ruim da doença (LIMA et al, 2020).

Outra questão que afetou a adesão ao tratamento, pelo que pude perceber, foi o pagamento das consultas. Diversos pacientes, ao serem informados da questão do pagamento, se mostraram chocados, afirmando que achavam que o serviço era gratuito, e que não possuíam condições financeiras de arcar com essa despesa, mesmo após informá-los de que o valor seria estabelecido de acordo com as condições financeiras deles, e que não havia um valor mínimo. A maioria dos pacientes, ao final da consulta inicial, normalmente se propunham a trazer uma proposta de pagamento na sessão seguinte, porém acabavam por não comparecer às consultas, abandonando o tratamento.

A questão do pagamento se mostrou impactante à continuidade do serviço logo na primeira consulta, na maioria dos casos, no entanto tive dois casos em que essa questão surgiu mais tarde. Uma de minhas pacientes, na segunda consulta, trouxe a proposta de pagamento, sugerindo que as consultas fossem pagas ao final do mês, comparecendo ao atendimento todas as semanas. Ao fechar o mês, quando encerrávamos a consulta, ela comentou que estava na hora de realizar o pagamento referente aos atendimentos feitos, entretanto, ao conferir a bolsa, constatou que havia esquecido de trazer dinheiro aquele dia, portanto pagaria na outra semana, quando novamente esqueceu a carteira. Alguns dias depois entrou em contato com a clínica por telefone e cancelou os atendimentos. 

...