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Violência e Conflitos nas Escolas

Por:   •  1/8/2016  •  Artigo  •  9.247 Palavras (37 Páginas)  •  527 Visualizações

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Violência nas escolas

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Violência em meio escolar

  

Caren Ruotti * 

 

Introdução

Definição da violência em meio escolar

Amplitude do problema

Diferentes processos envolvidos na produção da violência nas escolas

Consequências da violência em meio escolar

Prevenção da violência escolar

Referências

Leituras Sugeridas

 

Introdução

 

violência escolar não é um fenômeno novo, aqui ou em outros países sempre estiveram presentes nos estabelecimentos de ensino práticas ligadas a castigos corporais, legitimadas como forma de disciplinamento (Debarbieux, 1990). Estas práticas refletiam as concepções sustentadas sobre a infância como lugar de selvageria que caberia à escola corrigir. Os alunos, por sua vez, não passavam compassivos a estes inúmeros castigos, e apresentavam respostas a esta violência. Entretanto, se este não é um fenômeno novo, ele se reveste atualmente de novas configurações, inclusive devido à progressiva deslegitimação dos castigos corporais. 

 

Segundo Charlot (2002), esses novos contornos dizem respeito a vários fenômenos, como: maior gravidade dos incidentes violentos que, embora aconteçam de forma rara, alimentam uma angústia social (como a ocorrência de homicídios); maior incidência de ataques e insultos a professores; envolvimento de alunos cada vez mais novos nas ocorrências de violência; intrusão de elementos externos atuando na ocorrência de agressões no ambiente escolar; atos repetitivos, mínimos contra os docentes e o pessoal administrativo que, embora nem sempre se configurem como violência, produzem uma sensação de ameaça permanente.

No Brasil, desde os anos 80, o tema da violência nas escolas vem ganhando destaque nas discussões públicas e acadêmicas, surgindo como um dos graves problemas que atingem as escolas e põem em cheque a própria ação educativa. Em um primeiro momento, como salienta Sposito (1998), essa violência manifesta-se principalmente por meio de ações contra o patrimônio escolar (depredações, pichações, invasões, assaltos), as quais seriam cometidas por agentes externos à escola, gerando uma demanda por maior segurança aos prédios escolares. Já na década de 90, o fenômeno adquire maior complexidade, estando fortemente associado à intensificação dos conflitos interpessoais no seu interior (como as agressões físicas entre alunos e atos de vandalismos provocados pelos alunos). A perplexidade surge nesse momento já que os próprios membros escolares começam a ser vistos como produtores dessa violência. Ademais, começa a ser fonte de preocupação a porosidade da escola a outros tipos de conflitos relacionados ao aumento da criminalidade violenta nas regiões onde as escolas estão situadas, inclusive devido à presença do narcotráfico (Guimarães, 1998).Soma-se a isso a dificuldade na implantação de novas práticas no ambiente escolar, já que o êxito dessas políticas depende fortemente da aceitação e compreensão dos profissionais na sua implementação, além de uma ampla participação de todos os membros escolares. Infelizmente nem sempre isso ocorre, seja por deficiências estruturais (como a falta de recursos materiais e humanos), seja pela deficiência na formação dos profissionais de educação, inclusive no que diz respeito à gestão da convivência escolar. Esses são alguns dos fatores que acabam por dificultar a promoção de uma escola mais inclusiva e democrática, onde os valores de respeito mútuo e tolerância possam ser cultivados. Deste modo, aliada à melhoria das condições de trabalho em geral, especialmente nas escolas públicas, é prioritária uma adequada formação dos profissionais da área de educação, que não se restrinja às disciplinas escolares, mas também às relações e valores que serão construídos nas escolas, a fim de permitir a proposição de ações que priorizem as necessidades educacionais e sociais dos alunos.

Contudo, embora a violência escolar seja um problema que se apresenta na pauta de inquietações cotidianas, especialmente dos profissionais de educação, muito pouco foi feito na concretização de programas e medidas voltadas para sua prevenção no país. Esse déficit mostra, em grande medida, a existência de um enfoque fortemente repressivo, que perpassa o ensino formal e a educação mais ampla, além de um clima de insegurança relacionado ao aumento da criminalidade violenta[1]. Vê-se, desse modo, a propagação de medidas de segurança, como câmeras de vigilância, alarmes, colocação de grades, ampliação de muros e policiamento (com a implantação das rondas escolares), as quais são priorizadas em detrimento de intervenções de cunho educativo e social (Sposito, 1998).

Nesse sentido, a violência nas escolas acaba por ser tratada fundamentalmente como questão de segurança pública, revelando a permanência de uma mentalidade por vezes autoritária e excludente. Isso não significa que muitas dessas medidas de segurança não sejam válidas para alguns tipos de ocorrências que afetam as escolas, entretanto, elas não conseguem abarcar os vários fatores envolvidos na produção da violência escolar, os quais precisam, em grande medida, de uma abordagem propriamente educativa.  

Por outro lado, como apontam Sposito e Gonçalves (2002), observa-se a descontinuidade das poucas políticas educacionais que têm sido adotadas visando à prevenção da violência escolar. Isso decorre, em grande parte, em função das mudanças de gestão, impedindo o estabelecimento de ações duradouras. Assim, propostas de abertura das escolas nos finais de semana, programas de formação de professores, estímulo à participação ativa dos membros escolares (por meio de Grêmios e Conselhos de Escolas) são exemplos de propostas já desenvolvidas pelas administrações públicas de diferentes municípios que foram abandonadas ou reformuladas devido às alterações administrativas, revelando que tanto as diferentes conjunturas econômicas e sociais, bem como as orientações partidárias vêm atuando diretamente nas oscilações das políticas educacionais voltadas para a violência escolar.

 

Definição da violência em meio escolar 

Não é simples definir o que pode ser considerado violência nas escolas, já que há uma amplitude de comportamentos, atitudes e ocorrências que podem ser designados sob esse termo, bem como diferentes fatores que entram na dinâmica de causalidades. Debarbieux (2001), ao salientar o caráter histórico e social da violência, indica que seria um erro procurar definir a violência escolar de forma absoluta, sendo mais apropriado entender como esta é socialmente construída, ou seja, quais fatos sociais são designados pelos próprios atores escolares por este termo.

De forma geral, as pesquisas na área identificam como violência escolar um conjunto de manifestações que vão desde microvitimizações (agressões mais leves, físicas ou verbais – mas nem por isso menos graves –, e ameaças que se tornam constantes, fazendo emergir um clima de degradação do clima escolar) a delitos de maior gravidade que envolvem, inclusive, riscos à integridade física dos membros escolares. Desse modo, é essencial ter em mente as distinções que esse conceito comporta, especialmente quando o foco é a prevenção. De acordo com Charlot (2002), algumas distinções têm sido utilizadas (embora este permaneça como um campo em disputa):

  • Violência na escola: quando a escola é o local de violências que não estão relacionadas à natureza e às atividades da própria instituição (quando certos grupos invadem o espaço escolar para resolver disputas do bairro, as quais, portanto, poderiam acontecer em qualquer outro lugar);
  • Violência à escola: tipo de violência relacionada às práticas da própria instituição e que se manifesta por meio de ações contra a instituição (como depredações, incêndios ou agressão aos professores);
  • Violência da escola: tipo de violência simbólica[2], institucional, que se revela na adoção de um tratamento classificatório e excludente em relação aos alunos (como modos de composição das classes, de atribuição de notas, atos ou palavras considerados pelos alunos como desrespeitosos ou racistas). Violência essa que deve ser analisada junto com a violência à escola, uma vez que estão imbricadas.

De acordo com Charlot, essas distinções são essenciais, pois se, por um lado, a escola pode ser impotente (embora não totalmente) no que diz respeito à violência na escola, por outro lado, ela possui maior capacidade de desenvolver ações em face à violência à escola e da escola. 

O autor indica ainda uma distinção desenvolvida nos últimos anos pelos pesquisadores franceses, a qual apresenta utilidade prática e teórica. Trata-se da distinção entre: a) violência, termo que designaria as ocorrências que atacam diretamente a lei com uso da força ou ameaça de usá-la (como lesões, insultos graves, tráfico de drogas); b) transgressão, nos casos em que as regras próprias da instituição escolar são desrespeitadas (como não realização de atividades escolares); c) incivilidade, ocorrências que não se inserem nas anteriores, mas que contradizem as regras de boa convivência e respeito mútuo (como empurrões, grosserias, palavras ofensivas que ferem o direito de cada um sentir-se respeitado).

Outro conceito que se confunde e se interpenetra com a violência nas escolas é o de indisciplina. Como indica Camacho (2001), há uma fragilidade nas fronteiras entre estes dois termos no cotidiano das escolas, os quais se mesclam nas falas dos membros escolares. Esta indisciplina aproxima-se mais dos comportamentos que subvertem a ordem escolar, que desrespeitam suas regras e normas de conduta, sendo verificada freqüentemente nas brincadeiras e no clima de bagunça nas salas de aulas, na recusa em “entrar no jogo”, demonstrando um questionamento da autoridade docente, um desencontro entre os profissionais e a sua clientela (Aquino, 1998). Contudo, ao se configurar como forte ponto de tensão, esse desencontro pode desembocar em atitudes violentas, inclusive agressões entre alunos e professores.

De outra forma, é possível destacar o uso do termo bullying, o qual não tem uma tradução exata para o português, mas que tem sido tratado nos termos de intimidação, assédio moral na escola ou comportamento agressivo entre estudantes[3]. Esse conceito indica um tipo de violência entre os alunos, que ao contrário de ser esporádico e momentâneo, envolve a ocorrência repetitiva de agressões de ordem física, verbal e/ou psicológica (como apelidos, xingamentos, empurrões, chutes, pertences roubados ou danificados, humilhações, exclusão ou isolamento do grupo). Ou seja, caracteriza-se pela ocorrência de ataques sistemáticos que se estendem por um longo período de tempo, nos quais se evidencia um desequilíbrio de poder entre o agressor e a vítima. São perpetrados por uma única pessoa ou mesmo por um grupo (Olweus, 1993) e provocam com sérias conseqüências psicológicas e emocionais para as vítimas. O bullying nas escolas passa a ganhar repercussão e maior interesse a partir de casos graves de violência, como suicídios e atentados praticados por jovens que são indicados como prováveis vítimas de bullying[4].

 

Amplitude do problema

Um dos entraves para a proposição e estabelecimento de intervenções voltadas para a prevenção da violência escolar consiste na deficiência de dados confiáveis que forneçam uma dimensão dessa problemática. No Brasil, embora exista um sentimento de insegurança que parece assombrar as escolas - o qual é alimentado não só pela ocorrência de fatos violentos, mas pela mediação que é feita principalmente pela mídia quando da ocorrência de casos graves de agressão física -, há uma deficiência de levantamentos oficiais periódicos de abrangência nacional voltados para essa problemática. Regionalmente, também se observa uma lacuna no acompanhamento das ocorrências escolares: especificamente o Estado de São Paulo não apresenta atualmente dados oficiais consolidados sobre essas ocorrências[5].

Entretanto, outras instituições acadêmicas ou não-governamentais têm mostrado preocupação em dimensionar esse problema, o que tem resultado em alguns estudos. Destacam-se as pesquisas desenvolvidas pela UNESCO que, por meio de levantamentos de dados quantitativos e qualitativos em algumas capitais, permitem traçar um quadro mais aproximado sobre a situação da violência nas escolas do país (Abramovay e Rua, 2002; Abramovay, 2005). Além disso, em relação à prática de bullying, há uma recente pesquisa realizada pelo Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor (CEATS) nas diferentes regiões do país, abordando as principais práticas, perfil das vítimas e dos agressores e estratégias de combate a esse tipo de violência.

Evidencia-se, desta forma, a importância da implantação de um monitoramento periódico das ocorrências de violência nas escolas do país, que abranja: 1) tanto dados fornecidos pelas escolas e outras instituições por meio de mecanismos oficiais; 2) como dados obtidos por meio de pesquisas de vitimização e exposição à violência realizadas junto aos membros escolares (alunos, professores, diretores e outros profissionais), por meio de métodos quantitativos e qualitativos (Burton, 2008). Esses dois tipos de levantamentos devem ser usados de maneira complementar diante da complexidade que envolve o problema e da dificuldade em identificar suas características e amplitude, uma vez que abrange diferentes tipos manifestações, diferentes motivações e significados, bem como diferentes vítimas e agressores.

Assim, embora essenciais, os próprios dados oficiais apresentam limitações, isto porque registram apenas uma parte das infrações cometidas, medindo muito mais as representações e as atividades das instituições do que a real dimensão do problema, e subestimando, não raro, o número de vítimas (Debarbieux e Deuspienne, 2003). Os dados das instituições policiais, por exemplo, registram principalmente infrações de maior gravidade, especialmente os delitos especificados em lei (furtos, roubos, tráfico de drogas), não tendo a sensibilidade e nem a função de registrar microvitimizações cotidianas. Além disso, alguns levantamentos não-oficiais, como aqueles voltados para os profissionais de ensino, embora importantes, também apresentam alcance limitado, ao ter apenas um ator escolar como fonte na pesquisa[6]. Perante esses limites evidencia-se a importância da realização das pesquisas de vitimização ou exposição à violência, as quais permitam dar voz às diferentes vítimas e àquilo que os próprios atores designam como violência (Debarbieux, 2001).

A última pesquisa sobre violência escolar desenvolvida pela UNESCO (Abramovay, 2005)[7] indica que as agressões verbais são constantes no ambiente escolar, ou seja, 64,3% dos alunos entrevistados disseram ter sido xingados no último ano (sem especificar o agressor). Os meninos indicaram serem mais vítimas desse tipo de violência (75%), enquanto entre as meninas este valor foi de 55,4%. Destaca-se ainda que 21,5% dos alunos que se autodenominaram negros afirmaram ter sido xingados por causa de sua cor (este valor foi de 10,4% entre os indígenas; 7,6% entre os alunos de cor amarela; 6,1% parda; 5,5% branca). Já os profissionais do corpo técnico-pedagógico, incluindo professores e demais profissionais, também relataram ter sofrido esse tipo de agressão (nesse caso, por parte dos alunos), embora em menor proporção (47,1%, dos quais 37,3% ocasionalmente, 7,9% frequentemente e 1,9 todos os dias).

No que diz respeito à agressão física, apenas 4,8% dos alunos declararam ter apanhado na escola. Aproximadamente 7% dos meninos afirmam já ter apanhado na escola, enquanto cerca de 3% das meninas fazem a mesma afirmação. Por outro lado, 19,8% indicaram ter batido em alguém no último ano. Segundo a análise desenvolvida no estudo, essa diferença identificada entre a proporção de quem bateu e de quem apanhou pode revelar uma legitimação da conduta violenta (como bater) e uma desonra em ter sido vítima desse tipo de violência. Entre os meninos, 23,6% disseram ter batido em alguém, contra 10% das meninas. Em relação à idade, observa-se uma diminuição de agressores com o aumento da faixa-etária: 24,4% dos alunos de 10 a 12 anos afirmam ter batido em alguém, apenas 8,2% com 20 anos ou mais tiveram o mesmo tipo de resposta. Segundo os depoimentos, os motivos para essas agressões são diversos (pegar o material, furar a fila, dar um esbarrão, olhar atravessado e envolver-se em desavenças na prática de futebol, pela identificação com um time ou devido a relações amorosas, entre outros), podendo iniciar com uma discussão e finalizar com graves ferimentos físicos. Entre os membros do corpo técnico-pedagógico, 11% disseram ter sofrido agressão na escola.

Além disso, a pesquisa obteve dados sobre furtos, presença de armas na escola, invasão da escola e tráfico de drogas. Em relação aos furtos, 38% dos alunos disseram ter sido vítimas no último ano, contra 8,4% dos profissionais. Já no que diz respeito às armas, que aumentam potencialmente os riscos relacionados à violência, cerca de 35% dos alunos disseram ter visto armas em sua escola; entre os membros do corpo técnico-pedagógico esse valor foi de 29%. De acordo com as respostas dos alunos, os tipos de armas mais comuns foram as armas brancas (canivete, 21,7% e faca, 13%), seguidas pelas armas de fogo (12%). A presença dessas armas nas escolas gera uma intensa insegurança para os membros escolares e indica o fácil acesso que adolescentes e jovens estão tendo para adquiri-las nos locais onde residem. Isso deve ser motivo de preocupação e ação das instâncias públicas, inclusive diante da grande vitimização por homicídios da qual essa parcela da população tem sido vitima nos últimos anos.

Além da presença das armas, a invasão da escola por membros externos indica a porosidade da escola em relação às condições externas do bairro. Algumas vezes essas invasões podem ser simplesmente motivadas pela necessidade de falar com algum aluno no período de aula, mas também podem envolver a tentativa de resolução de alguma desavença ocorrida no bairro ou ainda o consumo de drogas nas dependências da escola, trazendo riscos para a comunidade escolar. Aproximadamente 56% dos membros do corpo técnico-pedagógico indicaram que houve invasão na escola, sobretudo por desconhecidos (34%) e ex-alunos (31,6%).

Já em relação à presença de tráfico de drogas, a maior parte dos alunos (58%) e profissionais (64%) diz não saber da sua existência nas dependências das escolas, o que, de alguma forma, pode estar demonstrando a insegurança que esta situação gera diante das possíveis represálias para aqueles que denunciam a sua prática, impondo a chamada “lei do silêncio”. Cerca de 9% dos alunos afirmaram que existe tráfico em suas escolas; já entre os membros do corpo técnico-pedagógico o valor foi um pouco superior (14%). Para os profissionais que identificam a sua presença é patente a sensação de medo e a dificuldade encontrada para acabar com o seu domínio dentro das escolas. Ademais, as escolas em algumas localidades acabam sendo alvo diante dos conflitos entre quadrilhas rivais ou com policiais; chegando mesmo a ter seu funcionamento interrompido pelas ordens diretas dos comandantes do tráfico.

De acordo com o relatório “Bullying escolar no Brasil” (2010)[8], a palavra bullying é praticamente desconhecida pelos participantes do estudo. Assim, embora todos consigam identificar situações de maus tratos na escola, há grande dificuldade em diferenciar o bullying de outras formas generalizadas de relações agressivas entre os alunos. Dessa forma, o estudo utilizou, ao longo da pesquisa, o termo maus tratos para se referir aos atos violentos entre os estudantes fossem eles de natureza física, verbal, psicológica ou sexual. Apenas no momento das análises, procedeu-se a identificação das situações envolvendo o bullying, conforme critérios previamente estabelecidos, ou seja, esse termo foi restrito aos maus tratos entre colegas de escola, repetidos com freqüência superior a três vezes durante o ano letivo de 2009.

Os resultados obtidos indicam que:

  • 28% dos alunos pesquisados disseram ter sido vítimas de maus tratos no último ano;
  • Cerca de 10% afirmaram ter sofrido maus tratos três ou mais vezes nesse período o que, de acordo com os critérios definidos na pesquisa, caracterizaria a ocorrência de bullying.

Outro fator considerado foi o tempo de duração desses maus tratos, uma vez que quanto mais duradouro, mais evidente é a prática de bullying.

  • Aproximadamente 15% dos alunos que sofreram maus tratos disseram que esse tipo de violência durou uma semana;
  • 6,6% várias semanas;
  • 4% durante todo o ano letivo;
  • e 3% desde o ano anterior.

Os tipos de maus tratos mais frequentes são diferentes tipos de agressões verbais, tais como apelidos, xingamentos, insultos, além das ameaças e agressões físicas: 9,8% dos alunos foram xingados; 5,7% foram vítimas de apelidos vexatórios; 4,8% sofreram ameaças; 4,5% foram insultados por causa de alguma característica física; 3,8% foram vítimas de socos, pontapés ou empurrões. A pesquisa constatou que estes maus tratos ocorrem com maior frequência em espaços de grande visibilidade, como as salas de aula e o pátio do recreio.

Em relação ao perfil das vítimas e dos agressores, verificou-se que a incidência das vítimas de bullying é mais forte no intervalo etário de 11 a 15 anos, diminuindo consideravelmente entre os alunos a partir de 16 anos de idade. Já os agressores concentram-se na faixa-etária de 12 a 14 anos. Em relação ao sexo, os meninos são as maiores vítimas de maus tratos (mais de 34,5% dos meninos pesquisados foram vítimas de maus tratos ao menos uma vez no ano letivo de 2009, sendo 12,5% vítimas de bullying). Entre as meninas 24% foram vítimas de maus tratos e 7,6% tornaram-se vítimas de bullying. Os meninos, além de serem as maiores vítimas, também figuram entre aqueles que mais cometem esse tipo de violência.

Os dados provenientes dessas duas pesquisas mostram que as escolas estão permeadas em grande medida por ofensas, xingamentos, falta de respeito, atos de preconceito, denotando uma microvitimização cotidiana que atinge tanto os alunos como os profissionais. Contudo, estas ocorrências nem sempre recebem a devida atenção, embora sinalizem para múltiplas fontes de tensão que diariamente vão deteriorando as relações interpessoais, bem como a possibilidade de aprendizagem no ambiente escolar. Observa-se ainda, conquanto em menor proporção e com intensidade variada entre as escolas, a presença de ocorrências que trazem riscos diretos para a integridade física dos membros escolares, como as agressões físicas, o porte da armas e a venda de drogas.

 

Diferentes processos envolvidos na produção da violência nas escolas

Não é possível fazer uma leitura simples sobre os processos responsáveis pela violência em meio escolar. Inicialmente porque, como salientado, essa violência manifesta-se de formas distintas, o que indica, portanto, a existência de elementos diversos agindo na sua produção. Ademais, como todo fenômeno de violência, a sua produção envolve processos de ordem social, cultural e também individual, que mantêm entre si uma forte relação de interdependência. Desse modo, nenhum fator isolado é capaz de explicar a ocorrência desse tipo de violência. Antes é preciso ter um olhar aprofundado que consiga identificar os diferentes pontos de conflitos que atravessam o ambiente escolar, interferindo nos modos pelos quais são construídas suas relações cotidianas. De forma geral, os pesquisadores dedicados a essa temática têm identificado que tanto processos internos como externos à escola participam da produção dessa violência.

Inicialmente, é preciso destacar a tensão que permeia o modo de articulação entre a escola e a sociedade nos dias atuais e os efeitos que essa tensão provoca sobre os sentidos que a própria instituição escolar adquire (Sposito, 1998; Charlot, 2002). Como indica Fernandes (1994), a escola passa a ser central no mundo contemporâneo, uma vez que as possibilidades de credenciamento social, via inserção no mercado de trabalho, estão cada vez mais relacionadas aos percursos escolares dos indivíduos, ou seja, aos seus sucessos e insucessos dentro dos sistemas de ensino, às séries cursadas e aos diplomas adquiridos. E é essa representação da escola como via de inserção profissional que, segundo Charlot (2002), apagou o sentido e o prazer relacionado ao ensino.

Assim, verifica-se cada vez mais um distanciamento entre a importância atual da escola (com vistas a esse credenciamento social) e o vazio representado pelo cotidiano nas escolas, diante da falta de sentido que os alunos vêem naquilo que é ensinado. Segundo Schilling (2007), algumas perguntas têm sido de difícil resposta para os alunos: “para que serve a escola, qual é a utilidade destes estudos, quais são as regras, o que você quer de mim, poderei mudar meu destino social aprendendo tudo isso?” (Schilling, 2007, p.3). Esse é um potente foco de tensão que faz com que muitos alunos não entrem na lógica escolar, criando a possibilidade de incidentes violentos. Além disso, como explicita Sposito (1998), embora necessária, a maior escolarização já não resulta em garantias de inserção no mercado de trabalho formal e de ascensão social, o que reforça a descrença e a desmotivação naquilo que a escola pode oferecer. “A violência seria apenas a conduta mais visível de recusa ao conjunto de valores transmitidos pelo mundo adulto, representados simbólica e materialmente na instituição escolar, que não mais respondem ao seu universo de necessidades. Outras modalidades de resposta, talvez as mais freqüentes, se exprimem no retraimento e na indiferença: os alunos estão na escola, mas pouco permeáveis a sua ação” (Sposito, 1998, p.75).

De outra forma, a própria instituição escolar passa a ser denunciada como produtora de desigualdades e a ser responsabilizada pela violência que ocorre dentro dos seus muros. Isto porque o processo de massificação escolar, ou seja, o maior oferecimento de vagas no ensino, permitindo um maior acesso por parte das classes populares (antes praticamente excluídas), é carregado de contradições. Assim, embora o acesso aos seus bancos tenha sido ampliado, a escola não se constitui em uma instituição igualitária. Por um lado, por produzir uma exclusão relativa dos não diplomados diante do crescimento de diplomas e, por outro, devido aos seus mecanismos internos de exclusão (Dubet, 2003).

No que diz respeito a esses mecanismos internos, é possível identificar, entre outros: I) os sistemas de ensino e avaliação que estratificam os alunos (o que se evidencia, por exemplo, na formação de turmas de fraco desempenho) e produzem fracassos escolares, os quais são tidos, no entanto, como de responsabilidade individual; II) os sistemas de punições, que atuam na estigmatização e exclusão dos alunos; III) e as segregações por origem social e/ ou racial - todos provocando efeitos sobre os percursos dos alunos na escola e fora dela.

De acordo com Zaluar e Leal (2001), em pesquisa realizada em escolas do Rio de Janeiro, o corpo docente e administrativo mostra-se por vezes distante dos alunos, culpando-os pelo fracasso escolar, reforçando uma concepção negativa que traz graves conseqüências para a imagem que os próprios alunos constroem sobre si mesmos. Os resultados obtidos deixam clara a presença de uma violência psicológica que perpassa os mecanismos de avaliação e também as formas de relacionamento estabelecidas entre os profissionais da escola e sua clientela. Contra os efeitos desta exclusão e na tentativa de ver sua dignidade preservada, os alunos recorrem a diferentes estratégias que vão do retraimento à violência contra a escola e seus representantes (Dubet, 2003).

Ademais, há uma culpabilização muito acentuada dos alunos e seus familiares pela dinâmica da violência nas escolas. Cria-se, desse modo, a representação dos “alunos problemas”, considerados como obstáculos ao trabalho educativo (Aquino, 1998), individualizando a questão da produção da violência. Com base nessa lógica, observa-se uma reprodução nas escolas de medidas de exclusão, como as transferências compulsórias. Entretanto, muito da violência verificada no cotidiano escolar nasce da dinâmica das relações propriamente escolares e considerar os alunos como fonte de problemas é uma entre outras formas de violência institucional que nega aos alunos o seu direito à educação.

Outro fator abordado na literatura é a permeabilidade das escolas a fatores externos. Essa discussão surge, principalmente, diante da presença das escolas em bairros considerados difíceis (inclusive aqueles caracterizados pela baixa condição socioeconômica, desemprego e grave situação de violência). Coloca-se em pauta, desse modo, o quanto a violência existente dentro da escola seria decorrente da situação de precariedade e violência existente nos bairros (Guimarães, 1998; Debarbieux, 2001; Zaluar e Leal, 2001).

Nesse sentido, é possível destacar estudos desenvolvidos especialmente no Rio de Janeiro que começam a investigar as diferentes influências do tráfico de drogas no interior das escolas (Guimarães e Paula, 1992; Guimarães, 1998; Zaluar e Leal, 2001). Essas pesquisas apontam que essas interferências podem ocorrer de diferentes maneiras, tais como: a ligação dos próprios alunos com grupos do tráfico; a invasão do espaço escolar por grupos externos de traficantes, com o objetivo de estender o seu domínio territorial (imprimindo suas lógicas particulares de ação dentro do ambiente escolar e deixando seus membros reféns do seu poder); ou a impossibilidade de funcionamento das escolas em decorrência dos confrontos entre as diferentes facções. Desse modo, a violência no espaço da rua (onde muitas vezes impera o domínio de quadrilhas do crime organizado) acaba por imprimir certos códigos de conduta que concorrem hoje com os códigos apresentados pela instituição escolar e pela família, disputando o papel de agência socializadora (Zaluar e Leal, 2001). Essa possibilidade de indiferenciação da escola em relação ao exterior vem alimentando sentimentos de angústia e insegurança por parte dos membros escolares e familiares.

Entretanto, as escolas localizadas nos mesmos bairros nem sempre sofrem de maneira semelhante com esses fatores externos, sugerindo que elas não são totalmente porosas ao seu entorno. Há escolas, por exemplo, que não são atingidas pela violência presente nos bairros, indicando que não existe relação de fatalidade entre a violência extra-escolar e intra-escolar. Assim, se de um lado, é possível indicar que as situações de violência dentro das escolas podem ser agravadas quando essas se encontram em bairros com condições difíceis, por outro, é preciso olhar para as dinâmicas internas dos estabelecimentos escolares que atuam como fatores de proteção ou não em relação à situação externa.

Segundo Debarbieux (2001), as pesquisas sobre o “efeito-estabelecimento”[9] têm mostrado que a atuação do diretor, bem como a mobilização e coesão das equipes escolares são elementos essenciais na explicação sobre a maior ou menor porosidade das escolas às condições externas. Desta maneira, se é inevitável certo grau de interpenetração entre a experiência dos alunos nos bairros onde moram e o que eles vivem na escola, as formas dessa interpenetração variam em decorrência das políticas da instituição escolar e das práticas dos profissionais de educação (Zanten, 2000). Tal reflexão indica a real possibilidade de ação dos atores rompendo com a falsa evidência da causalidade entre as condições dos bairros e a violência escolar.

Ademais, numa abordagem mais voltada para o campo da saúde pública, procura-se identificar os fatores de risco[10] relacionados à violência escolar, a fim de reconhecer os grupos mais expostos e propor medidas preventivas. Compreende-se, desse modo, que a violência é o resultado da interação de fatores individuais, de relacionamento, sociais, culturais e ambientais (Krug et al., 2002). Nessa perspectiva, o comportamento dos alunos, suas reações indisciplinadas ou mesmo violentas, procuram ser entendidas dentro da dinâmica das relações que perpassam as diferentes esferas onde ocorre o seu desenvolvimento (família, bairro, escola, etc.). Abaixo estão listados alguns dos fatores de risco identificados por diferentes estudos (Warner, 1999; Farrington, 2002; Ortega, 2003; Prina, 2003; Burton, 2008):  

 

 Fatores individuais

  • Baixo desempenho acadêmico;
  • Insucesso social no ambiente escolar;
  • Associação com amigos envolvidos em comportamentos de risco. 

Fatores familiares

  • Conflitos familiares e baixa coesão familiar;
  • Cuidados parentais deficitários (poor parenting);
  • Práticas punitivas, irregulares, inconsistentes, arbitrárias, excessivas (ou mesmo abusivas).

 Fatores escolares

  • Falta de estrutura escolar (insuficiência de recursos físicos e humanos, instalações precárias);
  • Escola com maiores proporções e maior número de alunos matriculados;
  • Salas lotadas;
  • Escolas que não possuem política consistente de disciplina;
  • Regras excessivamente restritivas;
  • Ausência de medidas preventivas;
  • Currículo escolar inconsistente com os interesses, necessidades e estilos dos estudantes;
  • Falta de diálogo entre professores e alunos;
  • Falta de conexão/ vínculo dos alunos com a escola;
  • Sistemas escolares em que os estudantes têm poucos direitos ou pouco dizem sobre a governança da escola.

 Fatores comunitários

  • Deterioração comunitária;
  • Presença de drogas e gangues no entorno escolar;
  • Fácil acesso a armas;
  • Exposição (direta e indireta) à violência comunitária;
  • Ausência de serviços e proteção social.

 Fatores socioculturais

  • Recurso difuso à violência como meio de regulação de conflitos (nas diferentes esferas: relações entre Estados, de vizinhança, grupais e familiares);
  • Influência dos meios de comunicação (com modelos de conduta agressivos);
  • Questões culturais de gênero;
  • Discriminação racial;
  • Nível de desenvolvimento social e processos de exclusão;
  • Ausência de políticas públicas.

 

Consequências da violência em meio escolar

A escola é um meio de suma importância para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social de crianças e jovens, tendo o potencial de tornar-se um fator de proteção contra a própria violência. Entretanto, a situação de violência que afeta hoje o seu cotidiano coloca em suspenso esse potencial e a escola passa, muitas vezes, a representar uma fonte de risco (Burton, 2008). Assim, principalmente para os alunos, mas também para o corpo técnico-pedagógico, a violência em meio escolar vem provocando danos de diferentes naturezas, ou seja, danos de ordem física, material, social, psicológica e emocional.

Como explicita Burton (2008), as escolas, se consideradas a partir de sua totalidade, são ambientes onde os alunos adquirem não só conhecimento, mas onde aprendem a saber, ser, fazer e viver junto. A violência nas escolas, por sua vez, vem impactando “negativamente sobre todos esses processos, criando, ao invés, um lugar onde as crianças aprendem o medo e a desconfiança, onde elas desenvolvem percepções distorcidas de identidade, de caráter e valor, e onde elas adquirem capital social negativo” (Burton, 2008, p. 1, tradução nossa). Ademais, como diferentes estudos vêm sugerindo (Cardia, 2006), a experiência da violência em qualquer ambiente nas fases iniciais de desenvolvimento aumenta o risco de vitimização posterior, assim como o engajamento em comportamentos anti-sociais. Desse modo, a importância de ações preventivas, que dêem conta não só da violência física, mas dos outros tipos de violência que afetam as escolas, uma vez que também podem ter efeitos traumáticos e graves.A escola é um meio de suma importância para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social de crianças e jovens, tendo o potencial de tornar-se um fator de proteção contra a própria violência. Entretanto, a situação de violência que afeta hoje o seu cotidiano coloca em suspenso esse potencial e a escola passa, muitas vezes, a representar uma fonte de risco (Burton, 2008). Assim, principalmente para os alunos, mas também para o corpo técnico-pedagógico, a violência em meio escolar vem provocando danos de diferentes naturezas, ou seja, danos de ordem física, material, social, psicológica e emocional. 

Em estudo realizado no Rio de Janeiro (Marriel et al., 2006), o qual procurou identificar a associação entre auto-estima dos alunos e a ocorrência de violência, observa-se que alunos com baixa-estima tendem a ter relacionamentos mais difíceis na escola, dificuldade em se sentir bem nesse espaço, além de se colocarem mais repetidamente na posição de vítimas da violência. Embora não pretenda estabelecer nenhuma prerrogativa de causalidade, a pesquisa indica que os alunos com baixa auto-estima mostram-se mais vulneráveis às diversas formas de violência, tanto intra quanto extramuros da escola. Corroborando para essa baixa auto-estima ressalta-se o modo pelo qual os profissionais da escola, inclusive professores, tratam seus alunos, ou seja, muitas vezes, de forma distanciada e mesmo autoritária. Assim, de acordo com os resultados obtidos, 34,2% dos alunos com baixa auto-estima afirmam ser humilhados na escola, em relação a 20% dos de auto-estima mais elevada, sendo que parte desta humilhação provém de brincadeiras entre amigos, opiniões negativas dos educadores e discriminações.

Zaluar e Leal (2001), que da mesma maneira observaram as atitudes depreciativas dos professores em relação a sua clientela, também ressaltam os efeitos negativos dessa postura sobre os alunos:

“O recurso da escola a procedimentos de castigo e humilhação de crianças precisa ser repensado, sob pena de o sujeito ter a sua estrutura afetiva abalada, o que pode ter como resultado a perda da auto-estima, a timidez, a revolta ou a falta de vergonha, o que significa, na perspectiva aristotélica, que o indivíduo despreza a opinião dos outros, ou seja, não desenvolve o respeito pela autonomia moral do outro, ou mesmo pela sua diferença." (Zaluar e Leal, 2001, p.160). 

Especificamente sobre o bullying, diferentes pesquisas têm demonstrado as consequências negativas que este tipo de violência provoca nas vítimas e também nos agressores (Olweus, 1993; Smith, 2002; Cubas, 2006). Embora seja necessário questionar a existência de um contínuo sobre a violência na infância e/ou adolescência e a violência praticada na vida adulta, alguns estudos longitudinais indicam que jovens agressores de bullying têm maiores chances de permanecer agindo de maneira agressiva quando atingem a idade adulta (envolvendo-se em ocorrências criminais ou violência doméstica). Em relação às vítimas, estas podem apresentar baixa auto-estima, depressão, frustração, queixas físicas e psicossomáticas, comportamento de evitação, queda no desempenho escolar e em casos extremos podem vir a cometer homicídio e/ou suicidar-se.

No outro lado dessa dinâmica, observam-se os efeitos que a violência em meio escolar acarreta para os profissionais do corpo técnico-pedagógico, especialmente professores. Desse modo, tem-se que o estresse passa a ser uma realidade cada vez mais presente para esses profissionais, especialmente para aqueles que trabalham em ambientes mais violentos (Steel apud Royer, 2003). Esses se sentem cada vez mais incapazes de lidar com as situações de conflito no cotidiano escolar e acabam reproduzindo intervenções meramente punitivas, que não apenas não resolvem o problema, mas geralmente acabam por agravá-lo, aumentando o estresse profissional. Além disso, os profissionais também sofrem com danos materiais (como carros constantemente riscados e danificados), danos físicos provenientes de agressões físicas, sentimento de medo, afastamento da função docente por agravos psicológicos (como depressão), baixa auto-estima, desmotivação, entre outros. 

Essa violência também tem impactos sobre a qualidade de ensino e aprendizagem dos alunos (CNTE, 2001; Abramovay, 2003). Como indica Abramovay (2003), a presença de violência na escola produz uma rotatividade no quadro de professores, já que estes procuram se transferir para locais onde o exercício da profissão seja mais seguro. Esta rotatividade, aliada à falta de profissionais e ao medo de lecionar em certas escolas, traz efeitos diretos para a qualidade de ensino. Além disso, a insatisfação e insegurança dos alunos também corroboram para o desinteresse pelos estudos e baixo desempenho escolar.

De acordo com a pesquisa desenvolvida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação(CNTE, 2001) - a qual estabeleceu cruzamentos entre os resultados de proficiência dos alunos (do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica/SAEB, 1999) e dados sobre as situações de violência-, as escolas com níveis de violência mais graves tiveram menos alunos com proficiência considerada alta nas diferentes séries avaliadas. O mesmo efeito negativo da violência sobre a aprendizagem foi verificado em pesquisa da UNESCO (Abramovay, 2003). De acordo com este estudo, 44% dos alunos entrevistados afirmam que a violência em meio escolar afeta sua concentração nos estudos; 31% dizem ficarem nervosos e revoltados e, a mesma proporção, que há perda de vontade de ir à escola (os alunos responderam à questão: “Como você acha que a violência afeta seus estudos: não consegue se concentrar nos estudos; fica nervoso; não sente vontade de ir à escola - podendo escolher mais de uma alternativa).

Em suma, é possível indicar que quanto mais os membros escolares são vitimados, quanto mais as práticas escolares são vistas como injustas, maior é o sentimento de insegurança, mais deterioradas são as relações estabelecidas, menor o vínculo dos seus membros no cotidiano escolar e maiores as chances de permanência de um ciclo de violência (Debarbieux e Deuspienne, 2003; Burton, 2008).

 

Prevenção da violência escolar

Diante da complexidade dos processos envolvidos na produção da violência nas escolas e dos efeitos negativos que produz tanto para seus membros individualmente como para as interações e o convívio social no ambiente escolar, é necessário o desenvolvimento de medidas preventivas que superem o enfoque meramente punitivo que ainda está em voga nas práticas escolares. Isto porque, além de se mostrarem insuficientes em conter os atos de violência nas escolas, as medidas punitivas quando excessivamente aplicadas agudizam o descrédito dos alunos na instituição e nos seus representantes: “quando a única intervenção utilizada para a socialização de um aluno é a punição, o resultado é um lamentável fracasso” (Royer, 2003, p. 60). Daí, a importância de uma mudança de perspectiva - da  punitiva para a educativa - que transforme a escola num espaço que realmente auxilie na promoção do desenvolvimento dos alunos.

Várias são as iniciativas e programas que vem sendo sugeridos e também aplicados em diferentes realidades, demonstrando o potencial das medidas preventivas na contenção da violência escolar. Embora estas iniciativas sejam amplamente focadas em alterações no próprio ambiente escolar, há também aquelas que procuram extrapolar os muros escolares e atingir outras esferas de socialização de crianças e jovens. 

No nível propriamente escolar, um dos elementos destacados diz respeito à necessidade de um preparo dos profissionais não só para promover um ambiente significativo de aprendizagem, mas também para lidar com os conflitos e situações de violência no ambiente escolar. Nesse sentido, apresentam-se programas voltados para:

  • Modificações nos currículos de formação de professores (com a inclusão de matérias que abordem, por exemplo, o estudo da violência e da sua prevenção, o respeito aos direitos humanos, a importância de construir uma cultura democrática e uma escola inclusiva);
  • Formação continuada dos professores, já em atividade, para desenvolver com os alunos valores de tolerância, respeito mútuo e convivência pacífica;
  • Elaboração de material de apoio para os profissionais de educação no tratamento da violência escolar e materiais didáticos para serem trabalhados junto aos alunos;
  • Motivação pessoal e auto-estima docente (a fim de propiciar principalmente processos de vivência para o crescimento pessoal e social e motivar os professores na adoção de mecanismos alternativos de resolução de conflitos no ambiente escolar).

Como indica Burton (2008), a forte ligação com as escolas e a aprendizagem por parte dos alunos tem se mostrado como um fator de proteção no diz respeito à violência. Desse modo, é necessário criar de um ambiente escolar onde os alunos sintam-se pertencentes e tenham oportunidades significativas de aprendizagem e desenvolvimento, reconhecendo-se a importância das ações voltadas para melhoria desse ambiente escolar e promoção do respeito mútuo. Para tanto, além das medidas voltadas para a formação docente, alguns princípios e alternativas vem sendo propostos. A seguir, os mais relevantes:

[pic 3]Em primeiro lugar, destaca-se a necessidade das escolas estabelecerem um quadro transparente sobre os códigos de conduta a serem seguidos, especificando quais são os comportamentos aceitáveis e inaceitáveis (Burton, 2008). Nessa perspectiva, o trabalho de definição conjunta (entre profissionais e alunos) sobre quais regras de convívio devem ser seguidas no ambiente escolar e quais as consequências do seu não cumprimento, já no início de cada ano letivo, é um exemplo de ação que tem sido considerada importante na prevenção da violência escolar (Columbier, 1989; Dubet, 1997, Corti, 2001). Isto porque uma definição estabelecida de comum acordo estimula a participação de todos (o que fortalece o sentimento de pertencimento), e permite que os objetivos e importância das regras fiquem claros e ganhem sentido para toda comunidade escolar, favorecendo a construção de “um sistema de justiça escolar mais confiante e confiável” (Corti, 2001).

As regras definidas por todos têm maior capacidade de ser cumpridas, já que desrespeitá-las significaria ir contra uma decisão conjunta da qual cada um fez parte ativamente. Ademais, isso não significa que as regras uma vez definidas não podem ser alteradas, ao contrário, o ideal é que elas constituam um foco de discussão permanente. Como salienta Columbier (1989): “Apreender às próprias custas que existem regras de vida na classe e que ninguém pode impor a sua vontade como lei é ter também a garantia de jamais ser submetido à vontade do outro, quer ele seja professor ou aluno. É compreender – pouco a pouco – que cada um aqui tem seu lugar garantido, é então sair desta lógica da exclusão da qual a violência selvagem esteve até agora engajada” (p.102).

Segundo Burton (2008), como grande parte da violência que ocorre nas escolas está relacionada à falta de respeito aos indivíduos e, especificamente, aos seus direitos básicos de educação, segurança e dignidade, é preciso que subjacente a todas as intervenções seja estabelecida uma cultura baseada em direitos. Ou seja, os membros escolares precisam estar cientes dos seus direitos e saber o que fazer quando esses são violados. Além disso, precisam saber que estes direitos estão atrelados a deveres, os quais devem ser observados sob pena de provocar consequências tanto individuais como coletivas.

Com vistas a melhorar a convivência escolar também são propostos programas voltados especificamente para o treinamento de habilidades pró-sociais entre alunos, que os capacitem a lidar com os conflitos de maneira não violenta e para a instituição de mecanismos alternativos de resolução de conflitos (como estabelecimento de processos de mediação escolar e desenvolvimento de comitês de convivência escolar democrática), com o objetivo de promover valores chaves como cooperação, comunicação, respeito à diversidade, responsabilidade e participação.

A mediação escolar é um processo em que um mediador (treinado) auxilia as pessoas envolvidas em um conflito a resolvê-lo por meios não-violentos. O papel do mediador não é julgar nem definir uma solução e sim auxiliar as partes envolvidas para que consigam chegar a uma resolução pacífica (OJJDP, 2000).

Os comitês de convivência escolar democrática, de acordo com Navarro (2003), consistem em uma “proposta pedagógica que promove a institucionalização de um espaço permanente de reflexão acerca da gestão, resolução pacífica e dialogada de conflitos e participação democrática”, nos quais deve estar assegurada a representação dos diferentes atores escolares.

É ressaltada também a importância do trabalho educativo ter como base a realidade social e cultural dos alunos, seus interesses, bem como suas especificidades etárias, a fim de proporcionar um sentido ao conteúdo escolar. Nessa linha, destacam-se iniciativas que tem como foco a proposição de projetos educativos interdisciplinares que primem pela criatividade, participação e escuta ativa dos alunos. 

Estabelecer vínculos entre a escola e a comunidade mais ampla também é um fator que tem sido avaliado como positivo para enfrentar a violência. O objetivo dessa aproximação consiste em afirmar a escola como espaço público na comunidade, o que tem sido feito, principalmente, pela abertura nos períodos fora de aula através do oferecimento de atividades recreativas, esportivas, culturais, entre outras.

Concomitantemente, devido à existência de fatores externos que também atuam na produção de manifestações de violência nas escolas, é de suma importância o desenvolvimento de ações intersetoriais (iniciativas que envolvam os órgãos de proteção à criança e o adolescente, saúde, segurança e assistência social) voltadas para elaboração e implantação de políticas de prevenção à violência. Questões como o uso de drogas nas escolas, por exemplo, demandam intervenções para as quais o setor de saúde muito tem a contribuir. Já o problema de tráfico de drogas nas escolas passa por implicações mais graves pertinentes aos órgãos de segurança pública. Desse modo, esse trabalho intersetorial deve contribuir para melhor entender os diferentes fatores imbricados na produção da violência escolar, formar uma rede de apoio e evitar a estigmatização e criminalização dos alunos, propondo medidas que auxiliem na sua proteção e desenvolvimento.

Para finalizar é preciso considerar que o desenvolvimento de qualquer proposta voltada à prevenção da violência escolar exigirá: 1) uma sensibilização em relação ao problema e às possibilidades de prevenção; 2) uma abertura para superar certas barreiras hierárquicas e autoritárias ainda tão presentes no sistema de ensino; 3) o envolvimento de todos os profissionais da escola no esforço de construir um trabalho conjunto (uma vez que a coesão das equipes é um fator fundamental); 4) além de uma reflexão contínua sobre as ações implantadas e a prática educativa como um todo.

 

Referências

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Waiselfisz, J.J.; Maciel, M. Revertendo violências, semeando futuros: avaliação de impacto do programa abrindo espaços no Rio de Janeiro e em Pernambuco. Brasília: UNESCO, 2003.

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* Socióloga, mestre em sociologia pela Universidade de São Paulo e autora do livro Violencia na Escola Um Guia Para Pais e Professores - São Paulo: Andhep: Imprensa Oficial do Estado de são Paulo, 2006.)

 

 

[1] A partir da década de 80, observa-se o crescimento do número de crimes violentos no país (especialmente dos homicídios), sobretudo nos grandes centros urbanos, promovendo um sentimento de insegurança e medo que se reflete em um conjunto de novas estratégias de proteção e reação por parte da população em geral, inclusive por meio de medidas privadas de segurança, sendo emblemáticas as construções de muros e enclaves fortificados (Caldeira, 2000).

[2] O conceito de violência simbólica é amplamente analisado na produção teórica de Bourdieu. No livro “A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino”, Bourdieu e Passeron (1975), indicam que a violência simbólica praticada pela escola refere-se à imposição de arbitrários culturais pelas classes dominantes, tendo como objetivo a reprodução da ordem social dominante, a qual, entretanto, não é percebida enquanto tal. Nesta perspectiva, a reação dos alunos na forma de violência não aparece como ruptura, mas como reprodução das violências sofridas, evidenciando uma lei de conservação da violência (Bourdieu, 2001).

[3] Este último termo foi usado pela Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência - ABRAPIA, a qual realizou um levantamento em escolas no Rio de Janeiro no ano de 2002/2003. Relatório disponível em:http://www.observatoriodainfancia.com.br/IMG/pdf/doc-154.pdf. Acesso em: 14 mai. 2010.

[4] Como a tragédia ocorrida na Columbine High School, em Colorado (Estados Unidos), em 1999, onde dois jovens (de 17 e 18 anos) atiraram contra colegas e professores (com 13 vítimas fatais e vários feridos) e acabaram por tirar a própria vida.

[5] A Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo instituiu em 2010 o “Sistema de Proteção Escolar” (Resolução SE 19, de 12-2-2010), destinado ao planejamento e execução de ações para prevenção, mediação e resolução de conflitos no ambiente escolar. Entre as ações regulamentadas está o “Sistema Eletrônico de Registro de Ocorrências Escolares – ROE”, o qual ainda está em processo de implantação e poderá futuramente constituir-se em uma fonte oficial de dados.

[6] Como a pesquisa DIEESE/ APEOESP - Violência nas Escolas: uma visão dos delegados da APEOESP (2007). Disponível em:http://apeoespsub.org.br/observatorio/index.html. Acesso em: 14 mai. 2010.

[7] Estudo realizado em 2003, em escolas urbanas, estaduais e municipais, de ensino fundamental e médio, de cinco capitais - Belém, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre – e Distrito Federal, o qual teve como objetivo identificar os casos de violência e crimes/delitos/infrações ocorridos nos estabelecimentos de ensino pesquisados, assim como conhecer o clima escolar, as relações sociais e as percepções dos atores escolares sobre essa violência. Foram entrevistados alunos, a partir da 6ª série, além de professores, diretores, integrantes da equipe técnica das escolas e policiais/seguranças. Os valores apresentados nesse artigo são referentes aos totais das cinco capitais e Distrito Federal.

[8] Este estudo teve como objetivo conhecer as situações de violência entre pares e de bullying em escolas brasileiras, a partir de dados coletados junto aos alunos, professores, pais e equipe técnica das escolas por meio de métodos quantitativos e qualitativos (em dezembro de 2009). Sua ênfase recaiu sobre o contexto em que tais situações acontecem, as motivações subjacentes, os perfis dos praticantes e das vítimas dos atos de violência, as conseqüências dessas situações para os envolvidos e as ações da escola. Para compor a amostra foram selecionadas cinco escolas por região geográfica do país, sendo quatro públicas municipais e uma particular.

[9] Estas pesquisas estudam as características internas dos estabelecimentos, a fim de identificar os elementos que podem explicar sua maior ou menor porosidade à violência. Os resultados têm demonstrado uma enorme influência da escola nos processos de produção da violência em meio escolar, retirando das configurações externas dos bairros a determinação sobre os incidentes violentos.

[10] Variáveis que levam a prever a probabilidade de ocorrência de certo agravo à saúde em determinada população (Ayres, 2003).

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