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A Casa Engraçada

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Por:   •  20/10/2013  •  458 Palavras (2 Páginas)  •  309 Visualizações

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Se já existisse Google Maps nos anos 60, a localização do Solar da Fossa bem que podia cair no número zero da Rua dos Bobos. Como na música de Vinicius de Moraes, era, de fato, uma casa muito engraçada aquela onde coexistiram mais artistas por metro quadrado do que emo em liquidação para chapinha de cabelo. O endereço de verdade ficava na Rua Lauro Muller, nº 116, em Botafogo, no terreno que hoje abriga o Rio Sul, primogênito dos shoppings cariocas. Por lá iam e vinham Paulo Coelho, Gal Costa, Paulinho da Viola, Tim Maia e tantos mais - praticamente todo mundo que apitou sua arte naqueles primeiros e chumbados anos de ditadura. Também havia alguns remanescentes da primeira geração de inquilinos, como senhorinhas e dois travestis que mantinham salão de cabeleireiro na entrada.

Amigo do poeta Paulo Leminski, outro a manter um cantinho na construção de estilo colonial, o jornalista Toninho Vaz mapeou no livro Solar da Fossa, A República dos Magros a história desses moradores, fixos ou itinerantes, dos 85 apartamentos - de quitinete a dois quartos, com banheiros coletivos para alguns - da Pensão Santa Teresinha. Por um tempo, o Solar, levantado no século 18 para ser fazenda, funcionou como manicômio para mulheres. Não que a versão sessentista estivesse tão distante desse passado eclético. Espécie de feudo lisérgico, o espaço era "símbolo da loucura das drogas, com muita maconha, ácido e bebida", segundo Vaz. Os atores Betty Faria e Cláudio Marzo se casaram no pátio. Entre as paredes do Solar da Fossa, Caetano Veloso viajou nas espaçonaves e guerrilhas de "Alegria, Alegria". E, claro, tinha os amigos. Em trecho, Jards Macalé conta sobre a noite em que desvirginou "uma moçoila na cama do Rogério Duarte, o designer das capas de discos da tropicália". Funcionário da Gessy-Lever, especializada em produtos de higiene, Gilberto Gil não precisava morar "em lugar de gente dura ou desquitada", comenta Vaz. Mas visitava sempre os compadres. Certa vez, o baiano teria saído do Solar direto para o aeroporto Santos Dumont, depois de bebericar uma dose de ayahuasca, a mistura amazônica do Santo Daime. O dia coincidiu com a instalação do AI-5, latido mais raivoso da repressão militar, nos fins de 1968. "Gil chegou no aeroporto e viu tudo cercado de polícia, mas diz que não teve badtrip. Na hora, entendeu tudo. Que iam ser exilados."

Para o diretor de TV Roberto Talma, a lei do Solar da Fossa era clara: "Se você não tinha conhecimento de arte, um pouco de filosofia ou alguma consistência política, não comia ninguém". Cabe ao diretor de teatro Aderbal Freire-Filho, parte da última leva de residentes, em 1970, desmanchar essa atmosfera de república universitária: "Não era ambiente de bagunça. Não lembro de droga pesada, fora fumo e LSD".

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