A IMPORTÂNCIA DA ÁGUA NO ORGANISMO
Por: fagnerh3 • 31/12/2016 • Dissertação • 5.184 Palavras (21 Páginas) • 368 Visualizações
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ÍNDICE RESUMO.....................................................................................................................................3 INTRODUÇÃO..........................................................................................................................5 METODOLOGIA......................................................................................................................5 AIMPORTÂNCIADAÁGUANOORGANISMO...................................................................6 REGULAÇÃODOBALANÇOHÍDRICO.................................................................................7 DEFINIÇÃODEDESIDRATAÇÃO..........................................................................................7 DESIDRATAÇÃONOIDOSO.................................................................................................10 DIAGNÓSTICO.......................................................................................................................15 SEMIOLOGIA..........................................................................................................................16 EXAMESCOMPLEMENTARESDEDIAGNÓSTICO..........................................................20 CONSEQUÊNCIAS..................................................................................................................25 PREVENÇÃO...........................................................................................................................26 TRATAMENTO......................................................................................................................30 CONCLUSÃO...........................................................................................................................36 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................................................................38
A desidratação é o distúrbio hidroeletrolítico mais comum nos idosos. Embora não haja ainda nenhuma definição de desidratação, este termo é comummente utilizado para referir qualquer diminuição do volume de água corporal superior à que o organismo consegue repor. Os idosos apresentam uma maior suscetibilidade para desidratação devido não só às alterações fisiológicas caraterísticas da senescência como também a fatores de risco patológicos, iatrogénicos, sociais e ambientais. Para além disso, tanto os sinais clínicos como os exames laboratoriais perdem especificidade com o envelhecimento, o que dificulta bastante o diagnóstico. Os profissionais de saúde e cuidadores necessitam então de redobrar a sua atenção de forma a possibilitar o diagnóstico precoce da desidratação e o seu tratamento adequado. Na ausência de tratamento, as taxas de morbilidade e mortalidade associadas são elevadíssimas podendo a última chegar aos 50%. Por último, a prevenção da desidratação assume uma papel fulcral na manutenção da qualidade de vida dos idosos não só nas unidades de saúde mas também nos lares e nos próprios domicílios. O objetivo deste artigo é fazer uma revisão do conhecimento atual sobre envelhecimento e desidratação tendo por base a literatura mais recente disponível sobre o tema. Palavras-chave: água, desidratação, idoso, envelhecimento, fatores de risco, diagnóstico, tratamento, prevenção.
5 INTRODUÇÃO Com a diminuição das taxas de natalidade e o aumento da longevidade da população, as sociedades atuais deparam-se com uma mudança do paradigma demográfico. A população, cada vez mais envelhecida, enfrenta um aumento progressivo de doenças crónicas e degenerativas, entre elas a desidratação. A verdadeira incidência desta patologia encontra-se, até hoje, mascarada por outros distúrbios clínicos que lhe estão associados. Contudo, é possível afirmar com toda a certeza de que se trata de um problema atual, frequentemente associado a prognósticos pobres e cuja taxa de mortalidade se mantém, na ausência de tratamento, nos 50% [1]. Numa era em que a medicina preventiva é, cada vez mais, a base da medicina moderna, e em que os idosos, convencionalmente caraterizados como indivíduos com idade superior ou igual a 65 anos [2], constituem a faixa etária predominante da população, urge a necessidade de encontrar métodos preventivos e de diagnóstico adequados, que permitam reduzir a prevalência desta patologia tão responsável pela diminuição da qualidade de vida dos idosos. O médico moderno deve então encarar a desidratação com uma doença prevalente cuja identificação, tratamento e prevenção devem fazer parte do seu conhecimento clínico.
METODOLOGIA Nesta revisão foram incluídos artigos referentes ao período compreendido entre Janeiro de 2005 e Junho de 2013, pesquisados na base de dados PubMed. As palavras-chave da pesquisa incluíram desidratação, idoso, envelhecimento, água, fatores de risco, diagnóstico, prevenção e tratamento. 6 Foram feitas algumas exceções ao período-alvo dada a relevância dos artigos em causa. A IMPORTÂNCIA DA ÁGUA NO ORGANISMO A água é o maior constituinte do corpo humano e consequentemente um dos elementos mais importantes para a manutenção da vida. Presente em cada célula, tecido e compartimento do nosso corpo, é utilizada para transportar nutrientes e resíduos do metabolismo celular, regular a temperatura corporal, manter a estrutura das células e ainda apoiar a sua função [3]. No entanto, apesar da sua importância indubitável, é constantemente esquecida nas recomendações dietéticas e poucas vezes é alvo de estudo, especialmente na população idosa [4]. Num adulto jovem do sexo masculino, a água corporal total corresponde a cerca de 60% do peso, podendo variar consoante a composição corporal [4]. A massa muscular é em cerca de 73% composta por água, enquanto que a massa gorda tem apenas 10% de água na sua composição. Aproximadamente dois terços da água total encontra-se no espaço intracelular, enquanto apenas um terço se encontra no extracelular. Este último, por sua vez, subdivide-se em espaço intersticial e plasma [5]. Os mecanismos homeostáticos permitem o equilíbrio da quantidade e composição do líquido extracelular necessário ao bom funcionamento celular. O meio intracelular, por sua vez, é mantido através do transporte ativo e passivo de solutos através da membrana. Todos estes mecanismos permitem que, com uma temperatura e nível de atividade moderados, o volume de água corporal permaneça constante. Não obstante, a água está em permanente renovação. É perdida pelas vias respiratória, urinária, fecal ou através do suor, e é produzida através da oxidação de substratos. A esta produção associa-se a água proveniente dos alimentos e da ingestão de líquidos, sendo esta última crucial pois o organismo não consegue 7 produzir nem extrair dos alimentos água suficiente para suprir as suas perdas diárias [4]. Desta forma, o balanço hídrico é alcançado diariamente pois as perdas são equiparadas pela produção e ingestão de água. Quando tal não acontece, os efeitos deletérios para o organismo podem ser imensos.
REGULAÇÃO DO BALANÇO HÍDRICO Numa primeira fase, para que seja possível uma completa compreensão do tema, é necessário explicar o mecanismo de regulação da água no organismo. A ingestão é parcialmente determinada pela sede. Quando as perdas de água superam a sua ingestão, a pressão osmótica do compartimento extracelular aumenta e provoca ativação dos osmorrecetores hipotalâmicos que, por sua vez, estimulam a libertação de vasopressina pela neurohipófise. Tanto o aumento da pressão osmótica como a vasopressina desencadeiam a sensação de sede. Por outro lado, a água também é regulada a nível renal. A pressão osmótica da urina pode ser amplamente alterada em função das mudanças na osmolaridade plasmática, através da função da capacidade de concentração da renal. Para além disso, a reabsorção de água pode ser aumentada em resposta à atuação da vasopressina que desta forma atua na prevenção da desidratação. No final, o balanço hídrico do organismo está dependente da sede e da secreção de vasopressina, com o seu papel preponderante de atuação a nível renal [4]. DEFINIÇÃO DE DESIDRATAÇÃO Desidratação é um étimo que provém de um vocábulo grego cuja tradução literal é remoção de água. É tipicamente definida como uma depleção da água corporal total devida a perdas patológicas de fluidos, diminuição do consumo de água ou a uma combinação de 8 ambos [6]. No entanto, não existe, até ao momento, nenhuma definição concreta de desidratação sendo este termo usualmente utilizado para referir qualquer estado associado a um défice de fluidos [7]. A percentagem de água corporal perdida bem como os sinais e sintomas associados irão depois permitir classificar o grau de desidratação como moderada ou severa [8]. Assim, uma perda de líquidos superior a 1% do peso corporal corresponde a uma desidratação moderada e é geralmente acompanhada por uma diminuição da capacidade física e da termorregulação enquanto que uma redução de fluidos superior a 5% do peso corporal corresponde já a uma desidratação severa, que se acompanha de uma sintomatologia mais grave que pode incluir cefaleias, sonolência ou irritabilidade [9]. Consoante a proporção de água e sódio perdidos existem três tipos de desidratação: isotónica, hipertónica e hipotónica. Os principais sinais associados aos distúrbios hidroeletrolíticos estão descritos na tabela 1. Na desidratação isotónica existe uma perda equilibrada de água e sódio. Esta perda provoca uma diminuição do volume do compartimento extracelular e, consequentemente, um aumento da viscosidade sanguínea, com prejuízo para a circulação. As principais causas associadas a este tipo de desidratação são a diarreia e os vómitos [10]. Por sua vez, a desidratação hipertónica, também designada de hipernatrémica ou intracelular, corresponde a uma diminuição excessiva de água e é caracterizada pela hiperosmolaridade (>300 mmol/Kg) e pela hipernatrémia (>145 mmol/L). O meio extracelular hipertónico instiga a deslocação de água a partir do compartimento intracelular. Como a redução é equitativamente dividida por todos os compartimentos, a depleção de volume do compartimento extracelular não é significativa [10]. A diminuição inicial de água pode ser causada por um consumo insuficiente, por uma perda excessiva ou por uma combinação de ambos. O consumo insuficiente pode ser motivado por uma diminuição da sensação de sede, alterações do estado de consciência ou por falta de água disponível 9 enquanto que a perda excessiva pode ser provocada, por exemplo, por diabetes insipidus ou diurese osmótica [4]. A causa mais frequente de desidratação hipertónica é a ocorrência de patologias agudas que requerem uma ampliação do consumo de água, como febre, vómitos ou diarreia, combinada com uma incapacidade de aumentar a sua ingestão. No entanto, um tratamento com diuréticos ou uma alteração das capacidades motoras também podem estar na origem desta desidratação [3]. Por último, a desidratação hipotónica ocorre quando há uma diminuição predominante dos níveis de sódio ( 300 mOsm/L Sintomas neurológicos Natrémia > 125-150 mmol/L Mucosas secas Febre Extracelular Sinais cardiovasculares (hipotensão, taquicardia) Osmolaridade < 280 mOsm/L Perda peso Natrémia < 135 mmol/L Olhos encovados Hematrócrito aumentado Urina concentrada Proteinémia aumentada Sinal prega cutânea (adaptado de Ferry, 2005, Nutrition Reviews) 10 DESIDRATAÇÃO NO IDOSO A desidratação é o distúrbio hidroeletrolítico mais comum nos idosos [6] e uma das causas mais frequentes de internamento entre os 65 e os 75 anos [11]. Nestes indivíduos as perdas de fluidos estão aumentadas e o consumo de líquidos diminuído pelo que a susceptibilidade para a desidratação é maior, quando comparada com a dos adultos [12]. Durante a senescência muitos são os fatores que fragilizam o idoso para o aparecimento da desidratação. Não obstante, nenhum fator de risco mostrou, até ao momento, ter significância estatística quando considerado individualmente, sendo assim necessária a presença de, pelo menos, três fatores para que seja sugerido um aumento do risco de desidratação [8]. A água corporal total, correspondente a 60% do peso corporal num adulto saudável, diminui para cerca de 50% nos idosos do sexo masculino e para cerca de 40% nos do sexo feminino [11]. Esta percentagem inferior do sexo feminino é facilmente justificada pelo facto das mulheres terem uma maior quantidade de tecido adiposo, que é praticamente isento de água, ao contrário do muscular. Como a quantidade de água corporal total é menor, a perda de fluidos necessária para aumentar a osmolaridade plasmática é consequentemente inferior [13]. Também a sensação de sede, a função e a capacidade de concentração renal, a taxa de filtração glomerular, a atividade da renina, a secreção de aldosterona [4] e a resposta cardiovascular à diminuição de volume [14] sofrem uma redução significativa com a idade. Essa redução nos mecanismos compensatórios, acompanhada pelo aumento da resistência do rim à vasopressina, aumenta a fragilidade dos idosos para a desidratação [8]. Para além destas, muitas outras alterações fisiológicas e patológicas favorecem esta propensão que se faz sentir no idoso para a desidratação. As alterações mais importantes, relatadas na literatura, estão descritas na Tabela 2. 11 Tabela 2. Principais fatores de risco para a desidratação nos idosos Fatores Fisiológicos Idade > 80 anos Alterações fisiológicas no balanço hídrico Fragilidade História prévia de desidratação Fatores Patológicos Gerais > 4 patologias crónicas (comorbilidade) infeções Dor e febre Feridas (inclui úlceras de pressão) Hemorragia Neurológicos Dificuldades motoras e nas atividades vida diária Lesões extrapiramidais com tremores e salivação excessiva Demência Deficiências sensoriais e de comunicação Psiquiátricos Depressão Ansiedade Delírio Psicose/Esquizofrenia Cardiopulmonares Dispneia Diminuição da tolerância ao exercício Motores Mobilidade reduzida Gastrointestinais Desnutrição 12 Anorexia Vómitos Diarreia Urológicos Incontinência ou medo de incontinência Diminuição da função renal Metabólicos Mobilidade reduzida Hipercalcémia Diabetes mellitus Diabetes insipidus F. Iatrogénicos Polimedicação (diuréticos, laxantes, psicotrópicos,...) Distúrbios do metabolismo da água/sódio Elevado consumo proteico F. Sociais Isolamento social Autonegligência Insuficiente acesso a fluidos Escassez de profissionais ou formação insuficiente Escassez de cuidados no domicílio F. Ambientais Inverno (maior risco de infeções) Verão (ondas de calor) (adaptado de Schols et al, 2009, The Journal of Nutrition, Health & Aging) Tal como referido anteriormente, a par do aumento das perdas também a diminuição do consumo de fluidos aumenta o risco de desidratação. Esta diminuição ocorre não só pela restrição do consumo de líquidos propriamente ditos mas também pelo consumo diminuto de 13 alimentos, também eles ricos em água e responsáveis por cerca de 70% do consumo diário de fluidos de um idoso [8]. A diminuição do consumo de alimentos é particularmente evidente nos idosos disfágicos uma vez que necessitam de líquidos espessados e de mais tempo dos cuidadores para consumir o volume necessário, sendo por isso frequentemente negligenciados. Contudo, este é um problema que afecta a generalidade dos idosos [8] uma vez que, a anorexia é um sintoma bastante frequente nesta faixa etária [15]. Por outro lado, a restrição do consumo de líquidos é muitas vezes motivada pelo medo da incontinência [4], fator maioritariamente observado nos idosos do sexo feminino [8], ou pelo desconhecimento da quantidade adequada de fluidos que devem consumir, presente mesmo em idosos sem limitações [16]. Todavia, também a alteração do estado de consciência, a demência, a diminuição das capacidades cognitivas ou a depressão a par da disfagia, das alterações sensoriais na visão, olfacto e paladar, da diminuição da mobilidade, bem como da própria incontinência são também motivos frequentes para a redução do consumo [8, 17]. Cerca de um terço dos idosos residentes em unidade de cuidados, com uma ingestão diária inferior a 1000-1500mL, podem ser considerados desidratados crónicos e consequentemente portadores de um risco extremamente elevado para a desidratação aguda [8, 16]. Mas nem sempre a diminuição do consumo de fluidos é um problema visível. Muitos fatores fisiológicos, ambientais e farmacológicos como a hiperglicémia, febre, infecção, taquipneia ou mesmo aumento da temperatura ambiente e o uso de determinados fármacos podem aumentar as perdas insensíveis de fluidos através, por exemplo, do aumento da sudação. [8] Para além de todos estes, também os problemas sociais foram identificados como coadjuvantes dessa fragilidade [8, 17]. Devido ao crescente número de idosos em lares e ao reduzido número de cuidadores, muitas vezes as atividades com maior visibilidade, como a limpeza dos idosos e a sua alimentação, são priorizadas em detrimento das menos visíveis 14 como a hidratação [16]. Assim, cuidados deficientes e a negligência por parte dos cuidadores surgem então em especial destaque [10]. Quanto aos fatores iatrogénicos, especificamente a polimedicação, constituem um fator dicotómico. Se por um lado certos tipos de fármacos têm efeitos diretos no balanço hidroeletrolítico, pois prejudicam a função de concentração renal ou estimulam a síndrome da secreção inapropriada de ADH, por outro, os idosos polimedicados, aos quais são oferecidos líquidos com a medicação, consomem mais fluidos do que os não polimedicados [8]. Um estudo demonstrou que muitos idosos estão dependentes dos líquidos que acompanham a medicação para atingir um consumo diário adequado [18]. Por último, também os fatores ambientais colocam os idosos num patamar de risco acrescido. Devido às mudanças climáticas que se têm feito sentir é previsível que estes eventos climáticos extremos aumentem, quer em duração quer em frequência, e com eles os efeitos deletérios que provocam na saúde da população [19]. As ondas de calor são assim extremamente prevalentes não só durante o verão mas também durante a primavera e o outono. Esse fato, que já de si aumenta muito o risco para os idosos, é agravado por ser principalmente no verão que os cuidadores informais e funcionários das instituições usufruem das suas férias [1]. Com o envelhecimento surge uma panóplia de fatores de risco (Tabela 2) responsável pelo aumento da suscetibilidade ao calor. Essa fragilidade foi objetivamente demonstrada através de estudos comparativos entre vários países, entre eles Portugal, em que se verificou uma forte correlação entre a temperatura elevada e as ondas de calor e o aumento das taxas de mortalidade, particularmente por causas gerais, respiratórias e cardiovasculares. Foi igualmente verificado que estas taxas seriam tão mais severas quanto maiores as temperaturas atingidas e que o género feminino possui um risco superior em relação ao masculino [19]. Rocklöv [20] demonstrou ainda que primeira onda de calor do ano era quase sempre mais 15 mortífera que as restantes e referiu a possibilidade de existir uma correlação entre a mortalidade associada ao calor e a taxa de mortalidade do inverno. Assim, a mortalidade no verão seria tão mais elevada quanto menor fosse a mortalidade no inverno anterior [20]. Por último, as ondas de calor aumentam também os internamentos e admissões no serviço de urgência sendo as causas cardiovasculares e respiratórias as principais responsáveis pelo aumento significativo de morbilidade na população idosa [19]. Na generalidade dos idosos a desidratação é causada por uma multiplicidade de fatores de risco, com complexas interações entre si. Consequentemente, a desidratação pode ser mais corretamente designada como uma síndrome geriátrica [1]. DIAGNÓSTICO A desidratação não é uma doença homogénea e não tem apenas uma forma de manifestação, o que confere uma dificuldade acrescida ao seu diagnóstico [7] e justifica, em parte, a ausência de métodos padronizados para a sua avaliação que tanto tem prejudicado o êxito da identificação e tratamento desta doença. Para além disso, os idosos constituem um estrato da população que se encontra mais suscetível à desidratação, fator responsável por um aumento significativo da morbilidade e mortalidade nesta idade, o que faz com que a utilização de uma abordagem sistemática para identificar fatores de risco ou sinais e sintomas surja como um ponto fundamental a incluir na avaliação clínica desta faixa etária. Deve ser então colhida uma história clínica completa que inclua informação referente às ingestões e perdas recentes de fluidos [14], sem esquecer que não só os líquidos mas também os alimentos ricos em água contribuem para este balanço, e a medicação realizada pelo doente, prescrita ou não. Episódios recentes de exposição solar e a elevadas temperaturas devem ser descartados. Os antecedentes patológicos que poderão constituir um fator de risco como histórias de desidratação prévias, insuficiência cardíaca, insuficiência renal, 16 malnutrição, incontinência, demência e outras doenças do foro psiquiátrico também devem constar da história sem nunca serem esquecidas as situações agudas recentes que poderão também elas ser responsáveis por um estado de hipovolémia como diarreia, vómitos, etc [1]. Deve ser feita uma boa revisão de aparelhos e sistemas para detectar possíveis fontes de perda de fluidos [11] e a atualização ou não do boletim de vacinas deve ser notada, com especial atenção para as vacinas antipneumocócica e antigripal pois as infecções respiratórias podem também elas aumentar o risco de desidratação [1]. O clínico deve ainda prestar sempre atenção e identificar, aquando das novas prescrições, os fármacos que poderão alterar o equilíbrio hidroeletrolítico [11]. Após a realização desta abordagem inicial, a avaliação do doente deve continuar com base num exame físico completo com vista à detecção de eventuais sinais e sintomas e ser complementado através de exames complementares de diagnóstico, capazes de identificar reduções mais pequenas da água corporal e consequentemente de detectar a desidratação num estado mais precoce e quiçá subclínico. No entanto, a avaliação clínica ainda é considerada o método mais eficaz para determinar o estado de hidratação de um indivíduo [7, 21]. SEMIOLOGIA Os sinais e sintomas que acompanham a desidratação, embora na sua generalidade possuam uma sensibilidade e especificidade reduzida [4], podem estar presentes até mesmo nas formas mais suaves, em que há perda de apenas 1-2% do peso corporal. Uma das razões pelas quais a incidência desta patologia não diminui, para além do facto dos sintomas poderem ser ambíguos ou ausentes, prende-se com o facto do reconhecimento dos sintomas, rotineiro para os profissionais de saúde, não ser familiar para os cuidadores havendo dificuldades no diagnóstico da desidratação até mesmo ao nível dos lares de idosos [22]. 17 Consoante o grau de hipovolémia podemos dividir a desidratação em vários níveis de severidade aos quais se associam diferentes sinais e sintomas (Tabela 3). Na desidratação leve a moderada os sinais que se podem encontrar ao exame físico são: cefaleias, tonturas, vertigens, astenia, fadiga muscular, xerostomia, xeroftalmia e ainda oligúria e urina de cor muito escura. Se a desidratação se mantiver e passar para uma forma crónica poderá causar urolitíase, obstipação, lesões articulares e musculares bem como alterações hepáticas e do metabolismo do colesterol. Por último, se estivermos perante um quadro de desidratação grave este pode incluir olhos encovados, extremidades frias, taquicardia, pulso fraco, hipotensão, sinal da prega cutânea, xerostomia, xeroftalmia, anúria, irritabilidade, letargia, confusão podendo haver até perda da consciência [23]. A sede, embora seja o sinal mais precoce de desidratação nos adultos, encontra-se diminuída na população idosa devida às mudanças fisiológicas características do envelhecimento [12], como já referido anteriormente. Também a taquicardia não é um sinal muito comum no idoso desidratado, especialmente nos medicados com beta-bloqueantes e inibidores dos canais de cálcio[11]. Tabela 3. Sinais de desidratação na população em geral Sinais de desidratação leve-moderada Sinais de desidratação severa Cefaleia Olhos encovados Tonturas Extremidades frias Vertigens Taquicardia Astenia Pulso fraco Fadiga muscular Hipotensão Xerostomia Sinal da prega cutânea Xeroftalmia Xerostomia 18 Oligúria Xeroftalmia Urina muito escura Anúria Irritabilidade Letargia Confusão Perda de consciência (adaptado de NHS Direct Online Health Encyclopaedia) Vários estudos foram feitos no sentido de avaliar que sinais seriam os melhores indicadores de desidratação. Um desses estudos comparou os sinais da axila seca, xerostomia, olhos encovados, prega cutânea e atraso do preenchimento capilar entre indivíduos desidratados e hidratados, tendo definido desidratação como osmolalidade > 295mOsm/L. O sinal da axila seca apresentou uma sensibilidade moderada e uma especificidade elevada, tendo-se revelado como o potencial método diagnóstico simples que poderá ser utilizado pelos cuidadores tanto em casa como nos lares de idosos [22]. Um outro estudo avaliou a hipotensão ortostática, prega cutânea, xerostomia e perda de massa corporal e concluiu que todos estes são estatisticamente relevantes para a avaliação do estado de hidratação [7]. Embora os sinais referidos anteriormente tenham demonstrado ser ótimos indicadores da desidratação existem cinco sinais considerados de alarme na avaliação de um idoso desidratado que nunca devem ser esquecidos, nomeadamente: a perda de peso, atualmente o melhor método para avaliar a desidratação [7]; estados confusionais, causados pela diminuição do volume intracelular cerebral; cãibras e fadiga muscular, devidas a diminuição do volume intracelular muscular; astenia e urina escura e concentrada [3]. A avaliação das alterações de peso corporal que ocorrem num curto período de tempo é frequentemente utilizadas para avaliar modificações no estado de hidratação e é uma 19 técnica considerada estatisticamente válida na população idosa [7]. Quando o indivíduo se encontra num estado de equilíbrio calórico, a diminuição de peso corporal é essencialmente igual à perda de água [24]. No entanto, existem desvantagens uma vez que esta técnica requer o conhecimento do “peso referência”, correspondente à média das medição do peso em três dias consecutivos [25], que ainda assim pode ter flutuações diárias entre os 0,31 e os 0,71kg e não pode ser utilizada para avaliar a desidratação ao longo de semanas ou meses uma vez que a variação de peso nesse intervalo poderá ser devida ao ganho ou perda de tecido adiposo. Para além disso, se as medições forem feitas em intervalos superiores a 4h, a água resultante da oxidação de substratos e perda respiratória de água tornam-se suficientemente representativas para que as variações do peso tenham de ser corrigidas em função destes factores [24]. Apesar de tudo isto a avaliação da massa corporal é atualmente o método mais aceite para diagnosticar a desidratação[7]. Não deve contudo esquecer-se que nem sempre os sinais físicos apresentados pelos idosos podem ser considerados indicadores fidedignos, ou específicos de desidratação, uma vez que outras causas podem estar na sua origem., por exemplo: a diminuição dos níveis de elastina é característica do envelhecimento e pode explicar o sinal da prega cutânea, mesmo em indivíduos normovolémicos; a mucosa oral seca pode ser uma consequência da respiração através da boca, muito comum nos idosos, ou da medicação anticolinérgica; os olhos encovados podem dever-se à diminuição da gordura periorbital [26] e a hipotensão ortostática pode ser uma alteração fisiológica da idade bem como uma reação adversa à medicação antihipertensiva [11] ou consequência de doenças neurológicas ou do acamamento prolongado [14]. Assim, porque os sinais e sintomas podem ter múltiplas causas, quando consideramos testes diagnósticos para determinar a presença de desidratação, consideramos que os sinais físicos são desprovidos de valor preditivo a menos que sejam considerados cumulativamente, 20 tendo então de estar presentes múltiplos sinais para que haja uma suspeita diagnóstica [27]. Desta forma, quando vários sinais estão presentes, os parâmetros físicos podem assumir um papel diagnóstico importante e chegam até a ultrapassar os bioquímicos no diagnóstico das formas mais frustes de desidratação [7]. EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO Como já referido anteriormente, o diagnóstico clínico é frequentemente problemático uma vez que os sinais e sintomas podem ser ambíguos ou estar ausentes [28], especialmente nos idosos, e porque os tipos mais frustes de desidratação são, na sua maioria, assintomáticos [29]. Nestes casos, o diagnóstico deve ser então sustentado por testes laboratoriais. Atualmente são utilizados vários que utilizam medições corporais, hematológicas, urinárias ou sensoriais mas ainda não foi encontrado um argumento irrefutável que confira superioridade a uma técnica para que esta possa ser utilizada em todas as situações e populações [25]. Urge assim a necessidade de encontrar um gold-standard para a avaliação da desidratação mas, enquanto tal não é possível, é utilizado um conjunto de parâmetros laboratoriais que permite suportar o seu diagnóstico (Tabela 4). Amostras sanguíneas e de urina são habitualmente testadas mas estudos suportam que os parâmetros urinários constituem técnicas superiores de avaliação do estado de hidratação [24]. No entanto, como em casos de desidratação os doentes poderão apresentar oligúria ou mesmo anúria, as análises sanguíneas afiguram-se como um método mais rapidamente exequível para o diagnosticar este problema. 21 Tabela 4. Parâmetros laboratoriais utilizados na avaliação da desidratação Análise de sangue Análise de urina Osmolaridade plasmática Volume de urina das 24h Concentração sérica de sódio Cor da urina Concentração sérica de ureia Hemoglobina Segundo um estudo realizado na Universidade japonesa de Tsukuba os únicos parâmetros laboratoriais que mostraram diferenças estatisticamente significativas entre indivíduos desidratados e hidratados foram a osmolaridade plasmática e a concentração sérica de sódio [22]. A osmolaridade plasmática é o teste hematológico mais comummente utilizado para avaliar o estado de hidratação uma vez que esta é rigidamente controlada, mantendo-se sempre entre 280-290mosm/L graças aos osmorreceptores hipotalâmicos, que controlam a secreção de vasopressina [24]. Pequenos aumentos na osmolaridade são suficientes para iniciar a sensação de sede e aumentar a concentração de vasopressina em 100% do valor basal [4]. Há autores que acreditam até que, quando utilizado em simultâneo com um teste que determine a água corporal total, este é o método mais preciso para avaliar a desidratação, em ambiente laboratorial [25]. Também os níveis séricos de ureia ocupam hoje um lugar entre os mais importantes métodos de avaliação da desidratação. Um grupo de investigadores conseguiu demonstrar que a concentração de ureia sérica é significativamente afetada pelo volume intravascular e consequentemente pelo estado de hidratação. Por isso, quando há uma depleção de volume, os níveis de ureia reabsorvida ao nível dos túbulos renais aumentam o que faz com que aumente igualmente a concentração de ureia plasmática. Este aumento, mesmo que dentro dos limites fisiológicos, é um indicador de hidratação. Por outro lado, a taxa de filtração glomerular que até hoje se acreditava ser um bom preditor, não o provou ser, provavelmente devido a uma 22 estabilidade dos níveis de creatinina durante a desidratação, especialmente no idoso cujos níveis de creatinina são baixos devido à também baixa massa muscular [28]. Por último, também o hematócrito em conjunto com a concentração de hemoglobina foram considerados, pela sua relevância e simplicidade, ótimos preditores do estado de hidratação [24]. No entanto, como já referido anteriormente, também os parâmetros urinários como a gravidade específica da urina, o volume de urina das 24h e a cor da urina são importantes exames complementares de diagnóstico e apresentam vantagens em relação às demais técnicas: em relação aos testes hematológicos, não são invasivos; em relação aos antropométricos, as variações são mais sensíveis; em relação aos hemodinâmicos, são mais estáveis [29]. Há contudo que ter em atenção que, por vezes, estes teste podem refletir mais os fluidos consumidos do que propriamente o estado de hidratação [4]. A gravidade específica da urina compara a densidade (massa/volume) de uma amostra com a da água pura sendo que qualquer fluido com densidade superior à água tem uma gravidade específica superior a 1.000. As amostras urinárias normais variam entre 1.013 e 1.029, em adultos saudáveis, mas ultrapassam o 1.030 em indivíduos desidratados ou hipohidratados [24]. Este é um método de fácil execução, que pode ser realizado através de três métodos diferentes, recorrendo sempre ao uso de fitas-teste. São eles a refratometria, o método mais preciso mas que requer equipamento mais sofisticado; a observação humana, cujos resultados são difíceis de quantificar, uma vez que a visualização das cores não é objetiva; e a leitura automática, a mais exequível para rastreios de massas e já amplamente utilizada em ambientes clínicos e comunitários. É, no entanto de referir que esta técnica pode ser perturbada pela presença de moléculas grandes na urina, como glicose ou proteínas, que elevam muito a gravidade específica da urina, e que por isso não pode ser utilizada para 23 avaliar o estado de hidratação em indivíduos com doenças renais acentuadas ou diabetes mellitus. O volume da urina das 24h do indivíduo em teste pode ser utilizado para avaliar o estado de hidratação se for comparado com o volume de adultos normais, da mesma faixa etária, com uma massa corporal semelhante. Para finalizar os parâmetros urinários, a cor da urina avalia o estado de hidratação através da comparação da cor da urina de uma amostra com as cores de uma escala padrão, que varia desde amarelo pálido (grau 1) a verde acastanhado (grau 8). Não é tão preciso como os restantes parâmetros urinários [24] mas é um teste rápido e de baixo custo, bom para ser utilizado em situações que não requeiram um nível de precisão elevado, como é o caso dos lares [4]. Outros parâmetros como a concentração urinária de sódio e de creatinina e a osmolaridade urinária foram estudados mas não apresentaram significância estatística para a avaliação da desidratação [22]. Todavia, os exames complementares de diagnóstico não se resumem às análises sanguínea e urinárias. Muitas outras técnicas estão a ser desenvolvidas e aperfeiçoadas com vista ao desenvolvimento do tão necessário gold-standard para a avaliação da desidratação das quais se destacam as técnicas de diluição, a bioimpedância elétrica e a análise da ativação de neutrões. Infelizmente, a generalidade destas técnicas está ainda pouco disponível no contexto clínico. As técnicas de diluição, atualmente consideradas o gold standard para a medição da água corporal total e dos espaços intra e extracelular utilizam a administração oral ou intravenosa de marcadores, que se distribuem virtualmente por todos os compartimentos de fluidos corporais em 3-4 horas. O mais utilizados são o deutério (2 H), óxido de deutério ( 2 H2O) e o oxigênio-18 (18O) para avaliar a água corporal total, e o brometo para avaliar o 24 espaço extracelular. Se soubermos a quantidade de marcador administrada e se a concentração de equilíbrio do marcador for medida, é possível calcular o volume no qual este está diluído. Utilizando esta técnica a variação mais pequena que é possível detetar ronda os 0,8L. Por fim, o volume intracelular é calculado como sendo a diferença entre a ACT e o VEC . Outra técnica em estudo é a bioimpedância elétrica em que a resistência dos tecidos e da água à corrente elétrica que atravessa o corpo é medida e utilizada para estimar a composição do corpo, incluindo a água. Embora seja influenciada por inúmeros fatores que podem reduzir a sua confiança e precisão e ainda seja inapropriada para avaliar pequenas variações
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