Futebol brasileiro
Tese: Futebol brasileiro. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: socrazy • 30/11/2014 • Tese • 1.644 Palavras (7 Páginas) • 520 Visualizações
Criado na Inglaterra e trazido por Charles Miller para o Brasil em 1894, o futebol foi ganhando o seu encanto, mas seu passado e presente são cheios de momentos em que predominaram estratégias de alienação, nem sempre tão camufladas. "Esporte inglês, regras inglesas, nomes ingleses, nada mais natural que o primeiro jogo de futebol fosse realizado entre ingleses e seus descendentes residentes em São Paulo. Assim aconteceu e os primeiros times se formaram em duas empresas inglesas: a Companhia de Gás do London Bank e a São Paulo Railway", recorda José Ricardo Prieto em Futebol e Modernização no Interior Paulista: Franca 1910-1922, monografia apresentada na Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Mas no futebol brasileiro, as primeiras evidências de racismo no esporte estiveram presentes numa fase muito importante de sua história: a passagem do amadorismo para o profissionalismo. Paradoxalmente, essa transição no esporte foi marcada pelo ingresso de atletas pertencentes às classes populares, proletarizadas, constituídas especialmente por negros e mestiços nas equipes.
Estudiosos do esporte revelam que o então denominado futebol "mestiço" sofreu muitas críticas, ganhando ainda a culpa pela perda dos títulos mundiais nas Copas de 1950 e 1954. Atribuída aos negros e mestiços que atuavam pela equipe brasileira a culpa da derrota nas duas competições, o racismo ainda foi justificado por um suposto desequilíbrio emocional dos atletas que apresentavam cor escura, logo nos jogos decisivos. Entretanto, este atrapalhado estigma foi derrubado nas Copas seguintes, em 58 e 62, quando a seleção brasileira conquistou os títulos mundiais com jogadores negros e mulatos.
O futebol brasileiro é assim, cheio de conflitos silenciosos que não são vistos por quem está de fora dos esquemas políticos e financeiros. A culpa imposta aos jogadores mestiços de 50 e 54 é apenas um entre muitos episódios de racismo no futebol. Um povo de origem multirracial convive tão intensamente com problemas de preconceito. Absolutamente, porque os cartolas sabem que o futebol é do agrado do povo, cria torcidas, "partidos". Então, eles se aproveitam de noções mais amplas que circulam entre as massas, distorcem e fixam algumas delas, de preferência dogmas, fazendo-as passar por conceitos verdadeiros socialmente comprovados, mediante uma intensa propaganda.
Na imprensa brasileira, eventualmente, é discutido o problema da discriminação — mesmo assim, sem compromisso de causa, dando pouco enfoque aos casos relatados, o que gera acusações de conivência dos veículos de comunicação com a politicagem no esporte. Seguindo a mesma linha, pode ser comprovado que na Europa não se toca mais nessa questão; ela é estrategicamente omitida. Estudos realizados na comunidade européia concluíram que instituições e grupos da elite branca dominante (inclui-se a maior parte dos meios de comunicação) são aliados próximos na reprodução da desigualdade étnica. Com efeito, a imprensa faz uso de uma linguagem metafórica que reproduz discriminações com as quais tenta iludir a população, sofisticando enormemente o racismo.
O futebol, aqui no Brasil, é apresentado com uma questão nacional, de certa forma mais assimilada pelos atoleimados setores de classe média — que transitam entre o proletariado, o campesinato pobre e a camada inferior do campesinato pobre por um lado e, por outro, entre a burguesia inferior e proprietários de terra em decadência evidente. É fatal que ao sofrer a seleção de futebol uma derrota em competições importantes, esses setores são os mais passíveis de aceitar como réus (e a pena que os acompanha) os jogadores que denotam origem mais humilde, capazes de representar a responsabilidade pelo maior insucesso.
O primeiro exemplo claro foi a Copa de 50, quando a seleção brasileira (ou como insistem os cartolas, o Brasil) era favorita ao título e ia disputar uma final como se estivesse apenas cumprindo uma obrigação para levantar a taça. Mas a equipe foi pega de surpresa e a derrota atribuída ao goleiro, o já falecido Moacir Barbosa, serviu para criar um estigma em relação aos goleiros negros que passaram a ser preteridos em relação aos goleiros brancos na seleção. Até mesmo o jornalista Mário Filho, na época, fez um comentário a respeito de Barbosa que reforçou a idéia: "... até que apareceu Barbosa, realmente um grande goleiro, grande tremedor, porém, tremeu tanto num jogo contra os argentinos em 45 que teve de mudar o calção quando acabou o primeiro tempo."
A condenação de Barbosa não parou por aí e em uma frase o próprio goleiro comentou o seu castigo: "No Brasil, a pena maior por um crime é de 30 anos. Há 43, pago por um crime que não cometi." Sem surpresas, após sua morte o antigo goleiro continua crucificado. O episódio mais recente da discriminação racial contra Barbosa aconteceu em 1993, nas eliminatórias da Copa do 94, quando o ex-goleiro quis visitar os jogadores da seleção brasileira na concentração e dar um ânimo aos atletas, mas foi impedido de entrar no hotel.
Curiosamente, a seleção de 1982, tida pela maioria da população brasileira e jornalistas esportivos como uma das melhores equipes já formadas, era constituída em grande parte por jogadores brancos, universitários e oriundos da classe média. Atletas negros ou mestiços estavam reduzidos a quatro: Luisinho, Toninho Cerezo, Júnior e Serginho. Por coincidência ou não, esta seleção é elogiada até hoje, apesar de seu insucesso. As críticas, que surgiram aos borbotões, em nenhum momento visaram a pessoa dos jogadores.
Problemas mais evidentes de racismo na seleção brasileira, só voltaram a acontecer na Copa de 98, realizada na França. Na ocasião, foi a vez do atacante Ronaldo carregar a cruz. Tido como a esperança de gols da equipe, foram colocados sobre a sua cabeça os "esclarecimentos cabíveis": ele foi acometido por um mal estar súbito acompanhado por convulsão, momentos antes do jogo final contra a seleção francesa. A preocupação com o atacante que entrou em campo e a lembrança da cena de Ronaldo se debatendo durante a convulsão, teria abalado muito a equipe brasileira. O mal súbito foi o elemento usado pelo monopólio mundial dos meios de comunicação para tentar convencer a população a crucificar
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