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Trabalho Imaterial e Redesenhos do Espaço Doméstico: Homeofficing como Estratégia de Viver a Vida

Por:   •  19/2/2021  •  Artigo  •  4.135 Palavras (17 Páginas)  •  159 Visualizações

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O presente estudo partiu da observação de que da produção em massa à produção enxuta, do emprego formal ao trabalho flexível, do peso do aparato burocrático à fluidez da informação instantânea, transformações nos modos de trabalhar são também transformações

nos modos de viver, ao passo que ressignificam a experimentação de tempo e espaço.

Tomou como suporte as características da modernidade líquida (BAUMAN, 2008, 2009), em que qualquer limite é um obstáculo a ser eliminado em favor da mobilidade. A vida vivida na sociedade líquido-moderna é apressada e não há tempo para consolidação de

quaisquer certezas sobre o futuro. As condições são temporárias, as formas maleáveis, passíveis de remodelagem, assim como os indivíduos. Na vida líquida, mudar é tanto um dever quanto uma necessidade (BAUMAN, 2008, 2009).

A informatização e automatização dos sistemas através dos quais o trabalho é organizado e executado, mais evidentes no Brasil entre as décadas de 1980 e 1990, ainda reverberam os efeitos da flexibilização das fronteiras institucionais, da precarização, terceirização e extinção de postos de trabalho (BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009).

O trabalho imaterial se vale da subjetividade como condição indispensável à produção (LAZZARATO e NEGRI, 2001) e o indivíduo é demandado a satisfazer “uma demanda ao mesmo tempo que a constitui” (LARAZZATO e NEGRI, 2001, p. 47). As atividades atinentes

ao trabalho imaterial não se limitam a quantificações padronizadas e a fronteiras espaçotemporais predeterminadas (GORZ, 2005). Sob forma de rede e fluxo, atividades associadas à "produção audiovisual, publicidade, moda, produção de softwares, fotografia, atividades

culturais" (LAZZARATO E NEGRI, 2001, p. 45) são acentuadas na forma da produção imaterial e definidas na relação particular com o mercado e seus consumidores.

Como único responsável por seus êxitos e fracassos, o indivíduo está no exercício contínuo de uma contabilidade existencial, em que a vida se torna um plano de carreira, consagrada à gestão da sua empregabilidade e do seu capital-competência (GAULEJAC, 2007).

Trata-se de uma vida fragmentada na obsolescência e no descarte de mercadorias, inclusive do próprio indivíduo que, aliciado a uma estratégia existencial consumista (BAUMAN, 2008), promove-se como uma mercadoria vendável e rentável.

Redesenhos de espaços domésticos são pensados de modo a otimizá-los (GODOY, FERREIRA e SANTOS, 2015; TRAMONTANO; 1998), torná-los suficientemente estimulantes e eficientes para a produtividade e rentabilização do indivíduo, o que inclui o abrigo do trabalho que se estende para além das fronteiras organizacionais. A fim de verificar a existência de estudos relativos à temática, fez-se levantamento

preliminar nas bases de dados ANPAD, CAPES, EBSCO e SCIELO, para o período entre 1990 e 2016. Destacaram-se Tramontano (1998), Mendonça (2010) e Pinto Júnior (2011), dedicados ao estudo do habitar contemporâneo na área da Arquitetura. No âmbito da Administração, identificaram-se estudos que tangenciam a temática, especificamente associados ao teletrabalho

(BARBOSA, MARANHÃO e PEREIRA, 2015; BARROS e SILVA, 2010; COSTA, 2007).

Nenhum registro, no entanto, aludiu à perspectiva do presente trabalho. Ao considerar as relações entre modos de viver, trabalhar e habitar, apresentou-se a seguinte questão de pesquisa: como a atual apresentação do trabalho, sob a noção de trabalho imaterial, interfere nos redesenhos do espaço doméstico? Pode tal interferência ilustrar uma estratégia de viver a vida? Propôs-se, como objetivo geral, identificar e analisar interferências do trabalho imaterial em redesenhos do espaço doméstico e sua possível ilustração de uma estratégia de viver a vida. Especificamente, considerou-se apresentar e analisar tais redesenhos a partir de material veiculado no Caderno Casa&Cia e da visão de profissionais da área.

A seguir, encontram-se a revisão da literatura, a descrição da construção e da análise do corpus de pesquisa, os resultados obtidos e as considerações finais.

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 VIVER, TRABALHAR E HABITAR NA MODERNIDADE LÍQUIDA

Na modernidade líquida (BAUMAN, 2008), a flexibilização das fronteiras entre família, escola e fábrica refletem a fluidez e a mobilidade, características da sociedade líquido-moderna. À medida em que o tempo detém relevância sobre o espaço, testemunha-se uma vida líquida, a reviravolta do nomadismo sobre a fixidez, a riqueza associada à leveza e “bens volumosos mais parecem um lastro irritante do que uma carga preciosa” (BAUMAN, 2008, p.45).

O trabalhador, sujeito ativo do trabalho, é demandado nas suas dimensões corporais, intelectuais, afetivas. Torna-se, concomitantemente, produto e produtor (GAULEJAC, 2007; GORZ, 2005). Ao mesmo tempo em que produz subjetividade e valor econômico, o trabalho

imaterial supera as barreiras entre economia, poder e saber (LAZZARATO e NEGRI, 2001).

Antes voltados à produção, os indivíduos da sociedade líquido-moderna voltam-se ao consumo, “quando o ‘querer’ passa a sustentar a economia do convívio humano” (BAUMAN, 2008, p.38), que prospera na perpetuação da não-satisfação dos indivíduos. Trata-se de uma

vida fragmentada na obsolescência e no descarte de mercadorias, inclusive do próprio indivíduo que, lançado à estratégia existencial consumista, é aliciado a promover-se como uma mercadoria vendável e rentável. Para tanto, “fazem o máximo possível e usam os melhores recursos que têm para aumentar o valor de mercado dos produtos que estão vendendo. E os produtos que são encorajadas a promover e vender são elas mesmas” (BAUMAN, 2008, p. 13).

A diversificação e popularização de meios performáticos de comunicação, como o computador, influenciam a expansão das plantas livres e da estética clean, representados na ideia de viver da geração yuppie. As novas mídias trouxeram a promessa de ampliar as

facilidades da sociedade tecnocrata, à medida que expandiram as condições de trabalho, inclusive no espaço doméstico (TRAMONTANO, 1998), se fazendo notar pela proliferação de espaços multifuncionais (GODOY, FERREIRA e SANTOS, 2015) pensados para garantir a

otimização tanto do espaço como do morador.

Propagandas de lançamentos de edifícios residenciais em São Paulo nestes primeiros anos do século 21 enfatizam, principalmente, o bem-estar e uma maneira de viver considerada saudável, prática e moderna. Os nomes dos empreendimentos

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