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A PROCURA DO AMIGO

Por:   •  4/9/2018  •  Trabalho acadêmico  •  2.854 Palavras (12 Páginas)  •  206 Visualizações

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A PROCURA DO AMIGO

LUIZ CARLOS SAROLDI

Apresentação

O Concurso Nacional de Textos para Teatro de Bonecos teve a sua comissão julgadora composta por Euclides Coelho de Souza, diretor teatral; Fernando Augusto Gonçalves, autor e diretor teatral; Maria Luiza Lacerda, atriz e diretora teatral e Humberto Braga, assessor do INACEN, sendo a comissão presidida pelo diretor do antigo SNT, atual INACEN. Os textos premiados de João Siqueira, Antonio Leal, Luiz Carlos Saroldi (respectivamente 1.º, 2.º e 3.º lugares), Ernesto de Albuquerque e José Maria Rodrigues (prêmios de publicação), vêm com provar a vitalidade e a diversificação do gênero em nosso país, fato que a presente publicação vem divulgar em ampla escala para o público, re velando as riquezas não suficientemente conhecidas dessa forma de criação cênica.

Orlando Miranda de Carvalho

VELHO ÍNDIO — Dois curumins Kamaiurá cresceram juntos. Nunca se separavam. Caçavam juntos, pescavam juntos, iam à roça juntos. Juntos trabalhavam e passeavam. Não se separavam um instante. Um deles se chamava Aravutará...

(Entram os dois índios, alegres, brincando, até que param frente à frente, sérios.)

ARAVUTARÁ — Se eu morrer, você vai me procurar até encontrar. O mesmo eu faço com você, se você morrer primeiro.

AMIGO — Está certo. Nós não podemos ficar separados; não vamos agüentar a saudade.

ARAVUTARÁ — É preciso outra coisa. O que ficar vivo também faz arco e flecha para o morto, pra ele poder pescar e caçar lá em cima.

AMIGO — Combinado, Aravutará.

(Saem, ou apenas se afastam.)

VELHO ÍNDIO — Todo dia eles falavam nisso. Um dia o amigo de Aravutará ficou muito doente. Mandou chamar o companheiro.

(Amigo deitado.)

AMIGO — Companheiro, estou muito doente. Vou morrer.

ARAVUTARÁ — Não fale assim. Isso passa. Você tem de ficar bom de novo.

AMIGO — Não tem mais jeito, não. Desta vez eu morro mesmo. Me procure no dia em que o sol se apagar.

(Música ou efeito sonoro indígena.)

VELHO ÍNDIO — Dois dias depois morreu o companheiro de Aravutará.

(Cerimônia simulada: corpo do amigo transportado numa vara para enterro ajoelhado em buraco vertical. Aravutará carrega pertences do morto para depositá-los ao lado do túmulo.)

VELHO ÍNDIO (A ele.) — E agora, Aravutará? Que vai fazer?

ARAVUTARÁ — O combinado. Vou procurar o espírito do morto por todos os lugares. Longe ou perto, sem descanso.

VELHO ÍNDIO — E se ele demorar muito?

ARAVUTARÁ — Não tem importância. Continuo procurando. A gente se encontra quando o sol se apagar, ele disse.

VELHO ÍNDIO — Pode demorar.

ARAVUTARÁ (Saindo.) — Não faz mal. Continuo procurando.

(Sol e lua se revezam no céu, pássaros atravessam a cena. A mãe de Aravutará se dedica às tarefas domésticas enquanto o filho anda de um lado pra outro, sempre chamando o amigo, sem resposta. Mãe olha o céu, onde sol e lua caminham pra se encontrar.)

MÃE (Apontando o céu.) — Olhe, Aravutará!

ARAVUTARÁ — Que foi, mãe?

MÃE — Parece que a lua vai passar na frente do sol.

ARAVUTARÁ — Ele disse que ia ser quando o sol se apagasse. Então é hoje, mãe. Hoje encontro meu amigo.

(Aravutará caminha para um ponto afastado; mãe desaparece. Lua encobre o sol, escurece. Ruídos.)

ARAVUTARÁ — Estou cansado. A noite já vai alta. Meu companheiro está demorando muito a aparecer.

(Quando ele vai cochilar, ouvem-se risos: são os espíritos (mamãe) que começam a desfilar na frente dele, despertando-o. Quase todos tapam o nariz ao passar por Aravutará.)

ESPÍRITOS — Que cheiro ruim... Tem gente aí com corpo ainda. Como cheira mal.

(Espíritos trazem arcos e flechas e estão enfeitados com penachos. Aravutará não liga às críticas, ansioso por encontrar o amigo.)

ARAVUTARÁ — Como é, meu companheiro vem?

ESPÍRITO — Vem, sim. Mas é o último da fila.

(O amigo vem rindo, lá atrás, alegre como todos os demais.)

AMIGO — Salve, Aravutará. Então, companheiro, nós não combinamos que quando um morresse o outro ia procurar?

ARAVUTARÁ — Por isso mesmo estou aqui. Vim te encontrar.

AMIGO — Eu já te esperava. Quando o sol se apagasse.

ESPÍRITO (Do Amigo) — Ande, não podemos parar.

ARAVUTARÁ — Aonde vai esse pessoal?

AMIGO — Vai pra festa lutar com os pássaros.

ARAVUTARÁ — Eu vou com vocês.

AMIGO — É muito perigoso. Não é coisa pra você.

ARAVUTARÁ — Tenho que ir. Nós somos amigos. Preciso ir; nós sempre andamos juntos.

AMIGO — Vamos embora, então. Você tem flecha?

ARAVUTARÁ (Mostra.) — Trouxe arco, flecha, borduna, a rede, e minha flauta de bambu.

AMIGO — Vamos precisar de uma esteira pra guardar penas de passarinhos.

ARAVUTARÁ — Pode deixar; eu tranço uma.

AMIGO — Vamos ter que acampar no caminho pra chegar aonde vamos. Mas você não pode dormir.

ARAVUTARÁ — Não faz mal. Fico acordado, trançando a esteira.

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