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Medico De Homens E Almas

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Por:   •  25/1/2015  •  Resenha  •  1.168 Palavras (5 Páginas)  •  224 Visualizações

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Lucano nunca soube com certeza se gostava ou não de seu pai. Seria possível admirar homens simples e despretensiosos. Seria possível honrar homens sábios. Mas seu pai não era simples nem sábio, embora se considerasse pertencente à classe destes últimos.

Guarda-livros e arquivistas tinham sua importância na vida especialmente se fossem diligentes e soubessem o seu valor como guarda-livros e arquivistas, sem pretender sugerir que possuíam maiores dons.

Não era agradável ouvi-los falar em "homens inferiores", tomando para isso ares superficiais e altamente cultos. A mãe de Lucano, porém, sorria tão terna e tão misericordiosamente, quando o marido dava voz aos seus ridículos preconceitos, que a luz da sua compaixão abrandava o coração do filho.

Enéias lavava as mãos em leite de cabra, pela manhã e à noite, esfregando cuidadosamente o rico fluido em cada ruga, rachadura e junta. Pelo que conhecia, aos dez anos de idade, Lucano compreendeu que o pai não estava apenas tentando amaciar e branquear as mãos, mas que pretendia apagar as cicatrizes de sua antiga servidão. Aquilo irritava Lucano, pois já então sabia que o trabalho, não importava de que espécie, não degradava ninguém, a não ser que parecesse degradante ao espírito do trabalhador. Enquanto Enéias sacudia muito delicadamente as mãos, para enxugá-las ao ar ameno da Síria, Lucano podia ver as regiões desfiguradas de suas palmas e a comprida e feia cicatriz que havia nas costas da fina mão direita; e um fluxo de vago amor e piedade surgia nele. Mas sua compreensão real era ainda infantil.

Enéias mostrava-se sob seu melhor aspecto exatamente antes da refeição da tarde, quando servia a costumeira libação aos deuses.1 Lucano o contemplava, então, com uma veneração sem palavras. A voz de seu pai, habitualmente tão fina, seca e orgulhosa, tornava-se humilde e hesitante. Enéias sentia-se grato aos deuses que o libertaram e tornaram possível a casa pequena e agradável, com seus jardins de palmeiras, flores, árvores frutíferas. Que o tinham levantado do pó e lhe haviam outorgado autoridade sobre outros homens. O fato mais solene, para Lucano, porém, era quando Enéias tornava a encher a taça de vinho e, com uma nova reverência, derramava o líquido vermelho, lenta e cuidadosamente, e dizia com brandura quase inaudível: "Para o Deus Desconhecido."

As lágrimas enchiam os grandes olhos azuis daquele Lucano de dez anos. O Deus Desconhecido. Para Lucano, a libação era não só um velho costume dos gregos mas, ainda, uma saudação mística, um rito universal. Lucano ficava a olhar a queda das gotas de rubi, e seu coração apertava-se com emoção quase insuportável, como se estivesse testemunhando o derramar-se de sangue divino, a oferenda de um Sacrifício inescrutável.

Quem era o Deus Desconhecido, sem nome? Enéias respondia ao filho: era um costume dos gregos oferecer-lhe aquele ritual, e fazia-se necessário manter os costumes civilizados da Grécia quando se vivia entre romanos bárbaros, embora fossem os bárbaros que governassem o mundo. Suas mãos marcadas de cicatrizes cruzavam-se num gesto inconsciente de homenagem, e seu rosto estreito, tão

1 Diante do altar dos deuses, ou antes de tomar alguma bebida – especialmente vinho -, os povos da Antiguidade costumavam derramar algumas gotas do líquido , previamente, em honra das suas deidades. O vinho era considerado o “sangue da uva”, por isso mais usado do que o leite, o mel e o azeite, que também tinham os seus usos nos sacrifícios (N. do T.)

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insignificante e comum, adquiria distinção e gravidade. Era nessas ocasiões que Lucano tinha certeza de amar seu pai.

Sobre os deuses Lucano fora cuidadosamente instruído pelo pai, que lhes dava seus nomes gregos e não os nomes toscos que os romanos lhes atribuíam. Mesmo assim, com seus nomes poéticos e adoráveis, eles eram, para Lucano, simplesmente homens que se tornaram gigantescos e imortais, donos de toda a crueldade, rapacidade, luxúria, ódio e malícia do homem. O Deus Desconhecido, entretanto, parecia não possuir os atributos do homem, nem seus vícios nem suas pequenas virtudes.

- Os filósofos ensinaram que Ele não deve ser compreendido pelo homem dissera Enéias a seu filho, certa vez. - Mas Ele é poderoso, onisciente e onipresente, e ainda assim está impregnado em - cada partícula de quanto existe, seja árvore, ou pedra, ou humanidade. Assim dizem os pensadores imortais de nossa gente.

"O rapaz é sério demais para sua idade" dissera Enéias certa vez à sua esposa, Íris. - "Entretanto,

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