Os Direitos Humanos
Por: wetilla.morais • 1/3/2019 • Relatório de pesquisa • 1.861 Palavras (8 Páginas) • 132 Visualizações
10.4 Vistos sob uma perspectiva sistêmica, os Direitos Humanos permitem diversas formas de análise. O denominador comum entre elas é que a transgressão aos direitos representa o embrião da criminalidade, conforme já puderam sinalizar os exemplos anteriormente apresentados.
A visão sistêmica, possivelmente com mais facilidade do que as demais linhas teóricas da psicologia, porque as integra e complementa, permite acompanhar as transformações dos comportamentos na situação de mudança.
A mudança gera o conflito e coloca o agente na condição de decidir a respeito de qual tipo de comportamento adotará: o socialmente adaptado e construtivo ou o seu oposto – leia-se, a delinquência.
Estimulado para gastar a adrenalina que o impulsiona, o jovem pode optar pelo “racha” na avenida ou por uma prática esportiva; incentivado a realizar um negócio ilegal e lucrativo, o empresário tem a chance de desviar seu poder econômico para outro tipo de atividade e assim por diante. Toda ação contém uma decisão e esta, sempre, conduz o agente a infringir ou não um dispositivo dos Direitos Humanos – ainda que isto seja algo que a ele jamais ocorra.
Por definição, toda ação responde a uma necessidade de mudança (desde a mais banal, tal como abrir os olhos ao acordar – uma mudança de estado fisiológico). Toda ação contém um conflito (mudar ou não mudar, no mínimo) e, sempre, implica em três consequências, sob a ótica sistêmica:
•uma comunicação, trocada com o próprio psiquismo e/ou com o meio; quando estritamente interna, a ação esgota-se e não há a identificação do comportamento; ainda assim, pode ser uma agressão a Direitos Humanos (!): por exemplo, o indivíduo injeta a cocaína no silêncio do seu quarto; prejudica-se e à sociedade;
•um rearranjo de fronteiras, porque a ação implica na invasão de espaços de outros; pode ocorrer que ela aconteça com a aquiescência desse outro – como acontece quando o supervisor chega para orientar o empregado e invade-lhe o espaço, ou em prejuízo do outro – como ocorre quando o sequestrador subtrai a pessoa de seu ambiente e priva-a de todos os direitos;
•um efeito de curto ou longo prazo sobre a evolução dos sistemas afetados, com possível consequência sobre suas crises de ciclos vitais, dependendo da magnitude da ação. Essa consequência, em geral, é ilusoriamente distante: uma falha grave de educação (por exemplo, a impossibilidade de receber um ensino de qualidade) afetará a adolescência e o início da vida adulta de modo irreversível e será determinante para escolhas que acompanharão (ou perseguirão) o indivíduo por toda sua vida.
Ao longo deste livro, o leitor pôde acompanhar diversos casos em que Direitos Humanos fundamentais (ligados à saúde, à propriedade, à liberdade individual etc.) foram infringidos por seus protagonistas.
Em todos eles, evidenciaram-se comunicações trocadas entre os participantes desses casos e entre eles e a sociedade. Quando as autoridades, os advogados, promotores e juízes praticam suas intervenções, eles comunicam.
Essa comunicação jamais cai no vazio. Ela estabelece parâmetros e paradigmas que servirão, no futuro, para os mesmos protagonistas e para pessoas que acompanharam os acontecimentos.
O que e como se comunica têm enorme importância para as garantias presentes e futuras e um erro lamentável é minimizar a importância dos “casos pequenos” ou localizados.
Com sua característica lucidez, o escritor Millôr Fernandes estabelece a importância desse tipo de comunicação, quando ensina que “nossa liberdade começa onde podemos impedir a dos outros”. A civilização é o processo de restrição de liberdades para poder garantir um mínimo delas. A liberdade infinita para alguns representa a nula para todos os demais.
A sociedade funciona por meio de um sistema de comunicações, complexo, atuante, ágil e, com as virtudes e defeitos da Internet, amplo e quase que simultâneo. A fofoca encarrega-se do resto. Por exemplo, quando autoridades, donos de poder econômico, pessoas detentoras de privilégios decorrentes de histórico cultural, líderes religiosos e outras celebridades conquistam “liberdades” ou promovem “liberalidades”, surgem agressões aos Direitos Humanos que se multiplicam pela força da comunicação e reduzem os direitos dos que não têm as mesmas regalias.
Esse fenômeno proporcionado pela comunicação encontra-se por trás da mutilação da cidadania já comentada.
A visão sistêmica, contudo, vai além, para indicar que o conteúdo comunicado contém uma espécie de vírus que afeta a maleabilidade e a permeabilidade das fronteiras entre os sistemas e subsistemas.
Trata-se de um vírus de natureza social, por meio do qual o indivíduo reconhece que os direitos que lhe são atribuídos ou negados têm consequências sobre as trocas que pode e ou deve realizar com o meio; assim, ele “encolhe-se” ou “expande-se”, vale dizer, luta mais ou menos por seus direitos legítimos, no afã de se adaptar aos conteúdos que lhe são comunicados. Isso tem a ver com as diversas teorias a respeito da motivação, anteriormente estudadas.
Uma consequência dessa contaminação seria a alienação, indo ao encontro do que Karl Marx considerou uma perturbação no sentimento de identidade, um processo em que o ser humano se afasta de sua real natureza, torna-se estranho a si mesmo na medida em que já não controla sua atividade essencial.
As dimensões das fronteiras psíquicas (são sempre psíquicas) de um indivíduo são dadas pelo grau de liberdade com que pode exercer seus direitos. Imaginem-se as dimensões dessas fronteiras para aquele cidadão que se desloca duas ou mais horas por dia para o trabalho, cujos filhos estudam (se o fazem) em uma escola precariamente instalada, com professores de escasso preparo etc. etc. e que coroa a semana com pinga e churrasco de costela enquanto aguarda o gol na TV do bar…
A ampliação de fronteiras, para que cada indivíduo possa contribuir com eficácia e produtividade em direção ao bem próprio e comum, requer a fruição dos direitos que lhe cabem.
Os efeitos sobre a evolução dos sistemas serão marcantes, porque esta, em essência, extrapola uma tendência; não se esperem pontos de inflexão na natureza dos comportamentos, pois o ser humano não se transforma do dia para a noite sem que um trauma (improvável) o obrigue (e, mesmo com ele, em geral, os comportamentos dominantes sofrem poucas alterações).
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